Contribuintes e Fisco Federal têm discutido administrativa e judicialmente acerca da abrangência da base de cálculo das contribuições previdenciárias sobre a remuneração – especificamente a inclusão ou não de verbas que os contribuintes consideram não terem características da contraprestabilidade do trabalho e/ou da habitualidade, por terem natureza eventual, indenizatória ou de benefício social.
A matéria já foi avaliada, ainda que parcialmente, de forma vinculante pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O STJ ao julgar os Resps 1.230.957 e 1.358.281 decidiu que os valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias, aviso prévio indenizado e os primeiros 15 dias do auxílio doença/acidente não integram o “salário de contribuição” de seus empregados, em função da sua natureza indenizatória.
O Supremo ao julgar o tema nº 20 da repercussão geral (RE nº 565.160), aprovou a tese: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998”.
A decisão do STF tem gerado insegurança pela falta de definição da habitualidade e se haveria conflito com decisão anterior do STJ
Na fundamentação do julgado, consignou-se que o conceito constitucional de “folha de salários” expresso nos artigos art. 201, §11 e artigo 195 da Constituição, não está limitado ao conceito trabalhista de salário, tendo maior amplitude, consoante o princípio da solidariedade que baliza a Previdência Social.
E no conjunto dos votos fica expresso o entendimento de que a “habitualidade”, apesar de ser determinante na definição da base de cálculo das contribuições previdenciárias, não esgota o conceito de “folha de salários” e de que não cabe ao STF avaliar a natureza das rubricas, a partir de suas características (caráter remuneratório, indenizatório ou habitualidade), por se tratar de análise infraconstitucional.
O ministro Barroso consignou, ainda, que não se aplica o entendimento à decisão a ser proferida no RE 593.068, que trata de incidência de contribuição do servidor público e não tem relação com o conceito de “folha de salários” para o regime geral.
A decisão proferida pelo STF vem gerando insegurança, pela falta de definição da habitualidade e se haveria conflito com o anteriormente decidido pelo STJ.
A Receita Federal já se manifestou pela manutenção no “salário de contribuição” dos valores de terço constitucional de férias e quinze primeiros dias do auxílio doença ou acidente, apesar de o STJ já ter pacificado que tais verbas não têm natureza remuneratória, indicando a possibilidade de superação pela decisão do STF (Nota PGFN/CRJ nº 520/17).
Preocupante, ainda, a recente decisão monocrática do ministro Tofolli, aplicando a decisão do RE 565.160, para decidir que o terço constitucional integra o “salário de contribuição” (RE 1.066.730). Data vênia, no acórdão o Pleno do STF em nenhum momento analisa se a verba tem ou não natureza remuneratória e habitual.
Entendemos que não há conflito entre as decisões do STF e do STJ, havendo complementaridade.
Os artigos 22 e 28 da Lei nº 8.212/91 conjugados com o §11 do artigo 201 da CF, determinam que compõe o “salário de contribuição” as verbas habituais e remuneratórias do trabalho. Estão fora do campo de incidência as verbas indenizatórias, as decorrentes de benefícios sociais e àquelas não habituais.
Como o STF não vai analisar as características das verbas, cabe ao STJ dar a última palavra sobre a natureza remuneratória ou indenizatória e habitual ou eventual. E nesse contexto, prevalece o decidido no Resp 1.230.957, no que se refere aos primeiros quinze dias de afastamento e ao terço constitucional de férias.
É patente o caráter não remuneratório da verba paga nos primeiros 15 dias de afastamento do auxílio doença/acidente, já que se refere a período no qual não há o labor, ocorrendo o pagamento em cumprimento de benefício social instituído pela legislação.
O terço constitucional também foi considerado como não remuneratório pelo STJ, que consignou que “tendo em vista que a importância paga a título de terço constitucional de férias não se destina a retribuir serviços prestados nem configura tempo à disposição do empregador, especialmente porque possui natureza indenizatória/compensatória, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal”.
O relator consigna, para estender o entendimento do STF para a contribuição do empregador: a) o STF julgou com base no artigo 7º, XVII e 201, §11, o último específico para o Regime Geral; b) o STF explicitou o seu caráter não remuneratório (AgRGAI 603.537/DF); c) o STJ já tinha encampado a jurisprudência do STF para o terço de férias pago aos empregados privados.
E já se localizam decisões de TRFs mantendo a aplicação do entendimento do STJ e reconhecendo que este não ficou prejudicado pela superveniência do julgamento do Tema 20.
Portanto, o decidido do STJ a respeito do terço constitucional de férias e dos primeiros 15 dias de afastamento não é elidido pelo julgamento do STF, que reafirmou que a Constituição prevê a integração ao “salário de contribuição” das verbas habituais, mas desde que remuneratórias.
Alessandro Mendes Cardoso e Tathiana de Souza Pedrosa são, respectivamente, sócio e coordenadora do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados
Fonte : Valor Econômico- 7/11/2017-