Ministro Marco Aurélio Bellizze: normas sobre contratos comportam também as denominadas sanções positivas.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve uma prática adotada por escolas e faculdades particulares para incentivar o pagamento em dia de mensalidades: o desconto de pontualidade – dado ao aluno até o dia de vencimento ou data anterior. Por unanimidade, os ministros da 3ª Turma consideraram o abono uma “vantagem econômica”, e não uma “multa moratória camuflada”.
A decisão foi dada em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a União Cultural e Educacional Magister, pertencente ao Grupo Estácio de Sá. No processo, os procuradores alegam que o desconto oferecido seria fictício e que, na verdade, a faculdade estaria embutindo o valor de uma multa moratória que, somada à prevista nas mensalidades, ultrapassaria os 2% permitidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Em sua defesa, a faculdade argumenta que o desconto de 10%, oferecido para pagamento antes da data de vencimento, é um benefício, um incentivo ao adimplemento. Além de ser uma maneira de conseguir antecipar receitas, segundo os advogados Marcos Serra Netto Fioravanti e Andre Frossard Albuquerque, sócios do Siqueira Castro Advogados, que representam o estabelecimento de ensino. “Os dois se beneficiam com a pontualidade. Para as instituições de ensino, é uma alternativa à tomada de crédito externo”, diz Albuquerque.
De acordo com Fioravanti, não existe norma proibindo a prática e a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 1996) garante a possibilidade de apresentação de planos alternativos de pagamento – desde que não excedam o valor anual contratado. “A liberdade de contratar permite que se possa conceder o desconto e beneficiar o aluno”, afirma o advogado.
Em primeira instância, o pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo havia sido acolhido. A faculdade recorreu e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reformou parte da sentença, mantendo, porém, a proibição da prática. No STJ, a relatoria do caso ficou com o ministro Marco Aurélio Bellizze, que foi favorável ao desconto de pontualidade.
O relator entendeu que as normas que disciplinam o contrato – seja o Código Civil ou o Código de Defesa do Consumidor – “comportam, além das sanções legais decorrentes do descumprimento das obrigações ajustadas contratualmente (de caráter coercitivo e punitivo), também as denominadas sanções positivas que, ao contrário, têm por propósito definir consequências vantajosas em decorrência do correto cumprimento das obrigações contratuais”.
Para ele, o desconto de pontualidade significa “indiscutível benefício ao consumidor adimplente”. “Não há e nem poderia haver proibição nesse sentido, na medida em que tais disposições [desconto e multa] incitam justamente o cumprimento voluntário das obrigações contratuais assumidas”, afirma Bellizze em seu voto.
Em sua exposição, o relator cita precedente da 4ª Turma do STJ favorável ao desconto, referente a contrato de locação – com aplicação, no caso, do Código Civil. No julgado, os ministros reconheceram a possibilidade de coexistência de cláusulas de abono e de multa. “São distintas as hipóteses de incidência da multa e a do abono, o que, por si só, afasta qualquer possibilidade de bis in idem, seja em relação à vantagem, seja em relação à punição daí advinda”, diz Bellizze.
O entendimento foi comemorado pelo presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo, Benjamin Ribeiro da Silva. De acordo com ele, o desconto foi uma alternativa encontrada para que os alunos paguem em dia as mensalidades e as instituições consigam cumprir seus compromissos.
“Normalmente, a escola tem que pagar a folha [de salários] no dia 5. E, como alternativa aos bancos, prefere conceder o desconto aos pais”, afirma ele, acrescentando que o índice de inadimplência varia hoje entre 8% e 9%. “Já foi pior. Chegou a 20%. As escolas estão mais eficientes.”
A advogada Maria Helena Ortiz Bragaglia, sócia do Demarest Advogados, considera a decisão acertada. “Foi perfeita. Muitas vezes, os órgãos de defesa do consumidor levantam supostas ilegalidades sem qualquer embasamento”, afirma. De acordo com ela, da mesma forma que tem o direito de punir, com a multa moratória, a instituição de ensino tem o direito de dar um benefício. “E, no caso, todas essas informações foram prestadas de forma clara ao consumidor.”
Fonte: Valor Econômico- 24/10/2016-
STJ considera legal desconto dado por instituições de ensino