Muito frequentemente acontece de o trabalhador ter seus direitos reconhecidos em uma ação ajuizada na Justiça do Trabalho e depois ter dificuldade para receber o crédito. O caso analisado pela 5ª Turma do TRT de Minas reflete bem essa situação. É que, embora duas empresas tenham sido condenadas, nenhuma delas pagou o que era devido ao reclamante. Chamados a responder pela dívida, mediante o que se chama “desconsideração da pessoa jurídica”, os sócios também nada fizeram. A solução encontrada pelo juiz de 1º Grau, então, foi determinar o bloqueio e penhora de 30% sobre os salários dos sócios, que trabalham como empregados de outras empresas.
Por discordar dessa decisão, um dos sócios executados recorreu, alegando afronta aos princípios da intangibilidade e impenhorabilidade salarial. Ressaltou que também seu salário possui natureza alimentar, invocando a OJ 153 do TST. Mas o desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal não acatou os argumentos e negou provimento ao recurso.
Na minuciosa decisão, o relator observou que a impenhorabilidade dos salários não é absoluta, podendo ser aceita em situações específicas, pela regra do parágrafo 2º do artigo 649 do CPC. Este dispositivo afasta a impenhorabilidade quando se tratar de pagamento de prestação alimentícia. Segundo o magistrado, ele é compatível com a execução trabalhista, por força do artigo 769 da CLT.
O desembargador chamou a atenção para o Enunciado 29 da Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho/2010, que considera “lícita, excepcionalmente, a penhora de até 30% dos rendimentos decorrentes do trabalho, pensão e aposentadoria, discriminados no inciso IV do art. 649 do Código de Processo Civil (CPC), por expressa previsão no § 2º do art. 649 do CPC, desde que comprovado o esgotamento de todos os meios disponíveis de localização dos bens do devedor”.
Para o relator, é preciso ponderar a respeito da situação dos executados e dos credores de dívidas trabalhistas. “Deve-se buscar equilíbrio entre a proteção do trabalhador devedor e do trabalhador credor, uma vez que ambos perseguem créditos de natureza alimentar, amenizando, assim, a aplicação da OJ 153 da SBDI-II do colendo TST, que trata da matéria”, destacou. A OJ em questão considera que “ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista”.
No entender do relator, o posicionamento adotado não desconsidera essa orientação jurisprudencial, tampouco a OJ nº 8 do TRT da 3ª Região (“MANDADO DE SEGURANÇA. VALOR DA CAUSA. INALTERABILIDADE. O valor dado à causa pelo autor não pode sofrer modificação, uma vez que a ação mandamental não se insere na regra contida no art. 259 do CPC, mas, sim, naquela estabelecida no art. 258, porquanto, na maioria das vezes, não tem conteúdo econômico imediato”). Para ele, trata-se, isto sim, de fazer um juízo de valor entre verbas de mesma natureza. “Não é razoável manter intactas as condições de alimento do trabalhador devedor em detrimento dos direitos do trabalhador credor. Impedir o acesso do trabalhador a proventos de aposentadoria dos executados seria, portanto, inversão de valores por desprivilegiar o crédito do trabalhador credor”, ponderou.
Ainda conforme o magistrado, é oportuna a citação do Enunciado 29 da Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho/2010, porque esta prevê a possibilidade de penhora de parte dos proventos dos devedores para satisfação de verba alimentar do trabalhador hipossuficiente, sob pena de subversão da ordem legal da natureza privilegiada dos créditos trabalhistas. O artigo 10 da Convenção 95 da OIT também foi lembrado na decisão, por proteger o salário, inclusive contra a penhora, mas flexibilizar a utilização do instituto por um julgamento de necessidade, assegurando a manutenção dos trabalhadores, credor e devedor. Para o magistrado, o instituto é compatível, também, com a exceção do citado parágrafo 2º do art. 649 do CPC, autorizando considerar lícita a penhora de salários do trabalhador devedor, para quitação de créditos trabalhista de natureza alimentar, até o limite de 30% do valor líquido mensal.
“Mantendo a igualdade de condições dos trabalhadores deve-se proteger quem tem o crédito, afastando a proteção absoluta do inadimplente que, por sua própria gestão, deu origem ao débito trabalhista por atuação em empreendimento econômico pelo qual deverá assumir todos os riscos, a teor do art. 2º, caput, da CLT”, acrescentou, decidindo manter a penhora deferida em 1º Grau até o limite da dívida.
Na avaliação do relator, esta é a melhor solução para o caso, já que os meios de execução até então promovidos não tiveram sucesso e os executados permaneceram inertes quanto ao cumprimento da obrigação de pagamento do crédito trabalhista já constituído. Para o julgador, o bloqueio dos valores na forma como se deu permite o equilíbrio entre os ganhos dos executados e as necessidades do reclamante. A Turma de julgadores acompanhou o entendimento, negando provimento ao recurso apresentado pelo sócio executado. ( 0000406-47.2011.5.03.0092 ED )
Fonte- TRT-MG- 30/4/2015.