Nos últimos dias 03 e 04 de agosto, grandes nomes do cenário jurídico nacional estiveram na Capital mineira expondo os seus pontos de vista e análises sobre as recentes alterações legislativas na CLT. O Seminário “A Reforma Trabalhista – Impactos nas Relações de Trabalho”, promovido pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte – SetraBH em parceria com o TRT3, foi aberto a magistrados trabalhistas, advogados e servidores, que lotaram o auditório do Setra, visto que o assunto está na ordem do dia e mexe com as entranhas da Instituição.
Na abertura do evento, o presidente do TRT-MG, desembargador Júlio Bernardo do Carmo, refletiu sobre a Reforma Trabalhista que, segundo ele, não tinha como ser evitada já que “a atual CLT não está afinada com os novos tempos de alta tecnologia e nem com as novas condições competitivas e agressivas do mercado de consumo”.
Além do presidente, a mesa de abertura foi composta pelo 2º vice-presidente, ouvidor e diretor da Escola Judicial do TRT-MG, desembargador Luiz Ronan Neves Koury, e pelo presidente da Associação dos Magistrados Trabalhistas da 3ª Região, juiz Glauco Rodrigues Becho.
Em seguida, o presidente do SetraBH, Joel Jorge Paschoalin, manifestou o seu desejo de que o resultado das exposições e discussões possa contribuir para a implantação da reforma na prática trabalhista.
Para discutir os impactos nas relações de trabalho provocados pela reforma foram convidados a falar, como palestrantes, ministros do STF e do TST, desembargadores e juízes do trabalho, além de um procurador do trabalho, um advogado e um economista. A síntese e os principais momentos dessas palestras é o que o leitor vai conferir ao longo da semana no Especial NJ Seminário da Reforma Trabalhista.
Vantuil Abdala: A prevalência do negociado sobre o legislado
O primeiro a falar foi o ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho Vantuil Abdala, que hoje é advogado militante. O ministro aposentado começou sua palestra ressaltando que o Direito do Trabalho é o mais social dos Direitos, pois é tutelar e protege o hipossuficiente, pretendendo compensar a sua inferioridade econômica em relação ao empregador com uma superioridade jurídica atribuída pelas leis e princípios protetores do trabalhador. “Tudo isso é verdade! E tudo isso é mais verdade ainda no seu papel importantíssimo de enfrentar um capitalismo selvagem, o trabalho degradante, a exploração do trabalho infantil”. Para ele, a reforma não diminuiu a importância do Direito do Trabalho no Brasil.
O palestrante observou que o Direito do Trabalho é constituído de normas de ordem pública, de caráter imperativo, cogentes, inderrogáveis pela vontade das partes. E porque isso? Porque elas interessam a toda sociedade, já que sem direitos trabalhistas mínimos corre-se o risco de haver a própria ruptura do nosso sistema político: o capitalismo. “Quem garante a manutenção do Capitalismo são as classe dominantes. Isso significa que o Direito do Trabalho é um direito conservador, ele procura manter o “status quo”. Assim, não faz distribuição de renda, mas sim justiça social no caso em concreto”, destacou o ministro, citando uma pesquisa do IBGE que revelou que 50% da classe mais pobre ganham o equivalente a 1% dos mais riscos. Isso depois de 50 anos de existência do Direito do Trabalho. “Digo isso porque muitos juízes do trabalho , no seu sonho utópico, imaginam que vão fazer distribuição de renda com a caneta, com a pena. É uma pena, mais isso não é verdade e aí, corre-se o risco de perder-se um parâmetro”, aler
tou.
Atualmente, segundo ressaltou o ministro aposentado, há juízes que proferem decisões simplesmente invocando princípios. “Inclusive, há decisões que, invocando os mesmos princípios, produzem resultados completamente diferentes. E é o que eu temo que pode acontecer com essa norma que está para entrar em vigor. Porque há aqueles que, invocando princípios constitucionais (da dignidade da pessoal humana, dos direitos humanos, por exemplo), tendem a declarar tudo inconstitucional”, frisou.
