O TJ/SP deverá analisar a validade de cláusulas de instrumentos bancários as quais estabelecem que, havendo pedido de recuperação judicial, opera-se o vencimento antecipado da dívida.
O caso concreto, que será levado à apreciação da 2ª câmara Reservada de Direito Empresarial do tribunal bandeirante, se refere à recuperação judicial requerida por uma rede de brinquedos. A questão atinge instituições financeiras como Santader, Itaú e Citibank.
Suspensão
Em março deste ano, o juízo da 2ª vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP determinou que tais cláusulas, firmadas com diferentes bancos, fossem suspensas, destacando que a apreciação de ofício da suspensão, no caso, não implica decisão extra petita.
Na decisão, o juiz Marcelo Barbosa Sacramone afirmou que o art. 333 do CC/02 determina que “ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato” nas hipóteses de falência ou de concurso de credores. “Não houve qualquer determinação nesse sentido para o caso de recuperação judicial.”
Além das hipóteses legais, segundo o julgador, seria possível, por falta de proibição em lei, a estipulação contratual pelas partes do vencimento antecipado. Diante do princípio da preservação da empresa, entretanto, o julgador destacou que a autonomia das partes de se regularem “é restrita por ocasião da recuperação judicial” – resultado da interpretação analógica do art. 117 da lei 11.101/05.
“A recuperação judicial é um benefício legal conferido ao devedor empresário para que possa se restabelecer diante de uma crise econômico-financeira reversível. O benefício legal, entretanto, não poderá ser utilizado pelo credor, não submetido ao plano de recuperação judicial, para que se privilegie ainda mais em face dos demais, de modo que a cláusula de vencimento deve ser suspensa.”
O Banco Citibank, por meio de seus representantes legais – da banca CMMM – Carmona Maya, Martins e Medeiros Advogados – interpôs agravo de instrumento contra a decisão.
Autonomia
Na petição, a defesa sustenta que a decisão não só contraria jurisprudência do TJ/SP, como também os princípios mais básicos do direito, como o princípio da inércia da jurisdição e da autonomia da vontade.
“Inadmissível que a decisão seja mantida nestes moldes, principalmente quando se verifica que o MM. Juízo a quo se arvorou erroneamente no direito de decidir de ofício pela nulidade de cláusula perfeitamente válida, que significa praxe de mercado e que já teve chancelado seu teor por todos os tribunais e instâncias judiciais pátrias.”
Segundo os advogados, somente são passíveis de avaliação ex officio os pontos que estiverem atrelados à análise do plano da existência do negócio jurídico. Os pontos inerentes ao plano da validade do negócio jurídico só poderiam ser avaliados, conforme sustentam, mediante provocação do jurisdicionado.
“A maior gravidade da decisão recorrida é a teratológica e inaceitável dilaceração do princípio da autonomia da vontade, elemento que permite a sobrevivência da economia de mercado e da livre iniciativa, fatores tão caros à concepção constitucional legislativa que foram positivados pelo artigo 1º, IV da Carta Política brasileira.”
No documento, a defesa explica que, quando se distribui o pedido de recuperação judicial, todo o risco calculado na operação é modificado, criando-se desequilíbrio contratual, vez que inexiste paridade de benefícios.
“Enquanto a empresa que toma o empréstimo permanece com a quantia financeira em seu caixa, o banco, que transfere a quantia a título oneroso, passa a sofrer risco significativamente maior de não receber de volta o valor do empréstimo, muito menos o produto da operação financeira (spread bancário).”
Os advogados ainda esclarecem que, como consignado na decisão recorrida, não existe disposição legal que proíba a fixação de vencimento antecipado da dívida em caso de pedido de recuperação judicial. “Sabendo que o MM. Juízo a quo afirma categoricamente inexistir proibição à convenção discutida, verifica-se que não existe justificativa para a intervenção estatal.”
Liminar
Diante da possibilidade de grave dano, de difícil ou incerta reparação, o desembargador Caio Marcelo Mendes de Oliveira, do TJ/SP, concedeu liminar no começo de abril para “suspender a decisão agravada apenas no que respeita à suspensão da cláusula de vencimento antecipado”.
O processo ainda não tem data para ir a julgamento colegiado.
Processo: 2075528-50.2016.8.26.0000
23/8/2016