A decisão mais importante dos últimos anos para o empresariado brasileiro será tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Caberá à corte definir os parâmetros para a terceirização, um dos temas que mais chegam à Justiça Trabalhista. Isso porque o Supremo reconheceu, na última sexta-feira (16/5), repercussão geral sobre a questão. Advogados consultados pela revista Consultor Jurídico mostraram preocupação com a falta de definição legal de conceitos como “atividade-meio” e “atividade-fim” e com regras criadas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
O ministro aposentado do TST e professor da PUC-SP Pedro Paulo Teixeira Manus explica que, em razão da falta de regramento legal para a terceirização, o TST foi obrigado a regular a questão, fazendo-o por meio do enunciado 256, posteriormente aperfeiçoado, criando a atual Súmula 331. O dispositivo diz que a terceirização somente é legal quando se refere à atividade-meio da empresa, e não à atividade-fim.
“A jurisprudência do TST impede, como regra, a terceirização na denominada ‘atividade-fim’, permitindo-a na ‘atividade-meio’, desde que ausente a subordinação direta do prestador de serviços ao tomador destes mesmos serviços. A par da dificuldade em definir em muitos casos o que seja ‘fim’ e ‘meio’, questiona-se o acerto do próprio critério eleito para disciplinar a terceirização”.
Manus aponta que a Justiça do Trabalho reage com veemência à terceirização, identificando-a com a precarização das condições de trabalho, com a contratação pela tomadora dos serviços com empresas inidôneas, que desrespeitam as garantias legais dos trabalhadores. Para o professor, a generalização no trato com o tema da terceirização — de parte a parte — é que ocasiona exagero do utilizar indevidamente o instituto, bem como exagero ao impedi-lo, mesmo quando lícito e autorizado por lei.
“Assim, reconhece agora o STF que a liberdade de contratar é conciliável com a terceirização dos serviços, ocasionando o exagero no trato com a questão ofensa à liberdade de contratar, fundada no princípio constitucional da livre iniciativa, constante do artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal. Diante da repercussão geral reconhecida pelo STF, cumpre agora delimitar o que é lícito e o que não é nesta questão da terceirização de mão-de-obra”, complementa.
O caso que será analisado chegou ao Supremo por meio de um recurso de autoria da empresa Celulose Nipo Brasileira (Cenibra) contra decisão da Justiça do Trabalho que a condenou por terceirização ilegal. A condenação se baseou em denúncia do Ministério Público do Trabalho segundo a qual a companhia terceirizava funcionários de empreiteiras para o florestamento e o reflorestamento. De acordo com os procuradores, “sendo essa sua principal atividade, o ato caracteriza terceirização ilegal”.
“É a decisão mais importante dos últimos anos. Porém, é extremamente preocupante que seja decidido no Supremo Tribunal Federal. Legislar por meio de 11 pessoas é muito complicado”, afirma o advogado Luís Carlos Moro, do Moro e Scalamandré Advocacia. Moro explica que os ministros do Supremo, ao julgar a ação, podem não utilizar os mesmos valores consagrados pela Justiça do Trabalho. “A terceirização é uma matéria que não demanda essa discussão no STF. É um tema que está em debate avançado no Congresso e que é pacificado na Justiça do Trabalho”, justifica.
De acordo com o advogado Marcello Badaró, do Décio Freire e Associados, é a primeira vez que o Supremo vai analisar o mérito da questão, encerrando a insegurança jurídica que existe atualmente. “É a ação mais importante da história recente do empresariado brasileiro, com milhares de empresas e milhões de trabalhadores interessados.” O escritório é responsável pelo recurso que será analisado pelo STF. A relatoria é do ministro Luiz Fux.
Na ação que chegou ao Supremo, o Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais acusa a Cenibra, empresa que fabrica celulosa de eucalipto, de terceirização ilegal. Segundo o MPT-MG, a empresa terceirizava funcionários de empreiteiras para o florestamento e o reflorestamento. De acordo com os procuradores, “sendo essa sua principal atividade, o ato caracteriza terceirização ilegal”.
Porém, para o advogado de defesa da Cenibra, não há legislação que impeça as empresas de contratarem mão de obra. “Não há nenhum dispositivo na lei que defina o que seja atividade-fim e atividade-meio de qualquer seguimento. Há diversos projetos de lei que tratam da terceirização no Congresso, mas nenhum seguiu adiante. Agora, caberá ao Judiciário, mais uma vez, decidir o que pode e o que não pode. Hoje há uma insegurança justamente porque não há essa definição”, diz.
Insegurança jurídica
Para a advogada Paula Corina Santone Carajelescov, sócia do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, o STF enfrentará uma questão que, em razão da insegurança jurídica de que se reveste, aflige o empresariado brasileiro e as relações de trabalho há muito tempo. “É um dos temas mais importantes para a área do Direito do Trabalho e há anos espera-se uma regulamentação, por parte do Congresso, do que seja atividade-meio ou atividade-fim da empresa. Precisamente por não haver uma lei que defina claramente isso, a questão sempre gerou interpretações divergentes nos Tribunais Regionais do Trabalho e no próprio Tribunal Superior do Trabalho”, comenta.