Nesse ponto, ele chamou a atenção para a Súmula nº 10 do STF que determina que, para se deixar de aplicar uma lei, seja declarando-a inconstitucional, seja afastando-a por qualquer fundamento, é preciso que o Pleno do Tribunal o faça e ainda assim com a possibilidade de reclamação perante o STF.
Entrando no tema da reforma trabalhista, o ex-presidente do TST disse que há decisões que pecam pelo exagero de protecionismo ao empregado. Mas, na sua ótica, felizmente, a grande maioria do Poder Judiciário do Trabalho pensa que deve haver um comedimento na aplicação da lei da reforma. “E se tem nela pontos ruins, também vemos muita coisa que nos dá esperança”, comentou. Uma delas, na opinião do ex-presidente do TST, são os dispositivos que estabelecem o que pode e o que não pode ser negociado. “Quanto a isso existia uma insegurança terrível, bastava dizer que aquilo violava a dignidade da pessoa humana que se anulava a norma coletiva. Muitas vezes, eram anuladas normas que vigoravam há 4, 5 anos, criando-se, de uma hora para outra, um grande passivo para a empresa, que passaria a não ter mais condições de subsistir”.
Para Abdala, o grande argumento para se anular um acordo coletivo é a falta de representatividade do sindicato. Mas nunca houve no país qualquer movimento para mudar essa realidade, nem mesmo daqueles que, há tantos anos, falam sobre a falta de representatividade dos entes sindicais. “E agora, quando se extingue a contribuição sindical, todos gritam”, ironizou, acrescentando que a esperança é de que a extinção da contribuição sindical seja um estímulo para o aprimoramento do sistema sindical que, “como todos sabem, é absolutamente viciado, com mais de 17.000 sindicatos em todo o país, boa parte dos quais sem condição nenhuma de representar os empregados. Assim, a tendência é sobreviverem os sindicatos realmente representativos”, concluiu.
Na ótica do advogado e ex-presidente do TST, o grande problema do nosso sistema sindical é a questão da unicidade. “É que a CF deu um passo para lá e um passo para cá: permitiu a liberdade sindical, mas declarou a unicidade sindical”. Agora, com a reforma, ele acredita que há uma possibilidade de que se acabe com a unicidade sindical. “Então não mais se poderá falar em sindicato não representativo”, enfatizou.
De acordo com o ministro aposentado, não é razoável que um trabalhador, individualmente, possa ajuizar ação na Justiça do Trabalho pleiteando nulidade de cláusula coletiva. “Quem deve ter legitimidade para propor isso é o Ministério Público do Trabalho e não o trabalhador individualmente”. Ou o próprio sindicato, segundo defendeu, pode ir a juízo dizer que não celebrou o acordo, que houve vício de vontade ou fraude. Mas simplesmente pedir a nulidade da cláusula dizendo que ela ofende norma legal não é razoável. E mais, para o palestrante, se a questão é de direito coletivo, a competência para apreciar a matéria não deveria ser do juiz de primeiro grau, mas do Tribunal do Trabalho, por se tratar de decisão que pode vir a influenciar toda a categoria. “Esses são dois aspectos que ainda podem ser adotados e que trariam uma maior garantia para a validade do acordo ou convenção coletiva de trabalho”, frisou o ministro aposentado.
A reforma ponto a ponto – Entrando especificamente nos pontos da reforma, Vantuil Abdala afirma que tem lá muitas coisas despropositadas, como, por exemplo, tarifar o dano moral de acordo com o valor do salário. Para o palestrante, um tremendo despropósito. “Ou será que o braço de um trabalhador que ganha mil reais por mês vale 10 vezes menos do que o braço daquele que ganha 10.000 por mês?”, questionou.
A partir daí, o ministro passou abordar os dispositivos da reforma trabalhista que dizem em quais matérias o instrumento coletivo terá ou não terá prevalência sobre o legislado.
Prevalência do acordado – Primeiramente, o palestrante observou que o artigo 611-A da lei da reforma faz uma enumeração apenas exemplificativa (e não enumerativa) das questões em que a convenção e o acordo coletivo de trabalho terão prevalência sobre a lei, em razão do termo “entre outros”, existente no “caput” do dispositivo. Assim, poderá haver acordos coletivos contra a lei, em vários assuntos que não estão ali dispostos. Isso porque, o artigo 611-B, diz sobre o que, “exclusivamente” não poderá prevalecer sobre lei: “se é exclusivamente, permitiu-se que tudo o que ali não está previsto poderá ser objeto de negociação coletiva e prevalecer sobre a lei”, esclareceu.
