Tanto quanto a classe trabalhadora, a Justiça do Trabalho foi atingida em cheio pela Reforma Trabalhista, a proposta de atualização da CLT implementada a toque de caixa pelo governo do presidente Michel Temer no início de 2017. Sob ataque do Legislativo, que aprovou a proposta do governo sem maiores discussões, o Tribunal Superior do Trabalho em alguns momentos deixou de lado o seu papel de julgador e assumiu a missão política de fazer oposição à reforma.
A exceção ficou por conta do então presidente da corte, ministro Ives Gandra Martins Filho, e de alguns poucos ministros, que aceitaram a reforma como um fato próprio da autonomia do Legislativo. O ministro João Batista Brito Pereira assumiu a Presidência do TST em fevereiro de 2018, com a missão de pacificar o ambiente e recompor as posições a respeito das políticas públicas na área trabalhista que dividiram a casa sob a gestão de Ives Gandra. Como seu antecessor, Brito Pereira é favorável à reforma, posição contramajoritária na Justiça do Trabalho, mas tem mais disposição à conciliação.
Um grupo de 17 ministros levou à Presidência do Senado um documento com críticas ao projeto e juízes trabalhistas de diferentes instâncias ameaçaram não aplicar os dispositivos mais polêmicos da nova legislação. Mas desde novembro de 2017 a norma (Lei 13.467/2017) e suas múltiplas possibilidades de interpretação estão em vigor.
As principais dúvidas giram em torno da sua aplicação aos contratos e processos com vigência ou tramitação anterior à lei.
Até o final de fevereiro de 2018, quase 20 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) foram levadas ao Supremo Tribunal Federal para questionar, principalmente, o fim da contribuição sindical obrigatória. Há ainda ações contra a previsão do trabalho intermitente (por jornada ou hora de serviço). Entre os pontos que mais chamaram atenção na reforma encontra-se também a previsão de que o negociado vale mais do que o legislado.
O Pleno do TST abriu o Ano Judiciário de 2018, com a discussão de propostas de revisão de súmulas e orientações jurisprudenciais em função das mudanças trazidas pela nova legislação. A iniciativa foi criticada por juízes do Trabalho. O presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Guilherme Feliciano, classificou como prematura e imprópria a iniciativa do tribunal.
“Essas matérias que vão ser revisadas não têm precedente. Estão sendo discutidas no primeiro grau, algumas já chegaram ao segundo grau, mas no TST não há absolutamente nada a esse respeito”, apontou. Para Feliciano, é preciso esperar que a primeira instância analise novos casos para que então os tribunais regionais formem posição a respeito e, só depois, o TST uniformize os entendimentos. Logo ao assumir o comando da corte, o ministro Brito Pereira, defendeu essa posição: “A prioridade de hoje é a implantação da reforma trabalhista na jurisprudência do TST”, disse. “Mas temos de ter paciência para aguardar os julgamentos do primeiro grau e revisões do segundo”, completou.
Walmir Oliveira da Costa, que preside a Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos do TST, entende que, antes, o colegiado precisa julgar a arguição de inconstitucionalidade do artigo 702 da nova CLT. O dispositivo determina que, para alterar súmulas, é preciso os votos de dois terços dos 27 ministros, em sessões públicas, divulgadas com no mínimo 30 dias de antecedência, e permitir sustentações orais do procurador-geral do Trabalho, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Advocacia-Geral da União, de confederações sindicais e de entidades de classe. Antes, bastava o Pleno se reunir para decidir.
“O artigo 702 já nasceu morto. Ele foi revogado em 1988 pela Lei 7.701, que regulamentou a organização interna do TST. Portanto, o dispositivo não poderia ser repristinado. Lei que perdeu a vigência não pode ser revigorada por lei superveniente. Além disso, ele é um corpo estranho na CLT, que não tem cabeça: não tem o caput”, avalia o ministro.
O ex-presidente Ives Gandra Martins Filho não o considera inconstitucional, mas o entende como inconveniente. “O quórum tem que ser de dois terços. Tem que chamar a torcida do Flamengo, além da do Vasco [para sustentação oral]. São precisos muitos precedentes, que muitas vezes ainda não existem, pois a lei está mudando”, critica.
Para Gandra Filho é preciso dar uma resposta rápida à sociedade quanto ao posicionamento da corte em relação à nova CLT. O ideal, segundo o ministro, seria apresentar propostas de revisão das súmulas até maio de 2018. Na sessão de fevereiro foi criada uma comissão, composta por nove ministros do TST, para estudar no prazo de 60 dias a aplicação da reforma trabalhista – uma forma de adiantar os trabalhos enquanto é julgada a questão referente ao artigo 702 da CLT.
Um dos pontos da reforma que já foi incorporado ao Regime Interno do TST foi o princípio da transcendência, previsto no artigo 896-A da CLT. Segundo o dispositivo, o TST deve examinar previamente se a causa levada ao tribunal para julgamento oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido pelos Tribunais Regionais do Trabalho não abrange o critério da transcendência das matérias.
Entre os indicadores de transcendência estão o elevado valor da causa (econômica), o desrespeito à jurisprudência sumulada do TST ou do Supremo Tribunal Federal (política), a postulação de direito social constitucionalmente assegurado (social) e a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista (jurídica). A transcendência foi um dos poucos pontos da reforma que agradou os ministros da corte. “Embora tenha sido anunciada como se fosse algo moderno e benéfico, a reforma desconstrói o Direito do Trabalho até então sedimentado em todo território nacional”, afirma o ministro Vieira de Melo Filho, um dos mais enfáticos críticos da reforma.
