Breno Ferreira Martins Vasconcelos: cautelar autônoma satisfativa não constava de forma clara no antigo CPC.
Contribuintes estão tendo que percorrer um caminho mais longo para a permissão de um instrumento que, antes do novo Código de Processo Civil (CPC), era comumente utilizada na Justiça. Trata-se da chamada medida cautelar inominada — ação usada para antecipar as garantias de futuras execuções fiscais, de forma a liberar a expedição de certidão de regularidade fiscal.
Antes do novo código não havia dúvidas sobre esse instrumento. Era prática de contribuintes que se encontram em uma situação de limbo: entre o fim do processo administrativo e a execução da dívida. Isso porque nesse meio tempo — que pode levar meses —, sem garantir o débito, o contribuinte fica impedido de renovar a sua certidão de regularidade fiscal.
A cautelar era tida, então, como uma forma de se antecipar à ação da Fazenda. O contribuinte conseguia oferecer a garantia (bens ou seguro, por exemplo) e ter acesso à certidão fiscal, que é essencial ao exercício regular das suas atividades, sem discutir se aquele débito era de fato ou não devido.
Depois, quando a execução fosse proposta pela Fazenda, tal garantia era simplesmente transferida da cautelar para a ação.
Com a entrada em vigor do novo CPC, no entanto, alguns juízes passaram a vetar o instrumento. A explicação é que, na mudança de legislação, o pedido cautelar não poderia mais ser feito de forma autônoma. Pelas regras do novo CPC deveria ser formulado no mesmo processo do pedido principal — com um intervalo de 30 dias entre um e outro.
Uma empresa do setor de alimentos passou por essa situação na Justiça paulista. Ela teve o pedido de cautelar negado na primeira instância sob o argumento de que “inexiste previsão legal” para tal e precisou ir ao tribunal para conseguir que a sua garantia fosse aceita antes do processo de execução.
Em um outro caso, envolvendo uma companhia da área de saúde, o caminho foi ainda mais longo. Ela teve a cautelar negada na primeira e na segunda instância da Justiça Federal. Só obteve sucesso após um pedido de reconsideração à desembargadora Consuelo Yoshida, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3 Região.
“A cautelar autônoma satisfativa, como existia antigamente, não consta mesmo no novo Código. Mas também não constava de forma clara no antigo CPC”, diz o representante da companhia no caso, o advogado Breno Ferreira Martins Vasconcelos, do escritório Mannrich Senra Vasconcelos. “Mas ao mesmo tempo não é justo que, para exercer o seu direito, o contribuinte dependa da ação de um outro, no caso a Fazenda”, acrescenta.
A discussão administrativa, nesse caso, havia se encerrado em novembro do ano passado e a execução fiscal, até agora, não foi proposta pela Fazenda. Ou seja, o chamado período de limbo, que já se estende por oito meses, é maior do que o exigido para a renovação da certidão fiscal (seis meses).
No pedido de reconsideração, a desembargadora Consuelo Yoshida levou em conta a argumentação do advogado sobre a cautelar inominada ter sido construída de forma jurisprudencial e doutrinária. O representante da companhia citou acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2009, cuja a relatoria foi do hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux (Resp 1.123.669/RS).
“Não pode ser imputado ao contribuinte solvente, isto é, aquele em condições de oferecer bens suficientes à garantia da dívida, prejuízo pela demora do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário”, afirmou Fux na época.
Esse acórdão é considerado como paradigma por especialistas. A partir dele o assunto foi dado como pacificado e as cautelares inominadas passaram a ser aceitas com facilidade no Judiciário.
Especialistas na área, Luca Salvoni e Rafael Vega, do escritório Cascione, Pulino, Boulos & Santos, entendem que continua valendo a jurisprudência. Eles dizem que as cautelares, de maneira geral e seguindo as normas do CPC antigo, também deveriam servir a um processo principal — tal qual como consta no novo código. Mas que a chamada cautelar inominada, especificamente, não se trata de uma cautelar típica.
“Estamos falando de uma cautelar em que o réu está se antecipando à ação principal do autor”, destaca Rafael Vega. “Ou seja, temos um problema que não está tutelado no código, mas que ao mesmo tempo não é solucionado por nenhuma outra alternativa. Significa, então, que essa ação tenha que deixar de existir? Me parece que não”, pondera.
O que se vê nesse período de mudança de legislação, segundo os advogados, é uma série de ações com os mesmos fundamentos e o mesmo objetivo, mas com nomes variados. “Tem quem prefira não usar cautelar porque, pelo novo código, não existe mais essa nomenclatura”, complementa Vega.
O advogado Fabio Kurtz, do escritório Siqueira Castro, por exemplo, tem dado preferência ao novo termo: pedido de tutela em caráter antecedente. Ele diz que apesar de o CPC estabelecer prazo de 30 dias para a apresentação da ação principal, a maioria dos juízes não está obrigando que isso, de fato, ocorra nos casos de antecipação das garantias ao Fisco. “Mudou a nomenclatura, mas não mudou a forma de atuação”, afirma.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que está finalizando estudo para viabilizar a aceitação da antecipação de garantia — para fins de concessão de Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa.
É analisada, por exemplo, a possibilidade de criação de um serviço que seria disponibilizado na internet e permitiria a solicitação de ajuizamento imediato do executivo fiscal, bem como o oferecimento, desde logo, da garantia.
“A iniciativa está alinhada com o projeto de nova Lei de Execuções Fiscais, que pretende atribuir nova feição ao processo de execução fiscal, tornando-o mais racional, célere e efetivo, prevendo importantes avanços na garantia dos direitos dos contribuintes”, informou a PGFN, por meio de nota.
Fonte- Valor Econômico- 3/7/2017-
Contribuinte enfrenta dificuldades para antecipar garantia de execução