Horas extras – O palestrante citou o primeiro item do artigo 611-A, que diz respeito às horas extras. Ele frisou que a CR/88 diz expressamente que é garantida aos trabalhadores a jornada de 8 horas, salvo acordo ou convenção coletiva. Assim, não se pode pactuar horas extras em caráter permanente, por meio de acordo individual de trabalho. “A prestação de horas extras permanentes é muito maléfica ao trabalhador, no aspecto social, familiar etc. No entanto, até hoje, a Justiça não declarou inconstitucional o art. 59, que permite, por acordo individual, a prestação de horas extras em caráter permanente”. Quanto a esse tema e quanto ao abuso de horas extras, o ex-presidente do TST citou que uma lei de 2015 permite que o motorista rodoviário faça até 4 horas extras por dia. Segundo ele, um absurdo, que coloca em risco a vida do motorista e de muitas outras pessoas.
Intervalo – Passando a falar do item 3, intervalo intrajornada, Abdala lembrou a questão dos motoristas urbanos do Rio de Janeiro, que diminuíram a jornada de 8 para 7 horas, sem prejuízo do salário e, no final de cada viagem, tinham 10 minutos de intervalo. Mas veio o Tribunal e declarou a nulidade da cláusula. O sindicato e os empregados disseram que o sistema era bom para eles, porque iam embora mais cedo e o intervalo de uma hora não interessava a eles. Chamou-se até o Ministério do Trabalho para fazer uma exceção à súmula, com parecer do desse órgão, mas não teve jeito: a negociação foi cancelada. Agora veio uma lei que permite o intervalo dos motoristas rodoviários. Na verdade, em certas circunstâncias, deve-se ter o intervalo de uma hora, dependendo da natureza dos serviços. Mas em outras, cabe um intervalo menor, e quem deve decidir isso são os trabalhadores. Segundo ponderou, vários países, como Alemanha, México, EUA, Inglaterra, Canadá e Japão, adotam intervalos menores e nem a OIT estabelece o inte
rvalo de uma hora.
Cargo de confiança – Quanto ao item que trata de plano de cargos e salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação de cargos que se enquadram como funções de confiança, o palestrante lembra que a caracterização dos cargos de confiança é um dos pontos que mais provocaram ações trabalhistas. Cabia ao juiz averiguar, geralmente com prova oral, se o reclamante tinha subordinados, se podia liberar empréstimo bancário etc. Agora a norma diz que o acordo coletivo pode definir o que é cargo de confiança, desde que discrimine as atribuições dos cargos considerados de confiança. Para o palestrante, isso deverá reduzir bastante o número de ações na JT sobre questões que envolvem cargo de confiança.
Insalubridade – Ao falar sobre enquadramento do grau da insalubridade, o palestrante pontua que esse item, que permite norma coletiva contra a lei relativamente ao grau de insalubridade, contradiz o item XVII do artigo 611-B, que proíbe a realização de acordo coletivo quanto ao direito previsto em normas de saúde, segurança e higiene de trabalho inclusive aqueles previstos nas Portarias do Ministério do Trabalho que estabelecem o grau de insalubridade. Portanto, esse ponto, no entender do ministro aposentado, merece uma reconsideração.
Já o artigo que prevê a prorrogação de jornadas em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho, é válido porque, segundo o palestrante, as empresas enfrentam muitas dificuldades e tem até de paralisar suas atividades quando mandam centenas de ofícios para o aludido órgão e não conseguem, em tempo hábil, o pronunciamento da autoridade competente sobre o trabalho em ambientes insalubres.
