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STJ vive impasse sobre abusividade de cláusula contratual

Os juízes ou tribunais podem reconhecer de ofício a abusividade de cláusulas em contratos bancários? De acordo com a Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não. Mas uma decisão recente da 3ª Turma do tribunal sinaliza que esse entendimento está em vias de mudança.

Editada em 2009, o enunciado prevê que “nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. Segundo a norma, o juiz tem que ser provocado pelas partes sobre a nulidade das cláusulas, ainda que seja uma nulidade baseada no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Em julgamento realizado em junho, porém, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino defendeu a mudança da regra. Relator do recurso especial 1.465.832/RS, em que o assunto é debatido, Sanseverino ressaltou a importância de não impedir que os juízes de primeiro e segundo graus exerçam “seu poder-dever de se pronunciar ex officio sobre cláusulas abusivas em contratos de consumo, cuja nulidade de pleno direito é expressa no CDC”.

No caso concreto, a súmula não foi afastada e se manteve a orientação do tribunal. Mas ao longo de todo o voto o ministro falou na necessidade de o STJ revisar sua orientação. É que, segundo ele, o CDC diz que suas normas são de ordem pública, o que significa poder ser conhecido pelo juiz sem a necessidade de alegação da parte.

“A Súmula 381/STJ contraria frontalmente o sistema principiológico que se estabeleceu no Brasil após a Constituição Federal de 1988, pois, como visto, vedou aos juízes de primeiro e segundo graus o exercício do seu poder-dever de se pronunciar ex officio sobre cláusulas abusivas em contratos de consumo, cuja nulidade de pleno direito é expressa no CDC”, explicou o relator.

De acordo com a decisão, cujo acórdão foi publicado em 27 de junho, a possibilidade de atuação de ofício dos julgadores, ao se depararem com cláusulas prejudiciais ao consumidor, não é incompatível com os direitos e garantias fundamentais do contraditório e ampla defesa previstos no artigo 5º da Constituição Federal.

A tese sugerida pelo ministro tem a seguinte redação: “Nos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, é possível o reconhecimento, de ofício, da nulidade de cláusula abusiva em primeiro e segundo graus de jurisdição , respeitados o contraditório e a ampla defesa”.

Novo CPC

A proposta de revisão futura do tema foi embasada, sobretudo, no novo Código de Processo Civil, que deve ser interpretado, segundo o relator, em consonância com o sistema constitucional e legal de proteção do consumidor, especialmente no que se refere à norma contida no artigo 10 – já que fala sobre normas de ordem pública dentro do processo civil.

“O juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com fundamento a respeito do qual não tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”, diz o artigo 10 do novo código. O juiz pode conhecer de matérias de ordem pública, mas não sem antes dar oportunidade de as partes se manifestarem. A ideia é evitar uma “decisão surpresa”.

Saída intermediária

De acordo com o advogado André Roque, professor de processo civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), a intenção de Sanseverino é trazer para as normas de ordem pública do consumidor a mesma ideia que o CPC de 2015 traz para as normas de ordem pública do processo.

“O raciocínio do ministro é que o novo CPC trouxe uma saída para essa discussão a respeito da Súmula 381, que é uma saída intermediária. Ou seja, é possível conhecer de oficio, mas antes tem que ser dada a oportunidade das partes se manifestarem”, explica.

Roque afirma ainda que o enunciado, independentemente do novo CPC, já era questionado por processualistas e professores da área do direito do consumidor.

Sanseverino cita, por exemplo, artigo do jurista Nelson Nery Júnior no qual defende que “a decisão sobre a abusividade de cláusula contratual é possível, sim, ao tribunal recursal, em razão da autorização e da determinação que a ele é imposta pelo efeito translativo do recurso, porque se trata de matéria de ordem pública”. O efeito translativo do recurso foi previsto no artigo 933 do novo CPC.

“Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de cinco dias”, diz o dispositivo.

Jurisprudência mutável

A matéria é controvertida no STJ. A proposta de alteração do texto chegou a ser afetada por Sanseverino como repetitivo para análise da 2ª Seção, mas a tentativa fracassou em março deste ano. Uma questão de ordem levantada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva foi acolhida pela maioria dos integrantes do colegiado que reúne as duas turmas de direito privado. Com isso, o tema voltou para a turma.

