Ao longo dos últimos anos, as relações de trabalho no Brasil e no mundo têm passado por mudanças significativas e, com elas, surgiram novas modalidades de contrato de trabalho e até o conceito de empregabilidade é outro.
A adaptação da legislação para regular essas novas relações entre patrões e empregados tem sido acompanhadas pelos especialistas do Direito do Trabalho com atenção.
Um dos fenômenos mais relevantes surgido nesse novo contexto é a terceirização de serviços, que chega trazendo consigo questões novas, como a responsabilidade subsidiária e os riscos naturais para quem dela se utiliza.
O desembargador federal do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT-RN) e professor universitário Carlos Newton Pinto é um dos estudiosos desse tema.
Na próxima quinta-feira (20), ele abre a programação do projeto CLT 70 X 70 deste ano discutindo a Responsabilidade Subsidiária: Os riscos e as responsabilidades desse tipo de contratação.
Durante o encontro, Carlos Newton responderá as perguntas do público interessado em saber mais sobre os cuidados necessários para a correta contratação de prestadores de serviços.
O projeto CLT 70 X 70 é uma iniciativa do TRT e reúne especialistas, estudantes, advogados, sindicalistas e interessados, no auditório da Livraria Saraiva do Midway Mall, para debater temas relacionados à Consolidação das Leis do Trabalho.
As palestras são abertas ao público e não há necessidade de fazer inscrição prévia. No entanto, os interessados devem chegar cedo, pois o espaço tem vagas limitadas. Para mais informações ligue 4006-3280/4006-3286.
A terceirização das relações de trabalho está presente em muitos países do mundo e, no Brasil, não é diferente. Tanto empresas privadas quanto públicas utilizam-se bastante da terceirização de serviços. Um dos fatores decorrentes da terceirização é a responsabilidade subsidiária. O que vem a ser exatamente responsabilidade subsidiária?
A Responsabilidade Subsidiária é a responsabilização da empresa tomadora de serviço, quando a empresa prestadora de serviço não cumpre com suas obrigações, principalmente no âmbito trabalhista. Um contrato de prestação de serviço, na verdade não é um contrato de trabalho efetuado por uma empresa. Assim, a prestação de serviço é feita pelos empregados contratados da prestadora. Se, eventualmente, no exercício do contrato de trabalho do empregado com a prestadora de serviço, esse serviço não for adequadamente prestado, evidentemente que a tomadora pode se insurgir contra isso. O que se põe como responsabilidade subsidiária, entretanto, é que, deixando a prestadora de serviço de efetuar o pagamento dos direitos trabalhistas aos seus empregados, quem assume a responsabilidade é a tomadora dos serviços. A responsabilização subsidiária tem o objetivo de garantir títulos, direitos, vantagens trabalhistas que não foram pagos pela empresa pagadora direta, de maneira que a tomadora do serviço não deixe o trabalhador sem algum direito.
Além da responsabilidade subsidiária existe, também, a responsabilidade solidária. Qual a diferença entre as duas?
É simples. Na responsabilidade solidária, as duas empresas são pagadoras imediatas. Elas dividem ao meio o pagamento da obrigação. Uma não sucede a outra. Elas dividem a conta, enquanto que na responsabilidade subsidiária, o empregador paga a conta. Se ele não puder, subsidiariamente a outra parte assume.
Existe diferença na responsabilidade subsidiária entre o setor público e privado?
Sem dúvida existe. No setor público as consequências são danosas ao patrimônio público. No setor privado, nem tanto, porque o dano limita-se ao patrimônio privado. O problema com o setor público é maior porque se cria um déficit, ou como se diz na gíria, um rombo maior para o setor público, uma despesa maior, por algo que na verdade não é do setor público. A causa não foi do setor público que deixou de pagar.
É o caso de empresas que prestam serviço quando o órgão público promove uma licitação para renovar aquele contrato, outra empresa que presta o mesmo serviço cobra menos e vence…
Só que o ente público ainda tem um contrato para cumprir com a atual empresa. O que se faz? O ente público continua fazendo o aporte financeiro para essa empresa, só que ela já sabe que não vai ter seu contrato de prestação de serviço renovado e, por isso, deixa de pagar as suas obrigações com seus funcionários. No caso, o ente público está cumprindo rigorosamente com suas obrigações, inclusive fiscalizando esse contrato, mas a empresa deixa de pagar, por exemplo, os salários de seus funcionários. Aí passa a existir um rombo, um déficit e, teoricamente, seria uma despesa criada com um ente público, por um ato ilícito trabalhista cometido por parte de um empresário desleal. Essa situação gera para a empresa pública uma situação terrível, que é um passivo trabalhista desnecessário.