Validade da negociação- Ao analisar o parágrafo primeiro do art. 611-A, o magistrado aposentado observa que lá está dito que, no exame da convenção ou acordo coletivo, a JT observará o disposto no parágrafo terceiro do artigo 8º da CLT. Esse, por sua vez, diz que, ao fazer o exame em questão, a JT analisará a presença dos requisitos agente capaz, forma prevista em lei e objeto lícito, o que normalmente é observado. Mas na parte final diz: “e observará o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”. Aí, segundo pontuou, o legislador passa o seguinte recado: quem faz a lei não é o Poder Judiciário, mas o Legislativo.
Já o parágrafo segundo do artigo 611-A diz que a inexistência de expressa indicação de contrapartidas não ensejará a nulidade. Isso, segundo o palestrante, é bom, porque até aqui anulavam-se as cláusulas por inexistência de contrapartida e essa constatação pelo juiz é, de fato, muito difícil, porque o julgador não conhece as particularidades no seio da empresa. Algumas vezes as razões de determinadas cláusulas nem mesmo constam do instrumento.
Redução de salário – Por fim, os parágrafos 3º e 4º do artigo 611-A dizem que quando se reduzir o salário há de se garantir o emprego pelo prazo de vigência da convenção, o que o palestrante considera uma garantia mínima e óbvia.
Negociação vedada – Em seguida, ele passou à análise do artigo 611-B, que fala sobre o que não pode ir contra a lei na convenção ou acordo coletivo.
O art. 611-B da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, prevê que constitui objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos direitos ali arrolados. O palestrante notou que essa lista é muito maior, o que é um bom sinal, porque muitas vezes se quer cumprir a lei, mas não se sabe como. Esse artigo tem essa vantagem: deixa claro o que não pode ser transacionado em negociação coletiva ou, em outras palavras, no que a convenção não pode contrariar a lei. Para o juiz, a norma aqui deve ser exaustiva, senão não se usaria essa palavra “exclusivamente”.
Ele fez menção específica aos seguintes itens:
Férias – A lei 13.47/2017 proíbe que as férias sejam em menos de 30 dias. O que se permitiu com a reforma foi apenas uma repartição de maneira um pouco mais flexível que antes. Nesse ponto, o ministro ressaltou que não são válidos acordos que reduzem direitos quanto às férias previstos na CLT, como por exemplo, que estas devem ser pagas adiantadamente. A lei da reforma é clara quanto à ilicitude de acordo que suprima ou reduza direitos relativos às férias. “O que pode ser acordado sobre as férias é apenas o que não está na lei”, frisou.
Redução do intervalo – Já o parágrafo único do artigo 611-B diz que a regra sobre a duração do trabalho e intervalos não são consideradas como norma de saúde, segurança e higiene do trabalho para os fins de disposto no artigo. Para o palestrante, esse parágrafo veio ratificar a possibilidade de acordo para a redução do intervalo, dizendo que ele não diz respeito a segurança do trabalho.
Empregados de nível superior – O artigo 444 da lei diz que “as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas, em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. E, de acordo com o parágrafo único da regra, essa “livre estipulação se aplica às hipóteses previstas no artigo 611-A, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social”. Isso, segundo o palestrante, é porque a doutrina já falava, há muitos anos, da necessidade de se ter regras trabalhistas diferentes para o trabalhador humilde e de pouco estudo e para os altos empregados, já que não se podia interpretar de maneira igual circunstâncias completamente diferentes, tendo que se avaliar sempre a b
oa-fé. Agora, com a nova lei, tendo nível superior e ganhando cerca de R$11.000,00, o empregado poderá fazer pactuação contra a lei e contra acordo coletivo da sua categoria. “Essa regra é um passo adiante para abranger muitos profissionais esclarecidos e de alto nível, como médicos e engenheiros, que pactuam certas condições de trabalho tendo plena ciência do que fazem, e depois de quatro ou cinco anos, vão à JT pleitear diferenças milionárias”, ponderou.
Demissão em massa – O artigo 477-A estipula que: “As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia da entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.” Essa disposição causou estranheza ao palestrante, pois ao dispensar o acordo coletivo para a demissão em massa, não é coerente com clara intenção da reforma em prestigiar a pactuação coletiva.
