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Validade de cláusula convencional que prevê a substituição do fornecimento do vale-transporte por antecipação em dinheiro

Não há dúvida de que o vale-transporte concedido ao empregado para utilização no percurso residência-trabalho e vice-versa não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, não constitui base de incidência da contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e não se configura como rendimento tributável do trabalho, conforme dispõe o art. 2º da Lei n. 7.418/85.
 
Já a substituição do vale-transporte por montante em dinheiro, amparada em norma coletiva, gerou intensa controvérsia nos Tribunais até alguns anos atrás, em razão de o Decreto n. 95.247/87 vedar ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro (art. 5º).
 
A empresa que substituía o vale-transporte por antecipação em dinheiro, ainda que autorizada por norma coletiva, era autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (penalidade administrativa com imposição de multa pecuniária); sofria a cobrança judicial de contribuição previdenciária sobre o valor pago em dinheiro na Justiça Federal (risco previdenciário) e corria o risco de ver o valor pago em dinheiro transformado em verba salarial e incorporado a remuneração para fins de pagamento de 13º salário; férias + 1/3, FGTS e etc.
 
O que se discutia era se a substituição do vale-transporte pelo correspondente em dinheiro tinha o condão de alterar a natureza jurídica do benefício, de indenizatório para salarial.
 
Somente em 10 de março de 2010, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal sepultou de vez a controvérsia quando, ao apreciar o Recurso Extraordinário (RE) 478410, sob relatoria do Ministro Eros Grau, concluiu que o valor pago em dinheiro, a título de vales-transporte, pelo empregador aos seus empregados não afeta o caráter indenizatório do benefício e que o art. 5º do Decreto n. 95.247/87 é inconstitucional por incompatibilidade com o sistema tributário da Constituição de 1988. Decidiu o STF ser inconstitucional a cobrança da contribuição previdenciária sobre o valor pago em dinheiro a título de vale-transporte:
 
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA. VALE-TRANSPORTE. MOEDA. CURSO LEGAL E CURSO FORÇADO. CARÁTER NÃO SALARIAL DO BENEFÍCIO. ARTIGO 150, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONSTITUIÇÃO COMO TOTALIDADE NORMATIVA.
 
1. Pago o benefício de que se cuida neste recurso extraordinário em vale-transporte ou em moeda, isso não afeta o caráter não salarial do benefício.
 
2. A admitirmos não possa esse benefício ser pago em dinheiro sem que seu caráter seja afetado, estaríamos a relativizar o curso legal da moeda nacional.
 
3. A funcionalidade do conceito de moeda revela-se em sua utilização no plano das relações jurídicas. O instrumento monetário válido é padrão de valor, enquanto instrumento de pagamento sendo dotado de poder liberatório: sua entrega ao credor libera o devedor. Poder liberatório é qualidade, da moeda enquanto instrumento de pagamento, que se manifesta exclusivamente no plano jurídico: somente ela permite essa liberação indiscriminada, a todo sujeito de direito, no que tange a débitos de caráter patrimonial.
 
4. A aptidão da moeda para o cumprimento dessas funções decorre da circunstância de ser ela tocada pelos atributos do curso legal e do curso forçado.
 
5. A exclusividade de circulação da moeda está relacionada ao curso legal, que respeita ao instrumento monetário enquanto em circulação; não decorre do curso forçado, dado que este atinge o instrumento monetário enquanto valor e a sua instituição [do curso forçado] importa apenas em que não possa ser exigida do poder emissor sua conversão em outro valor.
 
6. A cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago, em dinheiro, a título de vales-transporte, pelo recorrente aos seus empregados afronta a Constituição, sim, em sua totalidade normativa. Recurso Extraordinário a que se dá provimento.” (RE  478410/SP –  STF. Relator Ministro Eros Grau.  Julg. 10/03/2010. Tribunal Pleno.  DJE 14/05/2010)
 
Embora o pagamento em dinheiro acabe permitindo ao empregado dar destinação diversa à importância recebida a título de vale-transporte, como por exemplo, adquirir alimentos ou combustível para o veículo particular, o STF entendeu que a proibição legal para que o vale seja pago em dinheiro foi para evitar a fraude por dissimulação, ou seja, o pagamento em dinheiro dissimular salário, mas isso não autoriza admitir-se que o “instituto tenha mudado de natureza” (Voto do Ministro Cezar Pelulso no acórdão RE 478410/SP)
 
No ano de 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) unificou a sua jurisprudência e seguiu orientação do Supremo Tribunal Federal. Até então havia decisões do STJ que reconheciam a incidência da contribuição previdenciária sobre o benefício do vale-transporte quando pago em dinheiro.
 
