O uso do FGTS como garantia ao crédito consignado corre o risco de não sair do papel. Custos elevados, além da identificação de fragilidades nas garantias, devem impor um freio à operação. Segundo fontes, bancos importantes não compartilham do otimismo apresentado pelo governo em relação à modalidade, que vai exigir um aumento substancial de gastos operacionais em um momento econômico delicado e um esforço de desenvolvimento de sistemas nada trivial. Segundo essas fontes, as novas regras não devem aumentar substancialmente as garantias existentes a ponto de estimular uma maior oferta e o efeito, no fim das contas, pode ser marginal.
Um dos principais motivos a fundamentar a posição mais reticente de alguns bancos é que 96% das contas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) têm saldo menor do que R$ 6 mil. Além disso, devido à alta rotatividade da mão de obra, cerca de 50% das contas foram abertas em um prazo de até 12 meses, o que tornaria essas garantias menos significativas e mais frágeis.
Com as novas regras, seria preciso montar um sistema para recepcionar todos os avisos dos bancos relativos a empréstimos consignados e atrelar esses avisos às informações sobre as contas do FGTS – algo a ser montado praticamente do zero a um custo adicional significativo. Esse esforço seria do gestor do FGTS, ou seja, a Caixa Econômica Federal, encarregada do processamento das operações.
Os outros bancos teriam a tarefa de informar à Caixa cada operação, de modo a assegurar o quanto pode ser consignado e as garantias: os 10% do saldo do FGTS ou até 100% da multa paga pelo empregador no caso de demissão sem justa causa – que é de 40% do saldo. Os limites estão previstos na nova lei, publicada em 15 de julho, e agora aguarda regulamentação.
Entre monitorar os saldos e identificar quem tem crédito nos diferentes bancos, a percepção é que o gestor do fundo, ou seja, a Caixa, não teria como impedir que o tomador do consignado usasse o mesmo saldo do FGTS como garantia para mais de uma operação. Há também uma preocupação de como impedir o trabalhador do setor privado de usar o FGTS dado em garantia no momento em que decidir fazer um financiamento habitacional ou em casos mais graves, como doença ou morte.
As dúvidas com relação ao novo consignado surgem dias depois de o assunto sair da pauta da reunião do Conselho Curador do FGTS, na última quarta-feira, e de sinalizações de que temas como as taxas de juros e a extensão do parcelamento do empréstimo seriam discutidos apenas em setembro.
Os bancos ressaltam que o crédito com desconto em folha é um negócio interessante, pois o salário dado em garantia reduz o risco da operação e abre espaço para taxas de juros mais competitivas. Para o tomador do empréstimo, o produto significa uma fonte de crédito bem mais barata.
Da parte da Fazenda, o uso do FGTS para garantir operações de consignado para trabalhadores da iniciativa privada busca justamente aproximar a taxa cobrada do setor privado do que hoje é aplicado aos servidores públicos e aposentados. A questão, ressaltam alguns bancos, é que custos e riscos maiores não podem ser desprezados. Já existem movimentações para desenhar outros produtos, como uma espécie de crédito com desconto em folha que prescinda de sistemas mais sofisticados para processamento das operações. Dessa forma, a avaliação do quanto e de como emprestar ficaria com cada banco. E a taxa de juros cobrada poderia ficar entre o que hoje é cobrado no crédito consignado e o crédito pessoal (CDC).
Em meio ao impasse, os juros cobrados no empréstimo com desconto em folha são bem diferentes. Em maio, a taxa média do consignado era de 29,6% ao ano, segundo o BC. No entanto, para os servidores públicos ficava em 27,7% ao ano; para os aposentados, 30,7% ao ano; e para os trabalhadores da iniciativa privada, chegava a 43,9% ao ano. No crédito pessoal, a taxa média fica em 129,9% ao ano.
Especialmente em razão da atratividade, o saldo da carteira de consignado para os trabalhadores do setor privado não passava de R$ 18,2 bilhões em maio e, algo mais notável, sua trajetória era de queda. O volume é uma fração dos R$ 170,7 bilhões da carteira de consignado do setor público.
Fonte- Valor Econômico- 25/7/2016- http://www.seteco.com.br/uso-do-fgts-no-consignado-pode-estar-ameacado-valor-economico/