Com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma agroindústria que está processando a multinacional de auditoria Deloitte conseguiu na Justiça a inversão da obrigação de produzir provas.
Apesar de normalmente a obrigação ser de quem faz as acusações, a empresa paranaense alegou que estava em posição de vulnerabilidade e pediu que a Justiça transferisse para a multinacional o ônus da prova.
O pleito foi atendido logo na primeira instância e em seguida confirmado pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). “Agora a Deloitte é quem precisa comprovar que não gerou dano à empresa”, conta o advogado que atuou no caso, Cezar Augusto Cordeiro Machado, da Sociedade de Advogados Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro.
Procurada, a Deloitte não se manifestou até o fechamento dessa reportagem.
Segundo o advogado, a decisão chama a atenção porque a aplicação do CDC em relações entre empresas ainda é bastante rara. “Existe uma grande dificuldade do Judiciário em acolher essa aplicação do código. A tendência é que essa tese seja afastada. Já existem outras decisões como a nossa, mas ainda se trata de uma corrente minoritária”, afirma Machado.
Na decisão, o juiz José Aniceto apontou que a agroindústria preencheu os critérios para a aplicação do código. O primeiro é que a pessoa física ou jurídica seja o destinatário final do bem ou serviço. Outro é que a empresa esteja em posição de vulnerabilidade técnica ou econômica.
“A meu ver, é justamente o que aconteceu no caso em tela”, afirmou o magistrado, considerando que a agroindústria contratou empresa de contabilidade para fazer pedidos de compensação tributária. “Como se sabe, [esses pedidos] demandam bastante conhecimento técnico”, afirmou ele.
A empresa defende que a multinacional foi contratada em 2006 para atender demandas contábeis, mas errou em quatro processos de compensação envolvendo obrigações de PIS/Cofins sobre exportações. Esses erros, segundo a agroindústria, geraram prejuízo de cerca de R$ 150 mil.
Jurisprudência
Há cerca de um ano, quando o escritório preparou a tese jurídica, Machado conta que existia uma única decisão do TJPR no sentido de aplicar o CDC para inverter o ônus da prova, também num caso de serviços contábeis. Já nos tribunais superiores, ele afirma que não existem, ainda, casos do tipo.
“O Superior Tribunal de Justiça [STJ] traz vários conceitos do que é prestador, do que é fornecedor, mas caso idêntico não encontramos”, afirma ele.
Para Machado, desde que preenchidos os critérios é possível aplicar o código em outras relações empresariais, mas tudo depende da natureza do serviço prestado. No acórdão envolvendo a agroindústria, por exemplo, são citados alguns precedentes em que as empresas buscaram aplicação do CDC contra bancos.
O sócio do Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, Armando Moraes, também entende que esse tipo de decisão não é comum. “A questão não é pacífica, envolve teses opostas que têm sustentação jurídica. Mas a meu ver, a questão se resolve pela aplicação da responsabilidade técnica profissional”, afirma.
Ele se refere ao quarto parágrafo do artigo 14 do CDC, que afirma que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Mesmo na relação de empresa para empresa, Moraes admite a relação de consumo. “Entendo que a decisão está correta, mas é preciso verificar o caso concreto”, afirma.
Fonte: DCI- 30/3/2016- http://52.22.34.177/noticias/justica-ve-relacao-de-consumo-entre-empresas-446/?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=Press+Clipping+Fenacon+-+30+de+mar%E7o+de+2016