Na contramão deste pensamento está o grupo de ministros que defendem a reforma. O ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos reafirmou publicamente em 2017 a sua posição favorável a que o negociado prevaleça sobre o legislado. Sustenta que a reforma trabalhista terá uma função pacificadora entre os dois lados que farão acordo. “É uma igualdade sócio jurídica entre as partes”, defendeu.
O TST terá em 2018 um ano de mudanças e desafios. Inicia os trabalhos sem alguns nomes de peso como Barros Levenhagen e João Dalazen, que se aposentaram antecipadamente. Foram substituídos por Breno Medeiros, paranaense que fez carreira na Justiça do Trabalho de Goiás, e por Alexandre Luiz Ramos, que teve seu nome aprovado pelo Senado em fins de fevereiro. Brito Pereira substituiu Ives Gandra Filho na Presidência em condições mais favoráveis, ao menos em relação às finanças. A Justiça do Trabalho conseguiu ver aprovado o orçamento de 2018 sem cortes no valor de R$ 20,6 bilhões. O valor corresponde a 44% dos R$ 46,8 bilhões destinados ao Poder Judiciário da União.
Brito Pereira diz que não pretende “reinventar a roda” durante sua gestão, mas quer encontrar, em conjunto com os demais ministros e servidores, alternativas criativas para tentar reduzir problemas observados na Justiça trabalhista como um todo. É o caso, por exemplo, das execuções judiciais, que, segundo ele, apesar de terem tido uma melhora na morosidade, permanecem como um dos gargalos existentes.
Mesmo em meio a essas diferenças, o colegiado do TST conseguiu alcançar resultados positivos em termos de produtividade e modernização de serviços. Recebeu 34 mil processos a mais do que em 2016 e julgou 15 mil casos a mais. Ao todo, foram 286 mil decisões durante o ano.
O ex-presidente, Ives Gandra Filho, destaca como bons exemplos a atuação da 1ª e da 2ª Turmas (as que julgaram mais processos) e o prêmio Gabinete Legal, instituído em sua gestão, que avalia o somatório de vários critérios – como o ministro que ao mesmo tempo julgou mais processos, teve menor recorribilidade, acervo e horas extras.
“Esse novo critério é justamente para balancear aquilo que nós procuramos fazer – combinar qualidade, produtividade e menor custo para o tribunal”, diz. Obtiveram destaque nos seus gabinetes os ministros Maria de Assis Calsing, Dora Maria da Costa e Alberto Bresciani.
“O foco do nosso trabalho não pode estar em números de processos julgados e sim na verdadeira solução dos casos, para que os conflitos judiciais trabalhistas não gerem recursos. Queremos julgar com fundamento e eficiência, e não julgar mais”, costuma afirmar a ministra Dora Maria da Costa. Segundo ela, no Direito do Trabalho, “os fatos valem muito mais do que meros documentos, do que os ajustes formalmente celebrados”.
Outro feito importante em 2017 foi o Processo Judicial Eletrônico (PJe), que chegou a 100% de sua implantação. Hoje, mais de 12 milhões processos tramitam pelo PJe na Justiça do Trabalho. Aproximadamente 450 mil advogados, 42 mil servidores e 4,7 mil magistrados utilizam o sistema.
De acordo com levantamento do TST, os três temas mais recorrentes nos processos que chegam aos ministros são horas extras, negativa de prestação jurisdicional e intervalo intrajornada. Na Justiça do Trabalho como um todo, segundo a última edição do relatório Justiça em Números, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, as discussões que mais chegaram tratam de rescisão do contrato de trabalho/verbas rescisórias. Atualmente, tramitam nas varas do Trabalho mais de cinco milhões de reclamações trabalhistas sobre esse assunto, que, é claro, terminam no TST.
Em 2017, os ministros do TST observaram maior número de ações sobre assédio moral e sexual e questões que definiram a vigência da nova lei da terceirização. Neste caso, partiu da Subseção Especializada em Dissídios Individuais 1 (SDI-1), colegiado que uniformiza a jurisprudência do tribunal, a iniciativa de pacificar o entendimento de que a nova lei de terceirização só vale em contratos celebrados e encerrados depois que a norma entrou em vigor.
Na decisão, os ministros destacaram que, para respeitar o direito adquirido do empregado, juízes de primeiro grau e tribunais regionais devem enfrentar a questão até que o Supremo Tribunal Federal decida sobre o caso, uma vez que já tramita no STF um pedido para avaliação do destino dos processos em andamento, referentes a terceirização, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes.
O Plenário Virtual foi outra novidade em meio aos trabalhos da corte no último ano. O novo aplicativo já é utilizado por cinco das oito turmas do TST. Sua implantação tem o objetivo de desonerar e agilizar as sessões presenciais da corte. As sessões virtuais e as pautas são disponibilizadas para consultas no Portal da Advocacia, respeitado o prazo mínimo de cinco dias entre a data da publicação no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho e a do julgamento.
Entre os diversos módulos da nova plataforma, está o que permite a consulta do Ministério Público do Trabalho aos autos. As classes processuais que podem ser julgadas no Plenário Virtual estão inicialmente limitadas a agravos de instrumento, agravos internos e embargos de declaração, conforme o artigo 6º da Resolução Administrativa 1.860/2016, que regulamenta o julgamento em ambiente eletrônico em todos os órgãos judicantes do Tribunal Superior do Trabalho.
Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2018
Fonte- https://www.conjur.com.br/2018-mai-01/dividido-tst-busca-consenso-aplicar-reforma-trabalhista