Home > Penal > Empresas reforçam as áreas de compliance

Empresas reforçam as áreas de compliance

Com a multiplicação dos escândalos de corrupção envolvendo empresas privadas e o poder público nos últimos anos, muitas companhias estão direcionando esforços e recursos para criar, reforçar ou reestruturar seus departamentos de compliance. Como resultado, consultorias de recrutamento já registraram aumento na procura por esses executivos, ainda raros no Brasil.

De acordo com Maria Eugênia Bias Fortes, sócia da Odgers Berndtson, a disponibilidade desse tipo de profissional depende da maturidade dos mercados. O assunto é bastante conhecido, por exemplo, nas multinacionais americanas, que precisam seguir o termo de compromisso Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), uma lei promulgada em 1977 para combater a corrupção por pessoas ou entidades dos EUA em outros países.

Posteriormente, a discussão se expandiu para as companhias da Europa, México e, mais recentemente, chegou à América do Sul. No Brasil, a Lei Anticorrupção e a deflagração por parte da Polícia Federal de operações como Lava-Jato e Zelotes colocaram em evidência a necessidade de as organizações “arrumarem a casa” e se prevenirem de possíveis desvios de conduta.

“Muitas empresas que falam sobre governança corporativa possuem, na prática, processos de investigação falhos e diversas contradições em seus comitês. Para ser eficiente nesse sentido, é preciso haver, antes de tudo, um trabalho profundo de compliance, com foco em independência e transparência”, ressalta.

Maria Eugênia afirma que entre as atribuições do profissional estão instituir um código de conduta e de ética, mapear riscos diversos como financeiros e de imagem e cuidar da relação com todos os stakeholders. “Geralmente, trata-se de um executivo da área jurídica que precisa lidar com compliance, se apaixona pelo tema e passa a se dedicar integralmente a ele”, afirma.

É o caso, por exemplo, de Marcel Fonseca, que assumiu em julho a diretoria de compliance da JBS. Como advogado, ele lidava com questões relacionadas à conformidade desde o fim da década de 1990, em uma multinacional europeia do setor químico. A dedicação total ao assunto veio a partir de 2008, ao entrar na GE. “O que me atraiu na JBS foi a oportunidade de estruturar o departamento do zero, e em escala global”, afirma.

Fonseca ressalta que quase sempre são as empresas de fora que implementam suas diretrizes nas filiais locais, mas como a JBS é uma multinacional de origem brasileira, o caminho será inverso. “Vamos considerar princípios e conceitos gerais que funcionam em todos os territórios, para depois ajustar procedimentos específicos de acordo com a realidade de cada país.”

O maior desafio, em sua opinião, é conscientizar todos sobre a importância do compliance para preservar não apenas a companhia, mas também seus profissionais. “O objetivo é mostrar aos funcionários que somos um aliado na realização do trabalho deles, e não um obstáculo ou mais burocracia. Dessa forma, o comprometimento com todo o processo se torna natural.”

Segundo Cristiano Kok, sócio-diretor da empresa de recrutamento Heidrick & Struggles, as empresas nacionais de menor porte também já demonstram maior preocupação com compliance, buscando auxílio principalmente de escritórios de advocacia especializados e consultorias. “Mesmo em segmentos mais regulamentados como o financeiro, de óleo e gás e o de saúde, onde esse assunto não é novidade, há uma tendência de aumentar o poder da área, tornando-a mais robusta e independente.”

O salário pode variar bastante de acordo com o tamanho da empresa e o momento que ela está vivendo em relação ao compliance. De modo geral, segundo Kok, um gerente sênior ganha entre R$ 25 mil e R$ 35 mil mensais.

Na farmacêutica MSD, o primeiro código de conduta foi criado em 1996 e a área de compliance é autônoma desde 2009, após a fusão com a Schering-Plough. A organização, contudo, está unindo novamente esse departamento ao jurídico. Desse modo, Wilson Ivo, que entrou na empresa em 2013 como responsável jurídico pela subsidiária brasileira, agora responde pelo cargo de diretor de “legal & compliance” da MSD. “Trata-se de um movimento global da organização em busca de aprimoramento e mais sinergia. O objetivo é trabalhar de forma preventiva, fortalecer a ética e a conformidade, buscando a aderência de toda a organização.”

Ivo ressalta que a companhia tem origem americana e, por essa razão, o compliance sempre foi muito forte internamente. “No nosso caso, o modelo centralizado não vai comprometer, mas aumentar a eficiência da área”, garante. Prova disso, segundo Ivo, é que a junção dos departamentos prevê aumento de recursos humanos e tecnológicos, além de mais investimentos em capacitação e treinamento.

Para Kok, da Heidrick & Struggles, o executivo que assume o cargo precisa ter conhecimentos profundos não apenas de legislação, mas também da indústria na qual a companhia atua. Portanto, o perfil demandado pelo mercado acaba sendo o de um profissional mais sênior, que saiba se posicionar, se comunicar e lidar com confidencialidade. “A parte técnica precisa vir acompanhada de competências comportamentais”, diz.

O próprio Fonseca, da JBS, está com uma vaga de coordenador aberta. “Por ser uma área nova, há dificuldade em encontrar profissionais com a experiência necessária para o momento atual. Existem muitos candidatos bons tecnicamente, mas sem a vivência que gostaríamos.”

Na opinião de Sylvia Urquiza, advogada especializada no assunto e presidente do Instituto Compliance Brasil, o cargo exige responsabilidade e experiência, uma vez que o profissional precisa ter orçamento próprio e liberdade para conversar com todos – e investigar até o presidente da empresa, se necessário. “Compliance é cultura. Esse cuidado tem que partir da alta direção e permear toda a estrutura organizacional”, afirma.

De acordo com Sylvia, para tentar responder rapidamente a essa exigência do mercado, algumas organizações criam programas vazios, baseados apenas em alguns documentos, mas sem aplicação prática ou o cumprimento de normas de maneira eficaz e concreta. “As companhias brasileiras ainda estão dando os primeiros passos nesse sentido. Aquelas que tomarem a dianteira e lidarem seriamente com o tema ficarão em evidência”, diz.

Fonte: Valor Econômico; Clipping da Febrac- 17/12/2015.

You may also like
Carnaval é teste para lei que protege mulher
Lei nº 13.718, de 24 de Setembro de 2018
Lei Anticorrupção ainda não foi regulamentada por 11 Estados
Tribunais federais enviam à 1ª instância casos com foro