As decisões da Justiça do Trabalho também trilham no mesmo caminho, qual seja, no sentido de que a substituição do vale-transporte por pagamento em espécie não tem o condão de transmudar a natureza jurídica do vale-transporte que, por disposição legal é indenizatória, já que o valor se destina a ressarcir os gastos do empregado com o deslocamento residência-trabalho e vice-versa.
 
Nesse sentido, os seguintes julgados:
 
RECURSO DE REVISTA. VALE-TRANSPORTE. PAGO EM PECÚNIA. NATUREZA INDENIZATÓRIA . Tanto o art. 2.º, alíneas a e b, da Lei n.º 7.418/85 quanto o art. 28, § 9.º, f, da Lei n.º 8.212 /91 estabelecem a natureza indenizatória dos valores pagos a título de vale-transporte. Assim, o pagamento da parcela em dinheiro não possui a faculdade de mudar seu caráter indenizatório, porquanto não revela, por si só, alteração de sua finalidade. Recurso de Revista não conhecido” (TST – RR 15493920115090663 – 1549-39.2011.5.09.0663 – Ac. 4ª Turma. Relatora Ministra Maria de Assis Calsing. DEJT 18/10/2013)
 
AÇÃO ANULATÓRIA. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO SINDICATO DAS EMPRESAS DE SEGURANÇA PRIVADA DO ESPÍRITO SANTO. 1) VALE-TRANSPORTE. CONVERSÃO DO BENEFÍCIO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. Reforma-se a decisão regional que declarou a nulidade de cláusula convencionada, que permite ao empregador substituir o vale-transporte pelo pagamento em espécie. A condição preserva os termos do art. 2º da Lei n.º 7.418/1985, no sentido de que o benefício constitui verba sem natureza salarial, não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de FGTS e não constitui rendimento tributável do empregado. Além disso, apresenta benefícios aos segmentos profissional e econômico, e sua nulidade representaria o desprestígio do processo de negociação autônoma, insculpido nos arts. 7º, XXVI, e 114, § 2º, da Lei Maior (ROAA-37000-94.2007.5.17.0000, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT de 22/5/2009).
 
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. AÇÃO ANULATÓRIA. MULTA ADMINISTRATIVA. VALE-TRANSPORTE. ANTECIPAÇÃO EM PECÚNIA ESTABELECIDA POR CONVENÇÃO COLETIVA. Diante de possível afronta ao art. 7º, XXVI, da CF/88, dá-se provimento ao agravo de instrumento para autorizar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. VALE-TRANSPORTE. ANTECIPAÇÃO EM PECÚNIA ESTABELECIDA POR CONVENÇÃO COLETIVA. O entendimento atual da Seção de Dissídios Coletivos tem sido o de que, por força do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, desde que a condição tenha sido estipulada por meio de instrumento negocial autônomo e respeitados os limites legais, especificamente quanto à não vinculação ao salário, o vale-transporte pode ser substituído por pagamento em pecúnia. Recurso de revista conhecido e provido, no particular. (RR-71540-54.2006.5.02.0055, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT de 30/7/2010)
 
 Lícita, portanto, a cláusula convencional que autoriza o empregador a substituir a entrega do vale-transporte pelo montante em dinheiro, já que a forma do cumprimento da obrigação legal, fornecimento do vale (tíquete) ou pagamento em dinheiro, não descaracteriza a natureza não salarial do benefício. 
 
Isso não dispensa o trabalhador de declarar os meios de transportes que se utiliza para o deslocamento residência-trabalho e vice-versa para fazer jus ao benefício e constituir prova da sua natureza ressarcitória.
 
Afinal, o benefício foi instituído a favor do empregado para que possa fazer frente as despesas com transporte sem onerar demasiadamente o seu salário (contraprestação pelo trabalho) , não constituindo um plus salarial.
 
Por fim, vale recordar que o art. 458, § 2º, III, da CLT não considera salário a utilidade concedida pelo empregador para o transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público.
 
(*) Advogada sócia do escritório Granadeiro Guimarães Advogados

Fonte: Última Instância, por Aparecida Tokumi Hashimoto (*), 10.03.2014; Clipping- www.granadeiro.adv.br

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