Regulamentada em março deste ano por meio do decreto 8.420, a Lei Anticorrupção vem movimentando o mercado e levando empresas que adotam práticas de governança a realizarem mudanças e revisões de seus procedimentos internos. Mesmo gigantes como a Eletrobras, que antes da publicação da lei operava em conformidade com o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a lei anticorrupção americana, tiveram de fazer adequações. E não foram poucas.
Segundo Luiz Augusto Figueira, superintendente de planejamento, gestão estratégica e sustentabilidade da Eletrobras, o grupo – investigado na operação Lava-Jato – levou cerca de dez meses para avaliar e colocar em prática as mudanças com a ajuda da consultoria jurídica Hogan Lovells. “Os estudos ocorreram ao longo de 2014, culminando com a elaboração de um manual de compliance. Esse manual agora está em revisão em função da publicação do decreto que regulamentou a lei”, diz Figueira.
Além do manual e da criação de estruturas internas como uma comissão diretiva de compliance, da qual participam gerentes de todas as unidades da Eletrobras, em março a companhia lançou o programa anticorrupção das empresas do grupo. “Uma das ações previstas é o fortalecimento do sistema de denúncias. Sempre que uma denúncia chega pelos diversos canais de comunicação com os stakeholders e é considerada com indícios mínimos de materialidade e autoria forma-se uma comissão executiva de correção para apurar os fatos”, diz Figueira. Além disso, os contratos da empresa com terceiros ganharam cláusulas especiais que penalizam qualquer tipo de comportamento do fornecedor que viole o FCPA e a lei brasileira.
Com programa de compliance adotado desde 2004, o grupo AES Brasil não precisou fazer alterações estruturais quando a lei brasileira foi promulgada, segundo Pedro Bueno, vice-presidente de assuntos legais, compliance e auditoria interna. Mesmo assim, observa que havia necessidade de reforçar alguns pontos de seu programa, como o de treinamento. “Esse é o nosso dever de casa agora. Aperfeiçoar a formação não só dos colaboradores, mas também dos terceiros”, diz Bueno. Segundo ele, o grupo ampliou o público-alvo desses treinamentos. Anteriormente, a formação era restrita aos níveis mais altos da hierarquia corporativa e agora está abrangendo também os funcionários dos níveis de coordenação.
Bueno destaca que em 2011 a AES Sul, uma das empresas do grupo, foi uma das quatro primeiras a ser listada no cadastro Empresa Pró-Ética, lançado pelo Instituto Ethos e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para avaliar e certificar as companhias que atendem aos requisitos de integridade e confiança nas relações comerciais. Nos anos seguintes, a Eletropaulo e a Tietê também passaram a integrar a lista. Para Bueno, a Lei Anticorrupção levará a uma mudança de cultura e a um reforço dos mecanismos anticorrupção das empresas, como é o caso dos cuidados na hora de contratar prestadores de serviços. “Quando a lei do Cade foi lançada, ninguém imaginava que se tornaria tão respeitada. Creio que com a Lei Anticorrupção acontecerá o mesmo. Sua aplicação no dia a dia vai dizer se serão necessários ajustes, mas considero uma lei muito boa”.
A multinacional 3M, que também integra o cadastro Pró-Ética, já se considera adaptada à nova Lei Anticorrupção. “Quando a lei foi publicada fizemos uma revisão e notamos que estávamos seguindo seus princípios. Já havíamos implantado um comitê de compliance com participantes de diversas áreas da empresa e temos canais eficientes para denúncias”, afirma a diretora jurídica Rita Duarte.
Por meio de uma linha chamada Fale os funcionários podem fazer denúncias anônimas quando percebem alguma irregularidade. A ligação é gratuita e a empresa garante não identificar o denunciante. “Cada funcionário recebe treinamento e informações relativas ao assunto pelo menos quatro vezes por ano. A comunicação é reforçada para que o tema fique sempre em evidência”, ressalta. Ela também considera a lei no Brasil um grande avanço, embora ainda haja muitos pontos a serem esclarecidos. Segundo Rita, há aspectos que não estão bem explicados, como em relação às competências quando um caso de corrupção envolve instâncias administrativas diferentes. “Mas precisamos considerar que estamos vivendo um momento de adaptação das placas tectônicas da lei, o que é natural”, destaca.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não comentou o impacto que a Lei Anticorrupção está provocando no ambiente corporativo, mas aponta que o atendimento a essas normas, assim como a adoção de práticas de governança corporativa adicionais devem aproximar os investidores das companhias, facilitando o acompanhamento dos aspectos financeiros, estratégicos e operacionais da empresa. Consequentemente, de acordo com a CVM, o resultado deve ser o aumento da segurança e da liquidez do mercado.
Fonte: Valor Econômico- 16/11/2015; Clipping da Febrac.