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Indeferimento da recuperação judicial

Em um caso raro, o Juízo da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), após determinar que fossem prestadas informações sobre “o atual faturamento da sociedade, seus ativos e expectativas de receitas futuras”, indeferiu o processamento da recuperação judicial de uma mantenedora de instituição de ensino superior, por entender que não foram “atendidos os requisitos formais exigidos no art. 51, I, da Lei nº 11.101, de 2005”, porquanto a (a) universidade não está “funcionando, não foram mantidos os empregos e muito menos os alunos, os geradores de recebíveis, (b) “sem exercício de atividade econômica, não há empresa” e (c) “alienação do ativo das sociedades geridas para pagamento das dívidas se mostra dificultoso e duvidoso”. (Processo nº º 0105323-98.2014.8.19.0001).

Interposto recurso, a 3ª Câmara Cível do TJ-RJ deu-lhe provimento, declarando o v. acórdão que “o juiz não pode analisar a viabilidade econômica da empresa para deferir ou não o processamento da recuperação, na oportunidade mencionada no art. 52 da Lei nº 11.101, de 2005”, pois “a sua atuação se resume à verificação dos requisitos formais” (Apelação Cível nº 0105323-98.2014.8.19.0001).

A sentença do juízo a quo tem respaldo (a) nas chamadas “máximas de experiência”; (b) nos princípios que norteiam a atuação do juiz no processo civil moderno; (c) na “ratio” dos arts. 51 e 52 da Lei nº 11.101, de 2005 (LRFE) e (d) no direito comparado.

As ‘máximas de experiência’ habilitam o juiz a indeferir a recuperação, após dar oportunidade à parte para emendar a petição

No exercício diuturno do seu mister, sobretudo quando preside centenas de demandas de igual jaez em um “juízo especializado”, o magistrado reúne uma gama de conhecimentos empíricos, denominados, por Friedrich Stein, “máximas de experiência” e, pelo art. 335 do CPC, “regras de experiência comum”, que são, na concepção de Couture, “o conjunto de conclusões empíricas fundadas sobre a observação do que ocorre comumente”.

As “máximas de experiência” habilitam o juiz a indeferir a recuperação judicial, após dar oportunidade à parte para que emende ou complete a petição inicial (art. 285 do CPC), em respeito ao princípio da ampla defesa, e após criteriosa leitura das peças dos autos, que o leve a formar íntima convicção sobre os fatos expostos pela autora e o direito aplicável ao caso, consoante o brocardo “da mihi factum, dabo tibi jus” (“dá-me o fato, dar-te-ei o direito”).

O “princípio do livre convencimento motivado e da persuasão racional” e o “princípio constitucional à celeridade processual” (EC nº 45, de 2004), que comandam o ato decisório e maximizam o valor que modernamente se atribui ao juiz na condução do processo judicial, impõem ao julgador o dever de buscar uma solução justa, tempestiva e eficaz para solução da lide.

A propósito, relembre-se, que não há, hoje, quem defenda a ideia de que o juiz é apenas “a boca da lei”, mero assistente privilegiado dos dramas forenses, mas o criador do “direito concreto”, do “direito vivo”, do “direito real”, sobretudo quando o dispositivo de lei é defeituoso, como sói acontecer com o art. 52 da LRFE, que diz: “Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial…”.

É curial que o uso puro e simples do elemento literal ou linguístico na exegese dos arts. 51 e 52 da LRFE não desvela a sua “ratio”, pois a atuação do juiz não se circunscreve a rápida e mecânica verificação da “documentação exigida no art. 51”, mas a um criterioso e ponderado exame da situação jurídica da empresa (art. 51, I), da sua situação econômico-financeira (art. 51, I a III, V e VII a IX), da situação social (art. 51, IV) e da situação dos bens de controladores e administradores (art. 51, VI), devido às graves restrições aos direitos e interesses dos credores impostas pelo art. 52, III, da LRFE – aliás, não fosse assim, essa atribuição teria sido delegada a serventuários da confiança do juízo, que se incumbiriam de “certificar” a existência “da documentação exigida no art. 51”.

A descoberta da “ratio” dos arts. 51 e 52 e sua escorreita aplicação ao caso sub judice exigem que o juiz recorra ao “elemento sistemático da interpretação lógica” (Vicente Ráo) e verifique, com prudente arbítrio, a existência (a) dos pressupostos subjetivo e objetivo da ação de recuperação judicial, (b) da causa de pedir, (c) do objeto da ação e (d) dos documentos essenciais elencados no art. 51, e, se concluir pela insuficiência ou inexistência de qualquer deles, deve, primeiro, facultar à parte que junte os documentos faltantes, e, segundo, não atendido, deve interromper o procedimento e extinguir o processo sem julgamento do mérito.

Essa á a orientação que vige na França, na Espanha e na Alemanha, que autorizam o magistrado a pôr fim a “aventuras judiciais” já no limiar do processo: (a) no direito francês, se a “situação do devedor é manifestamente insuscetível de recuperação”, “o tribunal” pode “decidir a abertura do procedimento de liquidação judiciária” (Código de Comércio francês, art. L631-7); (b) no direito espanhol, se “o juiz entender que o pedido ou a documentação que o acompanha padecem de algum defeito”, fixará “um prazo de justificação ou correção que não poderá exceder de cinco dias” e, se não atendido, indeferirá o concurso (Lei de Concursos da Espanha nº 22/2003, art. 13, 2, primeiro e segundo parágrafos); no direito alemão, na falta de requisitos ou pressupostos processuais ou insuficiência ou inexistência de massa, o juiz pode indeferir a “ab initiio” a petição inicial (Lei de Insolvência alemã (InsO), art. 34, §1º), de acordo com o magistério do eminente Des. Carlos Henrique Abrão.

Fonte- Valor Econômico- 22/5/2015;
http://alfonsin.com.br/indeferimento-da-recuperao-judicial/

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