As reservas de Cueva quanto à proposta de revisão da súmula continuaram no julgamento realizado em junho. Na ressalva que fez ao voto de Sanseverino, Cueva reconheceu que as teses jurídicas assentadas no julgamento de casos repetitivos não são imutáveis, mas disse que não se pode esquecer que o próprio CPC/2015 criou mecanismos “mais rígidos para a modificação da jurisprudência já consolidada no âmbito dos tribunais”.

O ministro se refere ao artigo 927 do CPC/2015, segundo o qual a “modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”.

A crítica de Cueva partiu do fato de a proposta de revisão da súmula 381 vir estampada na ementa da decisão de Sanseverino. Segundo ele, cria-se a “falsa impressão de que já existe consenso entre os julgadores acerca da interpretação sugerida pelo relator, não sendo esse, contudo, o momento apropriado para se promover uma discussão mais aprofundada a respeito do tema”. Os ministros Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi concordaram com as ressalvas.

O mesmo artigo 927 foi invocado por Sanseverino para propor a mudança na orientação do tribunal. Para ele, a edição de uma nova lei, a mudança de composição da Corte e, sobretudo, a evolução do direito em si, podem justificar a mudança de interpretação sobre determinada matéria.

“Nessas hipóteses de modificação de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos, é necessário observar o disposto no §4º, do art. 927, do NCPC, ou seja, ‘fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia’”, argumentou.

Janela

Mesmo com as ressalvas, o voto de Sanseverino ficou com uma parte toda dedicada à fundamentação do porquê a Súmula 381 tem que ser mudada. Ao final, a conclusão diz que para o caso concreto foi mantida a jurisprudência.

“Houve um recado confuso para todos os juízes do Brasil, que é uma instabilidade da jurisprudência do STJ sobre permanecer ou não com a súmula. Um recado ruim, porque todas as razões para mudar a súmula estão lá no voto”, avalia Luciano Godoy, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.

Dois efeitos práticos foram criados a partir da decisão, na opinião de Godoy: um recado confuso aos 16 mil juízes do Brasil se a súmula tem ou não uma boa estabilidade da jurisprudência do STJ e um aumento da litigiosidade. O advogado alerta ainda que, embora o caso trate de bancos, o precedente interessa a todas as relações de contratos de consumo, planos de saúde, seguradoras e telefonia.

Para André Roque, os efeitos por ora não serão tão concretos. “Não é a revogação da súmula, nem a revogação dos precedentes anteriores, mas é uma sinalização, um sinal que o STJ está dando e a gente vai ter que aguardar para ver até que ponto é uma sinalização de poucos ministros ou do tribunal como um todo de que a súmula está em processo de revisão. ”

“A visão que eu tenho com esse precedente é que o STJ está avisando ‘estou repensando essa súmula, ela está em processo de discussão. Mas também não dá para dizer que o STJ já virou, acho que está no meio do processo”, pondera o professor.

Caso concreto

No caso enfrentado pelo recurso especial, o Banco Fiat recorria de acórdão proferido pela 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Na origem, um consumidor ajuizou ação de revisão contratual contra o banco, alegando ter firmado um contrato de financiamento de veículo automotor mediante formulário de adesão.

De ofício, foi declarada a nulidade da cobrança da TAC, da TEC e das despesas com formalização, regularização e registro do contrato e da cláusula que autorizou a emissão de nota promissória, bem como do próprio título.

No acórdão de origem, o TJ-RS afastou a pactuação dos juros remuneratórios e da capitalização mensal, reduzindo a multa de 10% para 2% ao mês, admitindo a repetição do indébito e, de ofício, determinou que o valor residual garantido (VRG) fosse restituído imediatamente ao arrendatário. Por maioria, deu parcial provimento ao recurso de apelação do banco, declarando a validade da nota promissória emitida em garantia do débito. Mantidas, no mais, as vedações à cobrança de tarifas administrativas (TAC e TEC) e da comissão de permanência.

Ao STJ, o banco alegava que a declaração de ofício pelo tribunal da nulidade de cláusulas contratuais era ilegal. E defendia a legalidade do valor residual garantido (VRG) e a legitimidade da emissão de título de crédito em garantia.

“Por fim, verifica-se que, de ofício, o acórdão recorrido determinou que o valor residual garantido (VRG) deveria ser restituído imediatamente ao arrendatário, divergindo da orientação jurisprudencial desta Corte fixada no REsp 1.061.530/RS e da Súmula 381/STJ, devendo, portanto, ser decotado da condenação”, decidiu Sanseverino.

A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial do Banco Fiat.

10/7/2017

Fonte- https://jota.info/justica/stj-vive-impasse-sobre-abusividade-de-clausula-contratual-10072017

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