O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tem considerado ilegal a intimação de contribuintes, em processos administrativos tributários, realizada apenas pelo Diário Oficial Eletrônico do Estado. As decisões foram dadas em recursos envolvendo empresas que perderam prazo para defesa por não terem sido intimadas por meio do Domicílio Eletrônico do Contribuinte (DEC), uma espécie de caixa postal para a comunicação entre as partes.
Quase todos os contribuintes de ICMS do Estado já foram obrigados a aderir ao DEC. A ferramenta para o envio de notificações e intimações eletrônicas começou a ser usada em meados de 2012. Contudo, a Fazenda paulista argumenta que, independentemente da adesão ao mecanismo, as companhias têm que acompanhar as publicações no Diário Oficial Eletrônico.
Recentemente, porém, a 8ª Câmara de Direito Público do TJ-SP acolheu a argumentação de uma indústria de plásticos que tinha perdido o direito de recorrer em um processo administrativo que discute, no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), autuação fiscal por não recolhimento de ICMS no valor de aproximadamente R$ 1 milhão.
Em seu voto, o relator do caso, desembargador Manoel Ribeiro, destacou que a empresa, ao se cadastrar no DEC, recebeu mensagem de boas-vindas da Secretaria da Fazenda, na qual consta que “as empresas credenciadas no DEC estarão habilitadas em receber as comunicações oficiais dispensando-se a publicação no Diário Oficial do Estado”. A mesma informação está no manual do DEC.
Porém, a Portaria da Coordenação da Administração Tributária (CAT) nº 198, de 2010, diferentemente prevê que os credenciados no DEC estão obrigados a observar as normas do processo eletrônico e que todas as publicações serão feitas no Diário Oficial Eletrônico da Secretaria da Fazenda.
Para o desembargador, a Lei Estadual nº 13.918, de 2009, que instituiu o DEC, não obriga o contribuinte a acompanhar também o Diário Oficial Eletrônico. E a exigência, segundo ele, não poderia ser estabelecida por portaria. “Assim, eleita a comunicação eletrônica do contribuinte credenciado pelo DEC, não é lícita a comunicação da decisão relativa à defesa administrativa no Diário Eletrônico, sem que haja prévio aviso no DEC sobre alteração da via eleita”, diz na decisão.
O julgado, de acordo com o advogado Carmino De Léo Neto, do escritório De Léo, Paulino e Machado Advogados, que representa a empresa no processo, é “um ótimo precedente”. “Inúmeros contribuintes tiveram seu direito de defesa cerceado com esse entendimento da Fazenda do Estado de São Paulo”, afirma. “Fica difícil para pequenas e médias empresas, que não têm advogado constituído, acompanharem diariamente o DEC e o Diário Oficial Eletrônico.”
Uma decisão da 1ª Câmara de Direito Público do tribunal paulista, proferida no fim do ano passado, também assegurou o mesmo direito a uma empresa de equipamentos industriais. De acordo com o relator, desembargador Vicente Abreu Amadei, a falta de comunicação no DEC ofende o princípio da ampla defesa. “Resultou em prejuízo ao contribuinte, na medida que foi truncada sua faculdade de recurso na esfera administrativa”, afirma. Com o entendimento, foi anulada decisão administrativa que não tinha admitido o recurso do contribuinte.
Segundo a decisão, “de fato, a administração pública pode eleger, em cada caso específico, a via de comunicação que melhor atende ao seu interesse; mas, uma vez eleita uma via, não lhe é lícito, unilateral e arbitrariamente, mudar a via eleita sem prévia notícia ao administrativo, colhendo-o de surpresa, em nítido descolamento aos princípios da lealdade e da boa-fé”.
O caso, de acordo com o advogado da empresa, Ricardo Ferreira Toledo, do Ferreira e Santos Advogados Associados, envolve um auto de infração sobre ICMS de aproximadamente R$ 800 mil. “Esse procedimento da Fazenda viola a ampla defesa e o contraditório, previstos na Constituição. A empresa não foi notificada como deveria e em consequência disso perdeu o prazo para recorrer”, diz.
Na decisão, o desembargador afirma ainda que não faltam precedentes no Tribunal de Justiça a favor dos contribuintes. E cita uma outra decisão de setembro do ano passado, da 10ª Câmara de Direito Público. Nesse caso, o relator, desembargador Marcelo Semer, diz que “a administração pública também feriu o princípio da segurança jurídica ao não proceder ao comportamento que, por decorrência legal, dela se esperava”.
No início da implantação do DEC, alguns contribuintes foram à Justiça e conseguiram autorização para reabrir processos administrativos com a alegação de que foram fiscalizadas de forma presencial e intimadas somente por meio eletrônico. Agora, a queixa é de que essas comunicações não têm ocorrido pela nova ferramenta.
Procurada pelo Valor, a Secretaria da Fazenda de São Paulo informou por nota que as decisões do TJ-SP adotam como fundamento a Lei nº 13.918, de 2009, que instituiu o DEC. Mas como essa é uma lei específica, acrescentou, deveria prevalecer a lei geral, no caso, a Lei nº 13.457, de 2009 – que dispõe sobre o processo administrativo tributário.
Fonte- Valor Econômico- 30/3/2015- http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=18905