Ele não aponta quantas pessoas já foram identificadas, mas afirma que representa uma parcela “seguramente boa” da população. “Já estamos recebendo informações de muitos países, referentes a 2012, 2013, 2014… Temos as listas do SwissLeaks [sobre contas secretas do HSBC na Suíça], os Panamá Papers [documentos sobre a indústria de empresas offshore] e outros casos que ficaram evidentes na mídia”, afirmou o secretário-adjunto, em evento na sede da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), na segunda-feira (15/8).
Por isso, Cardoso disse que se engana quem pensa que o contato direto entre Brasil e outros países só começará em 2018, ano em que entrará em vigor um acordo multilateral para troca de informações fiscais. “Estamos aguardando o prazo [do programa de regularização] para começar a trabalhar com esses dados.”
O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, criado pela Lei 13.254/2016, anistia brasileiros que deixaram recursos fora do país sem avisar o órgão, até 2014. O governo federal estimula mais arrecadação e, em troca, impede que o participante vire alvo de processos sobre evasão de divisas e sonegação, por exemplo.
Cardoso descartou a prorrogação do período e qualquer mudança na norma, como chegou a ser cogitado no Planalto. Ele também não informou quantas pessoas já se inscreveram no programa, apesar de reconhecer que o número ainda é pouco expressivo. A aposta da Receita é que os cadastros tenham mais impulso entre setembro e outubro, perto do prazo final, como ocorre com as declarações de Imposto de Renda.
O secretário-adjunto garantiu que a Receita não vai compartilhar dados de cadastrados com outras instituições ou Fiscos municipais e estaduais. Também reconheceu que seria inviável a identificação de situações irregulares se o Supremo Tribunal Federal tivesse declarado ilegal o diálogo direto entre Receita e instituições financeiras, sem aval da Justiça.
Problemas na lei
O procurador da República Rodrigo de Grandis, também participante do evento na Aasp, afirmou que o Ministério Público Federal pode questionar a lei de regularização de ativos, por dar benefícios para crimes de “colarinho branco” sem que o Estado brasileiro garanta situações semelhantes para quem comete crimes mais tradicionais (contra o patrimônio e praticados sem violência ou grave ameaça, como furto e apropriação indébita).
Segundo ele, a Lei 13.254/2016 vai na contramão de acordos internacionais, assinados inclusive pelo Brasil, que incentivam punições mais rigorosas para lavagem de dinheiro e outros delitos.
Já o tributarista Hamilton Dias de Souza afirmou que a norma não representa nenhuma “benesse sul-americana”, e sim tentativa de garantir o funcionamento de um sistema de transparência já adotado por países desenvolvidos e recomendado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Não é um acordo entre Receita e contribuinte, pois é feito sobre os auspícios do Estado brasileiro.”
O criminalista Alberto Toron definiu a lei como “política criminal acertadíssima”, pois segue tendência mundial de dedicar atenção a crimes cometidos por outros grupos sociais, além das classes mais pobres, sem deixar de lado as consequências desse ato. Ele afirma que já foi procurado, por exemplo, por filhos de vítimas do Holocausto que mantiveram dinheiro no exterior e agora querem saber como regularizar os valores.
Toron também afirma que a lei fere a presunção de inocência ao impedir a participação de pessoas condenadas pelos crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. De Grandis concordou nesse ponto e apresentou uma aposta jurídica para condenados em primeiro grau.
Para o procurador, réus nessa situação podem apresentar Mandado de Segurança para integrarem o regime, sob o argumento de que o STF flexibilizou a presunção de inocência apenas a partir de decisão de segunda instância, ao permitir execução provisória da pena (HC 126.292).
Os debatedores do evento na Aasp também responderam a algumas dúvidas sobre a validade do regime, na prática. O secretário-adjunto da Receita Federal, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, apontou que o órgão tem uma página com perguntas e respostas sobre o tema.
Fonte: Revista Consultor Jurídico- 17/8/2016.