Para ele, a lei deveria ser aperfeiçoada para permitir que os próprios credores solicitem a recuperação.
Responsável por casos como a reestruturação do grupo EBX (de Eike Batista) e da empreiteira OAS, Munhoz defende que o governo possa dar descontos nas dívidas tributárias em vez de só parcelar os débitos. Segundo ele, essa amarra impede a sobrevivência de certas empresas e prejudica o próprio fisco.
Folha – Muitas empresas estão pedindo ou considerando a recuperação judicial. É possível separar o que é efeito da Operação Lava Jato e o que é consequência da crise?
Eduardo Munhoz – Há uma combinação das duas coisas e, por isso, será um grande teste para a lei. A Lava Jato traz uma discussão importante sobre a diferença entre empresário e empresa. No Brasil, há muita confusão. O dono pode errar, mas isso não significa que a empresa tenha de ser destruída.
O argumento de que a empresa precisa ser preservada tem sido muito usado. Na prática, o que isso significa?
Significa que os empresários comprovadamente culpados sejam presos e punidos e a empresa sofra sanção. Não é um salvo-conduto para as companhias. Mas a sanção tem de ser modulada para não prejudicar a atividade. Essa empresa pode ser vendida, e os controladores que fizeram atos irregulares, afastados. E aí ela se regenera.
Os empresários costumam relutar em pedir a recuperação judicial. Por quê?
A recuperação judicial é um processo custoso, não é uma decisão fácil mesmo. O problema é que, no Brasil, as empresas demoram tempo demais para entrar no processo. O empresário vai atrasando a decisão e pagando as obrigações financeiras até o limite. É como o maratonista que usa toda sua energia, mas ainda faltam 20 quilômetros. Nesse ponto, a lei podia melhorar. No Brasil, o credor não pode pedir a recuperação judicial do devedor. Pode solicitar somente a falência. Em outros países, isso é possível.
O histórico da lei ainda é ruim: boa parte das empresas não consegue sair da recuperação judicial. Por quê?
Primeiro, porque a empresa entra com o pedido muito tarde, quando a situação já é muito crítica. Boa parte não seria mais caso de recuperação judicial. Muitas empresas não deveriam ter sido recuperadas, deveriam ter sido falidas. E falidas mais rápido.
Há ainda a dificuldade em conseguir financiamento. A lei não dá proteção suficiente a quem empresta recursos à companhia em recuperação. O que se faz hoje é dar ativos em garantia. Mas há empresas que não podem fazer isso.
Seis empreiteiras envolvidas na Lava Jato já pediram recuperação judicial. Elas devem ser bem-sucedidas?
A maioria dos casos deve ser de insucesso, porque é a média geral da lei. Não é uma análise individual. Insucesso no sentido de a empresa descumprir o plano, entrar em deterioração e, no final, ter apenas adiado a falência.
Na recuperação judicial, a empresa tem de negociar a dívida. Quem ficará com a maior parte da fatura este ano?
Depende da estrutura de dívida e de capital de cada empresa. Mas é verdade que no Brasil o acionista tem poder maior que nos Estados Unidos, por exemplo.
Lá, quando a dívida é maior do que o valor da empresa, é comum que o acionista fique com zero. Já no Brasil é comum que os acionistas mantenham a posição. O próprio credor prefere. Ele não quer assumir o negócio.
Muitas das empresas que pediram recuperação têm credores no exterior. Com tantos casos de insucesso, esse mercado irá se fechar para as companhias brasileiras?
A forma como essas recuperações terminarem terá influência significativa. Não é incomum que as empresas entrem em crise e ocorram processos de reorganização. Esses investidores estrangeiros sabem disso.
Para eles, o problema não está tanto no insucesso, mas, sim, se houve crime, desvio, fraude e se o sistema de recuperação funcionou. Temos a chance de que nos vejam como um país sério, no qual soluções de mercado lícitas são adotadas.
O Congresso discute permitir que empresas em recuperação judicial paguem as dívidas tributárias em até 120 vezes. A medida é importante?
Não resolve. A lei precisaria ser modificada para permitir acordos de reestruturação tributária dentro da recuperação judicial. Não pode ser uma regra rígida e fixa como o parcelamento em 120 vezes. Tem de dar alguma dose de tomada de decisão à autoridade tributária para avaliar caso a caso. Uma empresa pode ter condição de pagar se for em 240 vezes ou se houver desconto de 50%. Caso contrário, vai à falência. Com essa amarra, o próprio fisco pode ser prejudicado. Quando a empresa vai à falência, o governo recebe somente após os trabalhadores e os credores com garantia real. Ou seja, pode ser que o fisco não receba. Então negociar pode ser uma solução superior.
As empresas envolvidas na Lava Jato conseguirão se reestruturar sem um cálculo sobre eventuais multas e penas?
Esse cálculo não é imprescindível, mas é importante para os credores.
O cálculo só poderá ser feito após fechados os acordos entre as empreiteiras e a CGU?
Ou após as decisões da Justiça. O ideal é que ocorra logo uma coisa ou outra. Nos casos em que houver punição, as empresas poderão se defender, os investidores poderão avaliar o valor em disputa e a chance de sucesso das empresas. A pior situação é a quando não há acordo nem punição. Os credores não vão deixar de perguntar.
Fonte- Folha- 15/5/2015;
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629243-falencia-e-a-realidade-para-varias-empresas-que-pedem-recuperacao.shtml