Mateus Aimoré Carreteiro: é preciso incentivar a participação de terceiros interessados nos IRDRs, pois decisões vinculam todos os processos semelhantes
Com apenas um julgamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) conseguirá encerrar cerca de 1,2 mil processos em primeira e segunda instâncias. Para que a decisão sobre direito administrativo – inclusão de prêmio de incentivo no cálculo de verbas trabalhistas – possa ser replicada, os desembargadores julgaram o tema por meio de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). A ferramenta, prevista no Código de Processo Civil (CPC), está em vigor há dois anos e ganhou a adesão dos tribunais de segunda instância.
O IRDR é utilizado quando há diversas ações sobre um mesmo assunto. Segue a lógica do recurso repetitivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ): um processo é julgado e a decisão vale para os demais. O mecanismo é tratado do artigo 976 ao 987 do novo CPC – Lei nº 13.105/2015.
Admitido um tema, todas as ações similares e que tramitam na jurisdição do tribunal – em primeira e segunda instâncias – ficarão suspensas por até um ano, que é o prazo para o julgamento da matéria. O IRDR poderá ser suscitado por juiz de primeira instância ou relator ou requerido pelas partes, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública.
Desde que a ferramenta foi lançada, foram admitidos 175 repetitivos em todo o país – 140 por tribunais estaduais, 24 por trabalhistas e 11 por federais -, que resolverão milhares de processos paralisados. Os dados são do Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios, também previsto pelo novo CPC e atualmente gerido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A maioria ainda está pendente de julgamento. Um deles terá um forte impacto para os consumidores. Apesar de a questão estar na pauta do Superior Tribunal de Justiça, o TJ-SP admitiu IRDR para definir se tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica (TUST/TUSD) compõem a base de cálculo do ICMS. Pelo banco de dados do CNJ, cerca de 60 mil processos estão à espera de uma resposta só no Estado de São Paulo.
O assunto é importante para os Estados e estima-se impacto de R$ 14 bilhões por ano na arrecadação. No TJ-SP, o tema deverá ser julgado até meados de agosto, seguindo o prazo de um ano estabelecido pelo novo CPC. No total, os desembargadores paulistas já admitiram 17 repetitivos. “É uma ferramenta nova e muito importante para a padronização da jurisprudência”, diz a juíza assessora da presidência, Maria Rita Rebello Pinho.
Ao lado de São Paulo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) está entre os mais atuantes. Já foram admitidos 34 repetitivos, segundo o desembargador José Afrânio Vilela, gestor do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugep). Deste total, oito foram julgados pelos magistrados. “A repercussão é muito grande. É uma ferramenta que traz celeridade e segurança jurídica”, afirma o desembargador.
Para advogados, o mecanismo foi um dos avanços importantes do novo CPC e tem sido utilizado com bastante frequência pelos tribunais. Porém, precisaria de ajustes. O IRDR foi criado junto do incidente de assunção de competência (IAC) – para questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos. Já foram admitidos 45 processos em todo o país.
De acordo com o advogado Mateus Aimoré Carreteiro, do escritório Veirano Advogados, é preciso incentivar a participação de terceiros interessados (amici curiae) por meio de uma maior publicidade dos IRDRs, já que uma decisão vincula a todos que têm processos semelhantes. Levantamento realizado por ele, mostra a participação em apenas 20% dos incidentes julgados pelos tribunais estaduais.
“É essencial que os jurisdicionados saibam do debate sobre determinada matéria e, consequentemente, possam participar e contribuir na formação da melhor tese jurídica”, diz o advogado. “A participação de amici curiae, portanto, desde que utilizado de forma correta, possui relevante papel na legitimação de um IRDR, inclusive para, se necessário, levar a questão ao STJ ou ao Supremo Tribunal Federal para uniformização da questão jurídica em nível nacional.”
A advogada Priscila Faricelli de Mendonça, do Trench, Rossi e Watanabe, entende que não se tem dado a devida publicidade aos IRDRs e prevê problemas com eventual julgamento de um mesmo tema tributário, por exemplo, por tribunais distintos. “Até uma decisão em tribunal superior, uma empresa que atua em mais de um Estado terá que enfrentar tratamentos diferentes”, afirma.
Fonte: Valor Econômico- 21/3/2018-
Tribunais de Justiça foram os que mais admitiram repetitivos