Paula Corina afirma que a definição de atividade-meio como determinante da licitude da terceirização não é assunto fácil e, em razão disso, é questão que atormenta a todos. “Assim, embora haja quem entenda que o critério da atividade-fim e atividade-meio já não seja mais suficiente para tratar do tema, especialmente porque em alguns setores seria possível terceirizar a atividade-fim sem precarizar as relações de trabalho, é inegável que a decisão do STF se reveste de extrema relevância, uma vez que colocará fim a uma longa discussão sobre este assunto. Todavia, a decisão ainda deverá ser observada com cautela, uma vez que o Tribunal Superior do Trabalho já adotou posicionamento divergente ao do STF em assuntos que haviam sido pacificados, mesmo após a alteração de entendimentos, na suprema corte”.
Daniela Moreira Sampaio Ribeiro, sócia do Trigueiro Fontes Advogados, observa que diante da falta de legislação à respeito, nas demandas envolvendo terceirização de atividades, as empresas ficam à mercê da interpretação do Poder Judiciário a respeito do que seria atividade-fim e atividade-meio, atual balizador entre a terceirização legal e a ilegal. Com isso, segundo ela, impera a total insegurança jurídica para o empresariado, até porque é cada vez mais tênue a linha que separa estes conceitos.
Para Daniela, um pronunciamento do STF pode ser decisivo para que o legislativo finalmente prossiga na votação da matéria, já que existem diversos projetos de lei sobre o tema em trâmite no Congresso Nacional — entre eles o mais polêmico, o PL 4.330/2012, que prevê a possibilidade de terceirização de todas as atividades e funções da empresa.
“O fato é que a terceirização está presente em praticamente todos os segmentos empresariais e representa aumento da eficiência na produção. Não procede a ideia de que a liberação da terceirização, em todas as atividades, representaria uma ameaça aos direitos dos trabalhadores, posto que, de qualquer maneira, ele poderá acionar judicialmente as duas empresas, prestadora e tomadora de serviços, em caso de sonegação de direitos trabalhistas”, conclui.
Garantias ao trabalhador
Gláucia Massoni, sócia do Fragata e Antunes Advogados, explica que a terceirização não significa precarização dos direitos trabalhistas. “Não podemos confundir a terceirização com a busca exclusiva de melhor preço e descumprimento da legislação. A terceirização bem feita e regulamentada não é sinônimo de lesão ao trabalhador”, afirma. Segundo ela, a discussão sobre a matéria “é muito controversa e a regulamentação se faz necessária já que da forma como está, há uma grande insegurança jurídica”.
A especialista afirma, ainda, que as empresas cada vez mais buscam a mão de obra especializada, “e a verdadeira terceirização se baseia nisso, na especialização, gerando maior produtividade, redução de custos e, evidentemente, maior lucratividade, aquecendo assim o mercado de trabalho, sem lesão aos direitos dos trabalhadores, preservando o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição Federal”.
A advogada Eliane Ribeiro Gago, sócia do Duarte Garcia Caselli Guimarães e Terra Advogados, também defende a terceirização. “Terceirizar não significa precarizar, pois a falta de registro, trabalho análogo ao de escravo ou quaisquer outras condições precárias de trabalho poderá ocorrer com empregados próprios trabalhadores diretos. A terceirização, por si só, não gera precariedade”.
Ela aponta que a contratação de trabalhadores mediante terceirização é um importante mecanismo de amenização dos efeitos do processo de recessão e, atualmente, imprescindível à economia moderna, tornando praticamente impossível descartar-se tal modalidade, não só no âmbito das áreas-meio, como até mesmo em algumas áreas-fim, dado o caráter multifacetado da cadeia produtiva.
No entanto, segundo ela, tal procedimento tem sido objeto de questionamento e severas restrições por parte do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho, que não tem admitido a terceirização da atividade-fim, com base na Súmula 331 do TST, inclusive em segmentos nos quais há legislação amparando tal procedimento, como a construção civil e o setor de telecomunicação.
Eliane Gago observa que Projeto de Lei 4.330 poderá, finalmente, eliminar às interpretações subjetivas da Justiça do Trabalho para estabelecer regras claras e objetivas com relação a terceirização. “Enquanto o projeto de lei não é aprovado, o que se espera do STF é uma decisão que não interfira na atividade econômica das empresas e obste a terceirização nas atividades finalísticas, mas que defina de forma clara e objetiva este tipo de relação, especialmente as responsabilidades da empresa tomadora com relação obrigações trabalhistas assumidas pela empresa subcontratada.”
A advogada Ilyonne Simone Camargo, do MPMAE Advogados, observa que a decisão do Supremo Tribunal Federal pode minimizar a intervenção do Ministério Público do Trabalho sobre a prática. “Essa decisão será de suma importância, visto que não há legislação que impeça a terceirização e nenhum dispositivo que defina atividade-fim de atividade-meio, podendo até decidirem pela legalidade da terceirização da atividade-fim fora do local da tomadora de serviço, conforme já vem se posicionando o TST. Bem como, minimizar a intervenção do Ministério Público do Trabalho sobre a prática de terceirizações ilícitas”, afirma. ARE 713.211
*Texto alterado às 18h42 do dia 19 de maio de 2014.
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2014, 17:27h
Fonte: Conjur; http://alfonsin.com.br/repercusso-geral-para-advogados-deciso-do-stf-sobre-terceirizao-trar-segurana-indita/