Uma proposta que está tramitando no Senado tenta esclarecer o debate sobre a execução da pena após condenação em 2a. instância. O Projeto de Lei do Senado 147 de 2018, de autoria do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), propõe a modificação da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro para estabelecer que, para fins de cumprimento da sentença penal condenatória, o trânsito em julgado será considerado a partir da condenação em 2º grau.
O projeto tenta resolver a questão de forma expressa numa lei ordinária, já que enquanto vigorar a intervenção federal na área de segurança no Rio de Janeiro neste ano, nenhuma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pode ser aprovada no Congresso.
A proposta retoma o argumento de outro projeto que ficou conhecido como “PEC do Peluso” ou “PEC dos Recursos” cujo texto original propunha a definição do trânsito em julgado após decisões de 2a. instância para evitar o longo período de tramitação do processo penal criado por recursos protelatórios. A PEC foi sugerida em 2011 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, hoje aposentado, mas embora esteja pronta para deliberação, nunca foi apreciada pelo plenário do Senado.
O JOTA teve acesso à minuta do relatório do PLS 147/2018 que está sendo negociado entre os parlamentares e que deve ser apresentado nas próximas semanas à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O texto define que “dê-se ao § 4º do art. 6º do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, acrescentado pelo art. 1º do Projeto de Lei do Senado nº 147, de 2018, a seguinte redação:
“Art.6º:………………………………………………………………………………………………………………………………
§ 4º No processo penal, o trânsito em julgado ocorrerá com o esgotamento das instâncias ordinárias, assegurado às partes a interposição de recursos para as instâncias extraordinárias.”
O relator da proposta ainda não foi designado formalmente pelo comando da CCJ do Senado, mas lideranças partidárias confirmaram ao JOTA que o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) vai ser o responsável pela matéria. O parlamentar relata outras propostas semelhantes na Casa Revisora e é favorável ao texto.
Assessores jurídicos procurados pelo JOTA avaliam que, se o texto for aprovado pelo Congresso Nacional, a questão sobre a mudança ou não da jurisprudência da execução da pena após condenação em segunda instância seria resolvida sem necessidade de uma alteração na Carta Magna porque a lei definiria o trânsito em julgado a partir da confirmação da condenação pelo 2º grau.
Além disso, outra vantagem seria de conclusão do tema no Legislativo e arquivamento de outras propostas que tramitam no Congresso com teor semelhante, já que a aprovação do PLS 147/2018 enfraqueceria politicamente o tema.
Estratégia
O professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Bottini, entende a estratégia usada pelos parlamentares para tentar resolver a questão por meio de uma lei ordinária, mas alerta para problemas que a eventual lei aprovada não resolverá. “Essa [proposta de] lei define o que é trânsito em julgado, assim não precisa alterar todas as leis especiais que tratam disso. O problema é que o conceito que ela cria está errado porque trânsito em julgado, para a doutrina, é a imutabilidade da questão. E a existência de discussão de fato ou de direito que possa alterar a decisão anterior, é o oposto de coisa julgada”, comentou o especialista ao ler o PLS 147/18.
Gustavo Badaró, advogado e professor de Processo Penal da USP, também discorda da interpretação de que o projeto, se aprovado, resolveria a questão. Para ele, o projeto cria um “conceito próprio” de trânsito em julgado. “Para quem entende que o STF está violando a Constituição, não resolve o problema. Seria, apenas, um estelionato de etiquetas. Não é possível só mudar o nome, sem mudar a substância”, explicou o professor.
Recursos Protelatórios
O texto se vale da possibilidade da apresentação de recursos ao processo apenas com intenção protelatória para convencer de sua necessidade de aprovação. A minuta de parecer em estudo para ser apresentada à CCJ traz argumentos de que o Poder Judiciário é composto por “quatro instâncias”, sendo duas ordinárias e duas extraordinárias, o que afetaria a efetividade da garantia da duração razoável do processo.
Também há o argumento de que “em nenhum país a execução da pena depende, para ser iniciada, da confirmação da Corte Suprema”. E ainda cita o dado de que apenas 1,12% dos recursos em matéria criminal julgados pelo STF resultam em sentença favorável ao condenado, o que indicaria o “baixo impacto das apelações”.
“A concepção e a estrutura do sistema recursal brasileiro são desfavoráveis à duração razoável do processo: para se tornar definitiva, a decisão deve passar por um longo périplo entre a primeira instância e o STF, com diversas possibilidades de contestação de cada decisão. Assim o princípio da razoável duração do processo perde o sentido”, diz trecho do documento. “É importante ressaltar que a medida não mitiga, sob nenhum aspecto, as garantias constitucionais inerentes ao devido processo legal.”
Para Badaró, seria possível mudar a natureza dos recursos especial (apresentado ao Superior Tribunal de Justiça) e extraordinário (ao STF) para que ambos deixassem de ser, efetivamente, recursos. Essa é a ideia central da “PEC do Peluso” que parece, ao advogado, viável. Mas o professor questiona a viabilidade do PLS 147/2018 para ter o mesmo efeito.
“O mais razoável [para resolver a questão da segunda instância] seria – diante do entendimento do STF- alterar o artigo 283 do Código de Processo Penal para dizer que a prisão pode ter por título o acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal condenatório. E o artigo 105 da Lei de Execuções Penais para dizer que a guia de de execução da pena pode ser expedida na mesma condição.”
Tramitação
O PLS 147/18 tramita em caráter terminativo na CCJ do Senado. Se aprovado, pode ser levado diretamente para deliberação da Câmara dos Deputados, salvo se houver recursos assinado por 9 senadores exigindo aprovação da maioria simples de toda a Casa Revisora à proposição. Enviado para a Câmara, ele pode ser modificado. Se alterado, retorna para o Senado para que os parlamentares digam apenas se aceitam parcial ou integralmente as mudanças feitas pelos deputados ou se rejeitam a nova versão. Após essa última rodada de votações no Senado, o projeto segue para sanção presidencial.
19/4/2018
Fonte- https://www.jota.info/legislativo/senadores-querem-garantir-execucao-de-pena-em-2a-instancia-com-lei-ordinaria-19042018