Nesses casos, o ente público também se obriga a pagar os encargos previdenciários?
O Artigo 173 da Constituição Federal, no seu parágrafo primeiro, inciso segundo, diz que o ente público se sujeitará ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto a direito e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. E a contribuição previdenciária é uma espécie de tributo e que se insere nessa situação.
Existem dois projetos de lei sobre terceirização tramitando atualmente no congresso nacional e o ponto central é a responsabilidade subsidiária…
A proposta do deputado Sandro Mabel, que se converteu no PL Nº 4.330/204 é uma proposta curiosa. Ele propõe, na verdade, a inclusão da atividade fim como elemento de terceirização ou como possibilidade de terceirização. E o que é isso aí? Por que eu falo de atividade fim, de atividade meio e de atividade inerente? Por que existem essas atividades? Na verdade, a responsabilização subsidiária existe quando nós temos uma empresa prestadora de serviço que vai prestar serviço a um tomador, que o próprio tomador poderia estar fazendo, seja ele público ou privado. Como ele não realiza, ele pede que um prestador de serviço organize a prestação daquele serviço para que realize o serviço para ele, como se fosse ele a fazer, mas evidente que é outra empresa quem faz o serviço. Nesse caso, tem se entendido que, normalmente, a atividade fim é a atividade do empreendimento econômico do ente público ou privado, mas em que ele está atuando no sentido de manter o essencial do seu empreendimento. Na prática, se eu sou um dono de lanchonete, o meu empreendimento econômico tem a ver com a venda de sanduíches e com a obtenção dos pães para fazer esse sanduíche, mas a padaria não é minha. Eu contrato uma prestação de serviço que forneça o pão com a qualidade que eu preciso para a minha lanchonete. Nesse sentido, a padaria é terceirizada. A padaria é uma atividade fim? Não!… A atividade fim é a minha elaboração e venda do sanduíche. Mas qual é a atividade da padaria? É uma atividade inerente. Não é uma atividade meio. A atividade meio seria a de alguém que limpa a lanchonete, por exemplo.
Tomando esse exemplo da lanchonete, o que seria uma atividade inerente?
A padaria é uma atividade inerente por que eu preciso do pão para fazer o sanduíche, mas ela não é a atividade fim. Eu não vou produzir pão, pois a minha finalidade é, repito, fazer e vender o sanduíche. A atividade fim é uma coisa, e eu não posso terceirizar a atividade fim. Se eu terceirizar a atividade fim, eu deixo de ter o sentido de empreendimento econômico, deixa de ter sentido o contrato de trabalho. Quem é meu empregado agora? Eu não sei mais nem quem é meu empregado. Eu não teria mais uma empresa em lugar nenhum porque o estabelecimento que eu tenho é terceirizado, o empregado não é meu. Onde está minha empresa, numa pasta? Isso não existe. E a falcatrua? E a possibilidade de se criar empresas falsas?
O senhor acredita que esse projeto de lei do deputado Sandro Mabel tem condições de ser aprovado no congresso?
Se não houver uma investida da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, dos sindicatos e da sociedade, eu acho que tem. Eu sei da intenção do deputado Sandro Mabel, que é muito justa e correta no sentido de tentar ampliar a possibilidade de emprego do trabalhador, mas o que nós vamos ver com essa situação em relação à atividade fim é um problema maior, é mais desemprego.
Isso mudaria também a relação de trabalho no país?
Mudaria completamente. Nós deixaríamos de ter contrato de emprego como sendo a regra. A regra não seria mais o emprego. A regra seria a prestação de serviço. Eu entendo como sendo um retrocesso, principalmente do ponto de vista de política institucional para o Direito do Trabalho, para a Justiça do Trabalho e para o trabalhador brasileiro.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região; Clipping da Febrac- 20/3/2014.