O direito de retirada ou recesso, em sentido estrito, é o direito que tem o sócio de desligar-se da sociedade quando for dissidente da alteração contratual perpetrada pela vontade da maioria e, ainda, quando manifesta for a sua vontade de não mais pertencer ao quadro social do empreendimento contratado.
No tocante às sociedades limitadas, tipo societário adotado por mais de 90% das sociedades empresárias constituídas no Brasil, o direito de retirada está previsto na norma do artigo 1077 do Código Civil, sendo que a previsão elencada no artigo 1029 do mesmo diploma serve à regência das sociedades simples, quais sejam aquelas organizações sociais não empresárias e que, a despeito de realizarem atividade econômica, não estão submetidas ao regime jurídico mercantil.
A retirada do sócio na sociedade limitada, como sabido, implica em severas alterações não só em seu quadro societário, mas ainda e principalmente, reflexos de ordem econômica e política, já que, a saída do sócio pressupõe o pagamento em seu favor dos respectivos haveres, ou a aquisição de suas quotas por quem já seja sócio ou até por pessoas estranhas à estrutura societária, o que pode gerar reflexos de natureza política na condução e gestão dos negócios.
Com efeito, em quaisquer das situações a retirada do sócio promove alterações, sejam econômicas, sejam políticas, no ambiente interno da sociedade, o que, por si só, revela a importância de um melhor e mais seguro entendimento a respeito do assunto, em especial porque o exercício deste direito, quando desmedido pode culminar até mesmo na extinção da sociedade, seja pela dissolução consensual, seja até mesmo pela falência.
Em que pese a previsão normativa constante do Código Civil a respeito do tema, a doutrina e a própria jurisprudência dos tribunais soam entendimentos divididos no tocante ao assunto, tal como será visto adiante.
No que toca às sociedades limitadas, como anunciado, inicialmente há que ser entendido que o direito de retirada do sócio está insculpido no artigo 1077 do Código Civil, que proclama o direito de retirada apenas “quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra”, circunstâncias em que terá o sócio dissidente da deliberação o direito de retirar-se da sociedade nos trinta dias subsequentes à assembleia ou reunião respectiva.
A questão ganha vigoroso debate a partir daquilo que revelam o teor da redação do artigo 1053 do Código Civil e, obviamente, do artigo 1029, constante também do mesmo diploma legal. Neste sentido, proclama o artigo 1053 que a sociedade limitada será regida pelas normas da sociedade simples quando houver omissão no capítulo normativo destinado às limitadas.
Pois bem, o inicial ponto em que se inaugura o afirmado debate consiste em aferir se há ou não omissão no capítulo normativo da sociedade limitada quando da previsão do direito de recesso/retirada do sócio.
Para a linha interpretativa que defende a inexistência de omissão no capítulo normativo que rege as sociedades limitadas no Código Civil, a retirada do sócio está regulada inteiramente pela regência do artigo 1077 do código, portanto, independentemente do prazo de vigência do contrato social, se determinado ou indeterminado, a retirada do sócio apenas dar-se-á de forma motivada e os motivos que servem como alicerce ao exercício daquele direito são aqueles proclamados no artigo 1077 (alteração contratual; fusão; incorporação e transformação).
Já o artigo 1029 do Código Civil, norma que regula a retirada do sócio na sociedade simples, prevê o direito de retirada do sócio na sociedade com prazo determinado quando houver justa causa para tanto, esta, provada judicialmente. Já nas sociedades simples com prazo indeterminado, o sócio pode dela se retirar sem a necessidade de invocar qualquer motivo, bastando que notifique os demais sócios sobre sua intenção no prazo mínimo de 60 dias de antecedência. Assim, para a linha interpretativa que vê omissão no direito de retirada regulado no capítulo da sociedade limitada, em especial porque naquele capítulo não há a previsão de retirada imotivada do sócio na sociedade limitada com prazo indeterminado, a solução proclamada é a aplicação da regência prevista no artigo 1029 (retirada na sociedade simples) para a sociedade empresária limitada, tudo conforme previsto no disposto do artigo 1053 do Código Civil.
Como dito, os intérpretes da norma dividem as opiniões a respeito de tão importante instituto do direito empresarial, o que revela grave insegurança jurídica ao ambiente econômico/societário regido pelos contratos sociais celebrados para a constituição das sociedades limitadas.
Por tais motivos, o direito de recesso merece uma melhor atenção por parte dos intérpretes do direito e até mesmo dos sócios, de modo a prestigiá-lo em conjunto e em boa harmonia com o princípio da preservação da empresa e os interesses sociais que a envolvem.
Por último, existem alternativas hábeis para tamanha insegurança e risco à atividade e até mesmo existência da empresa, dentre as quais destaca-se a profissionalização das relações societárias, incentivando-se a redação de contratos sociais mais sólidos e responsáveis, com previsão satisfatória das hipóteses e procedimentos para o exercício da retirada e, ainda, a celebração de acordos de quotistas que visem à garantia de manutenção de investimentos e de capitais empregados por todos aqueles que tencionam o exercício da atividade empresarial.
Por Sérgio Marcos Pereira Mendes
Fonte: Diário do Comércio – MG; www.contabeis.com.br 3/7/2014