Antônio Carlos de Almeida Castro afirma ter conseguido anular cerca de 40 processos com o precedente do STJ.
Em tempos de grandes operações como a Lava-Jato, um processo a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) deve regulamentar melhor as polêmicas escutas telefônicas autorizadas pela Justiça nas investigações policiais e do Ministério Público. Como o caso será julgado em repercussão geral, terá impacto em diversas investigações.
Os ministros analisarão a constitucionalidade das sucessivas renovações de prazo de interceptação telefônica. O artigo 5º, da Lei nº 9.296, de 1996, estabelece que as escutas autorizadas não podem exceder o prazo de 15 dias renovável por igual período, desde que comprovada a indispensabilidade do meio de prova. De acordo com advogados, porém, na prática os períodos são renovados diversas vezes, muitas vezes sem justificativa plausível.
O recurso que será analisado teve grande repercussão ao ser julgado, em 2008, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O caso trata das escutas telefônicas autorizadas judicialmente por cerca de dois anos contra empresários uruguaios do Grupo Sundown, fabricante de bicicletas e motocicletas, Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern. As investigações apuravam a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, corrupção, descaminho, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
A 6ª Turma do STJ foi unânime, ao seguir na época o voto do relator, ministro Nilson Naves (hoje aposentado), para cancelar as provas obtidas pelas interceptações telefônicas que ultrapassaram o prazo. Com base nesse julgamento histórico, o advogado dos empresários, Antônio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, afirma ter conseguido anular mais de 40 processos relacionados a essa investigação. “Esse caso é um escândalo. Tínhamos momentos em que os delegados diziam que não tinham porquê continuar com as interceptações, já que não aparecia nada. Porém, curiosamente, o Ministério Publico, no caso o procurador era o Dalagnoll [que está na Operação Lava-Jato] pedia, e o juiz, que era o Sérgio Moro, concedia”, afirma o advogado.
O processo chegou ao Supremo por meio de um recurso do Ministério Público Federal contra a decisao do STJ. Os ministros da Corte superior anularam as provas obtidas por entender que houve violação ao princípio da razoabilidade. E entenderam que o prazo máximo que poderia ser usado seria de 60 dias (mesmo prazo dado para o estado de defesa pela Constituição) ou, segundo o acórdão ” razoável prazo, desde que, é claro, na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada”.
No Supremo, o Ministério Público Federal (STF) alega que as prorrogações foram devidamente justificadas e que a decisão violou o artigo 93, inciso IX, da Constituição, que trata do princípio da fundamentação das decisões judiciais. Ainda argumenta que a decisão do STJ divulgada na imprensa abriu espaço para a invalidação de centenas de operações policiais nas quais as interceptações duraram mais de 30 dias.
Ao admitir a repercussão geral, o ministro Gilmar Mendes ressaltou, em 2013, que a jurisprudência do Supremo tem caminhado no sentido de admitir essas prorrogações. Em março, Gilmar Mendes, decidiu que não seria o caso de suspender a tramitação dos processos semelhantes porque a repercussão geral foi declarada antes da vigência do novo Código de Processo Civil, que prevê o sobrestamento de processos semelhantes.
O pleno da Corte chegou a analisar essa mesma discussão ao tratar, também em 2008, das provas obtidas na denúncia do procurador-geral da República contra o ministro aposentado do STJ Paulo Medina. A maioria entendeu serem legais as provas obtidas, com exceção do ministro Marco Aurélio.
Os demais ministros concordaram que a coleta de provas por meio de interceptações telefônicas, sucessivamente prorrogadas, escutas ambientais e exploração de locais, como o escritório do advogado Virgilio Medina, irmão de Paulo Medina, foram necessárias. Para os magistrados, as sucessivas prorrogações das interceptações telefônicas foram devidamente motivadas, a cada 15 dias pela Polícia Federal e deferidas pelo então ministro do STF, Cezar Peluso.
A expectativa, segundo o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, que defende tanto os empresários do caso Sundown como o ministro Medina, é que o Supremo mantenha seu posicionamento de que esse prazo não precisa ser restrito a 30 dias, mas deve ser devidamente justificado e levado em consideração cada caso. “O Supremo entendeu, no julgamento do Medina, que poderia ter, em investigações mais sofisticadas, um tempo diferenciado para essas escutas, desde que todas as prorrogações fossem bem fundamentadas como se fosse a primeira”, diz.
Para o advogado, o prazo de 15 renovável pelo mesmo período pode não ser razoável em algumas investigações. “Não é uma coisa matemática mas não é uma abertura de prorrogação indefinida. Isso terá que ser fundamentado caso a caso”, afirma.
Procurado pelo Valor, a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná não retornou até o fechamento da reportagem.
Fonte: Valor Econômico- 17/7/2017-