Duração da CCT ou ACT – O artigo 614 diz que não será permitido estipular duração de acordo ou convenção coletiva superior a dois anos. Para o palestrante, a regra aborda um ponto delicado, sobre a proteção exagerada dada ao trabalhador, o que acaba sendo prejudicial a ele. Quando se diz que as normas coletivas se incorporam ao contrato de trabalho, corre-se o risco de prejudicar os trabalhadores, porque o empregador desiste de oferecer a vantagem econômica que poderia, porque não sabe como estará a economia daqui a quatro ou cinco anos.
ACT prevalece sobre CCT – Já o artigo 620 diz que as condições estabelecidas em acordo coletivo prevalecerão sobre a convenção coletiva. “Achei absolutamente acertado, porque a empresa está mais perto dos problemas de seus empregados e de seus próprios problemas para negociar condições de trabalho”, conclui o palestrante, encerrando a sua fala.
Victor Russomano: As mudanças no Direito Sindical
Pós-graduado em Sociologia Jurídica pela UNB, o advogado Victor Russomano Júnior iniciou sua fala criticando o que chama de “esquizofrenia na jurisprudência trabalhista”. Para explicar, ele exemplifica com o caso dos motoristas de caminhão que, devido a problemas de segurança na estrada e para proteção da carga, tem implantados em seus veículos sistemas de controle por satélite, como GPS e, às vezes, até escolta de helicóptero. Empresa e sindicato realizam acordo estabelecendo que esses mecanismos não implicam em controle de jornada (o que exclui esses trabalhadores do regime de jornada previsto no art. 62 da CLT), mas estabelecem um total fixo de 60 horas extras para todos os motoristas submetidos a essa situação, façam eles ou não horas extras. Mas daí vem o TST e declara a invalidade da cláusula do acordo coletivo, entendendo que os equipamentos de segurança implicam, sim, controle de jornada e que, se a situação contraria a lei, não poderia ser negociada. “Isso é esquizofrenia”, dispara o advogado, observando que a jurisprudência trabalhista coloca um limite na negociação coletiva que a Constituição de 1988 não impõe, pois a ela confere amplo poder e liberdade.
Ao comentar sobre o que mudou na legislação trabalhista, ele afirma: “O Direito do Trabalho não está em seu leito de morte. Ele subsiste em seus princípios fundamentais, prevalece na maioria de suas normas preservadas. O que não prevalece é aplicar o DT dessa forma esquizofrênica ou de forma que permita a ampla desregulamentação”, completa, dizendo que esse equilíbrio precisa ser buscado fora das amarras ideológicas que têm afetado a discussão da matéria.
O palestrante alerta que a interpretação das normas pautada por critérios ideológicos leva, por vezes, a decisões absurdas, como muitas de que se tem notícia. Segundo ele, mais que nunca é preciso equilíbrio e isenção para se aplicar a lei com razoabilidade. E isso a nova legislação vai permitir.
Em outro exemplo citado, um Banco estatal, que vinha de duas décadas de prejuízo, foi privatizado e passou a ter lucro. Nesse processo, foi feita uma alteração no contrato de trabalho dos empregados, por negociação coletiva, para que fossem absorvidos pelo novo empregador. Embora aparentemente a alteração tenha sido prejudicial a eles, na prática, a privatização trouxe várias vantagens ao conjunto dos empregados e isso foi reconhecido pelo TST que declarou a validade da negociação e passou a negar provimento às ações individuais que tentavam desconstituí-lo. “É essa razoabilidade que se espera na aplicação das leis a partir da reforma”, pondera Russomano.
De acordo com o advogado, é preciso aguardar os efeitos da nova legislação sobre a realidade concreta para se fazer um juízo de valor sobre as vantagens e desvantagens dessa reforma. Quanto às alegadas inconstitucionalidades, completou, só o STF é quem vai dizer se existem ou não, e invalidar as que assim forem. Com isso, ele faz dura crítica ao que chama de “jurisprudência de resistência” que, segundo rumores na mídia, parte da magistratura trabalhista anuncia que vai fazer. “Ou seja, por critérios ideológicos, já se prejulga a reforma, antes mesmo do julgamento de constitucionalidade”,arremata.
