A União, Estados e municípios editaram, nos últimos 28 anos, 5,4 milhões de normas que englobam desde mudanças na Constituição Federal à criação de leis para homenagear temas e pessoas.
A prática mais comum são alterações na legislação tributária, que crescem ano a ano. Foram 363.779 normas até 2016. No período anterior, estavam em 352 mil.
Os dados fazem parte de um estudo realizado há 15 anos pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que monitora a edição de normas no país desde a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Atualmente, são cerca de 769 normas por dia útil.
O acompanhamento mostra que, em 28 anos, o Congresso aprovou 97 emendas constitucionais e criou inúmeros tributos, como a Cofins, Cide, CSLL, PIS-Importação, Cofins-Importação e ISS-Importação. Assim como a majoração de praticamente todos os impostos e contribuições. Além disso, a pesquisa aponta que temas como saúde, educação, trabalho, salário e tributação aparecem em 45% da legislação brasileira e somente 4,13% das regras editadas não sofreram mudanças.
Segundo o coordenador de estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, o levantamento transparece o perfil do legislador brasileiro: é aquele que cria normas, mas não revoga ou compila os textos que tratam dos mesmos temas.
Com a prática, Amaral afirma que criam-se inúmeras leis que fazem referência umas às outras, com palavras e expressões de difícil entendimento e o agravante de muitas vezes abarcar assuntos que não têm qualquer correlação com a própria norma. “As leis não tratam apenas de assuntos para os quais foram criadas, mas são poluídas por contrabandos”, diz.
Ele afirma que também há muitas repetições de legislações. A maioria dos Estados e municípios editam leis para temas que já são previstos em leis federais. “As maiores réplicas estão nas áreas de saúde, educação e segurança.”
Com tantas variedades de leis, decretos, instruções normativas e portarias, por exemplo, uma das consequências é o aumento de litígios pelos quais busca-se um esclarecimento pelo Judiciário da correta interpretação desses atos. Hoje há cem milhões de processos em trâmite no Brasil, conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O tributarista Yun Ki Lee, sócio do LBCA Advogados, diz que não há dúvidas de que o excesso de normas contribui para o número de processos e uma infinidade de autuações fiscais. “Começa com o próprio fiscal que interpretará todas essas normas”, diz.
O professor e advogado Eduardo Salusse, do Salusse Marangoni Advogados, afirma que, pior do que a quantidade e a velocidade com que o sistema brasileiro é alterado, é a falta de clareza das normas, que vão desde conceitos básicos vagos a imprecisões.
Salusse lembra que há uma norma federal de 1998 (Lei Complementar 95) que estipula a forma como as leis devem ser redigidas. Dentre os preceitos estão a precisão dos termos, a ordem lógica e direta, clareza e o uso de palavras comuns, por exemplo. Mas, segundo ele, o que vemos é que esse manual não é empregado no cotidiano do Legislativo.
O professor lembra, por exemplo, que até hoje existe a discussão do local onde se deve recolher o ISS. A Lei Complementar que rege o tema é de 2004, mas os conflitos na Justiça e tribunais administrativos sobre a questão continuam a existir. E devem piorar, pois a lei do ISS foi alterada este ano.
O advogado tributarista Luiz Rogério Sawaya, do Sawaya & Matsumoto Advogados, afirma que o estudo espelha o quanto a multiplicação dos municípios pós-Constituição e o agigantamento do Estado demandam em termos tributários dos cidadãos e das empresas. “É uma situação surreal”.
Pelo estudo, os municípios são responsáveis pela edição de 3.847.866 normas: 659.629 leis complementares e ordinárias, 730.990 decretos e 2.457.247 normas complementares.
Fonte- Valor Econômico- 30/6/2017- http://www.seteco.com.br/22489-2/