“Estamos numa fase de alteração do sistema jurídico. Estamos nos aproximando do sistema dos precedentes da common law. Essa jurisprudência que será construída a partir do julgamento dos dispositivos nos casos concretos, chegando ao TST e ao STF, é que vai dizer do alcance da reforma”, frisou.
Ao longo de toda a sua fala, Russomano clama pelo abandono dos critérios ideológicos em prol do equilíbrio e de uma visão dos interesses nacionais para que se entenda o que foi proposto na reforma. Segundo explica, não havia, por exemplo, na legislação um critério seguro para que o empregador pudesse premiar o mérito e a produtividade do empregado porque sempre havia o risco dos pedidos de equiparação, com decisões que criavam verdadeiras anomalias em termos de padrões salariais, deferindo diferenças astronômicas para alguns empregados. Para Russomano, agora que isso vai para a negociação coletiva é a chance de essa anomalia ser corrigida. A ideia é evitar situações como a de uma indústria têxtil brasileira que, mesmo concorrendo com empresas estrangeiras que produzem a um custo 40% mais baixo, forneça alimentação ao trabalhador e ainda seja penalizada com a condenação ao pagamento de horas extras pelo tempo que o trabalhador gastou no deslocamento até o refeitório. “É isso o que se tem de evitar” , pondera, e finaliza dizendo que é preciso aplicar a reforma com equilíbrio e bom senso, sem questionamentos ideológicos.
Por fim, o palestrante frisa que não se trata de desregulamentação e que o Direito do Trabalho não corre risco de extinção: “Ele tem de ser flexibilizado e atualizado. Essa reforma tem de ser acoplada a uma reforma da organização sindical, eliminando-se o mono-sindicalismo obrigatório, para que o sindicato tenha representatividade e legitimidade para realizar o instrumento coletivo em prol dos interesses reais dos trabalhadores. E isso será julgado por magistrados isentos, com base nas normas do Direito do Trabalho, e não com base em critérios ideológicos. Se assim feito, a reforma será, aí sim, usada em prol dos trabalhadores, e servirá de instrumento de modernização do Estado e de crescimento do País. Essa é a única saída, esse é o único caminho”, conclui.
Fábio Gomes: A arbitragem como solução de conflitos trabalhistas
Doutor em Direito Público e Juiz do Trabalho da Primeira Região (RJ), Fábio Rodrigues Gomes defende a arbitragem individual como um meio rápido e barato para solução de conflitos, inclusive os trabalhistas. Isto porque o meio judicial, segundo expôs, não está funcionando bem. Embora a Justiça do Trabalho seja mais rápida e produtiva que os demais ramos do Poder Judiciário, os seus mais de quatro milhões de novos processos por ano tornam inviável qualquer aparato judicial, isso em qualquer lugar do mundo.
Segundo ponderou o palestrante, essa absurda quantidade de ações gera um custo igualmente alto, o que desemboca no deficit orçamentário com que convivemos. “Então, é preciso buscar meios alternativos de soluções, empoderando a sociedade para a solução dos seus conflitos”, sugere, acrescentando que isso foi o que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa.
De acordo com Fábio Gomes, o nosso custo de acesso ao Judiciário é baixíssimo e essa avalanche de processos é a luz amarela para que se acenda essa nova forma de solução de conflitos para além da JT. Um ponto favorável a isso, segundo ele, é a nossa capacidade e o nosso know how em conciliação que, na Justiça do Trabalho, chegam a mais de 40% das ações em trâmite, o que é muito superior ao da Justiça Comum.
“Vejo na arbitragem um desenho institucional que leva à eficiência com baixo custo e que vai ser adequada à realidade das partes, e não como panaceia que vai salvar ou acabar com a Justiça do Trabalho”, dispara. Esse juízo arbitral, segundo explica, se apresentaria como um meio complementar à jurisdição pública. Inclusive, a lei de arbitragem aprovada prevê a carta arbitral, um diálogo entre o árbitro e o juiz togado. “Se quebrarmos as resistências, inclusive do TST, seria um alívio ao Judiciário, que continuaria como guardião dos direitos fundamentais dos trabalhadores, já que um artigo prevê a anulação de acordos arbitrais que sejam ilegais ou em que haja coação. O Judiciário é que dará a palavra final nesses casos”, completa, acrescentando que, pela Lei Complementar Nº 75/93, o Ministério Público do Trabalho tem autorização para atuar como arbitro (art. 83, XI).
Assim, ele entende que os juízos arbitrais seriam parceiros importantes na resolução de conflitos, desafogando Judiciário que, com a sobrecarga hercúlea, não consegue atender aos anseios da sociedade de celeridade e eficiência. Para o palestrante, os juízes tem que se preservar imparciais e não paternalistas e, de mais a mais, é humanamente impossível conhecer cada lei, súmula, enunciado e jurisprudência sobre cada uma das centenas de matérias que julgam. “Os juízes do trabalho são os mais produtivos do Brasil, quiçá do mundo, mas ainda assim, se não houver uma saída alternativa, não vejo um futuro promissor para a JT”.
Em se adotando a solução arbitral, o magistrado pondera que o árbitro deve ser escolhido pelas partes. Isto é preferível aos que procedem de listas, em que os escolhidos têm posições pré-definidas sobre assuntos cruciais para a categoria. Ele rechaça o argumento de que o empregado seria hipossuficiente para escolher o árbitro, ficando sujeito ao que fosse imposto pelo empregador. Para Gomes, isso é um excesso de abstração, descolada da realidade e que vislumbra o empregado como um eterno e obrigatório hipossuficiente: “Tem contextos de hipossuficiência, mas há situações em que não há essa condição na relação de emprego ou trabalho”, pondera, acrescentando que a lei de arbitragem previa isso para o caso dos altos executivos, mas o artigo foi vetado pela Presidência da República, segundo ele, “por motivos pífios”. Agora isso retorna no artigo 507-A, da reforma, que traz a cláusula arbitral para empregados de nível superior. “O tema gera desconforto porque mexe com algo enraizado no antigo direito do trabalho b
asileiro. Mas no novo direito do trabalho isso é paradigmático”, aponta.
Esclarece o palestrante que o art. 855-B prevê a presença obrigatória de advogado na realização das arbitragens individuais trabalhistas, o que garante aos trabalhadores a assistência necessária.
Mas ele aponta outro grande obstáculo para a efetivação da solução arbitral: a discussão sobre o que caracterizaria ou não os direitos indisponíveis. “O que é indisponível? Até onde vai o indisponível?”, questiona. Ele explica que a indisponibilidade ocorre quando o titular do direito consente com um certo grau de enfraquecimento da sua posição jurídica para que outra pessoa atue de uma maneira que não poderia sem o seu consentimento prévio. Como exemplo, cita as autorizações de disponibilização do próprio corpo dadas ao médico pelo paciente que vai se submeter a uma cirurgia. Mas daí vem a discussão sobre a qualidade do consentimento. Diz-se que o empregado está premido pela necessidade básica, o que é um fator limitador da sua liberdade. “O legislador brasileiro ousou e disse que quem tem determinado patamar de salário tem, sim, essa liberdade para negociar individualmente”, comentou Gomes, para quem essa ideia da indisponibilidade tem de ser dessacralizada e discutida de forma menos apaixonada.
O magistrado lembra que, na prática das conciliações trabalhistas, empregados transacionam direitos indisponíveis o tempo todo. “E aí, onde está o direito indisponível?”, questiona. “São transacionados ou convertidos em pecúnia e isso é feito perante o juiz”.
Por fim, o palestrante conclui frisando que a arbitragem pode vir a ser uma boa opção, como complemento à jurisdição, uma solução criativa e inovadora. Não resolverá tudo, mas virá para desafogar o Judiciário brasileiro, que poderá, enfim, respirar para poder trabalhar melhor. O Estado, nesse cenário, teria um papel subsidiário. O Judiciário funcionaria, então, como guardião, apurando casos de ilegalidade ou coação, casos esses em que o acordo firmado no juízo arbitral poderia ser anulado. Encerrando sua fala, o magistrado conclama a uma reflexão positiva sobre o assunto: “Precisamos ser protagonistas da História, e não rebocados por ela, por puro medo ou preconceito”, arremata.
Fonte- TRT-MG- 8/8/2017.