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Retrospectiva sobre questões tributárias no STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem, dentre as missões atribuídas pela Constituição, a função de preservar o conteúdo da legislação federal, reformando os julgados dos Tribunais de segunda instância ou afastando a aplicação de atos locais que contrariem as leis editadas pela União, bem como a de uniformizar a interpretação da referida legislação federal no território nacional.

Considerando que o Direito Tributário é o campo jurídico com maior produção normativa e que a Constituição Federal atribui à União não apenas a competência para instituir grande parte dos tributos, mas a de editar, via Lei Complementar, regras a respeito de normas gerais de tributação, bem como de determinados tributos de competência estadual, como o ICMS, e municipal, o ISS, por exemplo, é certo que grande parte das discussões e conflitos entre contribuintes e Fisco são solucionados no STJ.

O julgamento dessas questões orienta todo o país, seja por conta do efeito repetitivo de determinados julgados, seja porque, independentemente de a decisão possuir tal amplitude, representa orientação relevante e importante para os juízes e Tribunais brasileiros, bem como para os Tribunais Administrativos.

O ano de 2017 marca o julgamento de questões importantes, seja no esclarecimento do sentido da legislação federal, seja na uniformização da interpretação em nível nacional. O artigo em questão trata dos principais casos enfrentados no STJ.

Uma primeira orientação a ser lembrada refere-se à definição, em março de 2017, pela Primeira Turma de que os contribuintes atacadistas e varejistas de qualquer produto sujeito ao regime monofásico fazem jus ao crédito de PIS e COFINS, por força do que determina o princípio da não-cumulatividade das Contribuições. Para o colegiado, o fato de os demais elos da cadeia produtiva estarem desobrigados do recolhimento das contribuições, à exceção do produtor ou importador responsáveis pelo recolhimento do tributo a uma alíquota maior, não pode servir de obstáculo para a manutenção dos créditos de todas as aquisições por eles efetuadas.

Esse julgamento é extremamente relevante para todos os varejistas e atacadistas que comercializem derivados do petróleo, como gasolina, óleo diesel, querosene, álcool hidratado para fins carburantes, produtos de perfumaria e de higiene pessoal, pneus novos de borracha, determinadas autopeças e outros. Para estes produtos, há carregamento da tributação do PIS e da COFINS na importação ou na fabricação, sendo que os demais agentes da cadeia acabam sendo sobreonerados ao não ser admitido o direito à apropriação do crédito.

Este julgado do STJ reafirma não apenas o princípio da não-cumulatividade do PIS e da COFINS, como, do ponto de vista econômico, a neutralidade aos agentes econômicos. A orientação já está sendo seguida pelos juízes de primeira instância e a própria Administração Pública parece concordar com o enquadramento do regime monofásico à não-cumulatividade em Soluções de Consulta expedidas.

Em abril de 2017, desta vez em julgado da Segunda Turma, merece destaque decisão em que se definiram as consequências do deferimento de indisponibilidade de bens do devedor de tributo, nos termos do art. 185-A do Código Tributário Nacional, que trata dos privilégios e preferências do crédito tributário. O Tribunal consignou que a indisponibilidade de bens decretada em juízo depende da comprovação do esgotamento das diligências pela Fazenda Pública para a localização de bens do devedor e, uma vez deferida tal indisponibilidade, é dever do Juiz promover a comunicação eletrônica aos órgãos e entidades de registro, nos termos da Resolução 39, de 2014, do CNJ. É dispensável, assim, a comunicação por parte da Fazenda Pública aos referidos órgãos, nos termos do acórdão proferido no RESP 1.646.584.

Este julgado alinha-se à função do juiz desenhada no Novo Código de Processo Civil, quanto a um magistrado mais proativo, dispensando diligências por parte da Procuradoria, os contribuintes e terceiros deverão ficar atentos a essa lógica.

No mesmo mês de abril, outro julgado que merece destaque é o da legitimidade passiva para exigência do IPTU nas hipóteses de promessa de compra e venda. Segundo reafirmou a Segunda Turma em abril de 2017, no RESP 1.652.641, tanto o promitente vendedor como o promitente comprador do imóvel são contribuintes responsáveis pelo pagamento do IPTU, conforme seria permitido pelo art. 34 do Código Tributário Nacional. Apesar de haver recurso repetitivo sobre o assunto, a discussão ainda está na pauta, pois, para fins de ITBI, a promessa de compra e venda não se configura como fato gerador. É possível que o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda venha a se pronunciar sobre a matéria, já que os atributos da propriedade não estão presentes na promessa de compra e venda e a Constituição estabelece a propriedade como núcleo da materialidade do imposto.

Outra questão a ser comentada é a definição da base de cálculo da contribuição previdenciária para diversas verbas pagas ou creditadas aos empregados pelas empresas.
O assunto foi objeto de pauta no STF e, também, no STJ. Mais de cinquenta casos foram julgados no STJ. Para a Corte, em função da natureza indenizatória que possuem, não devem compor o salário-de-contribuição o terço constitucional de férias, o aviso prévio indenizado, o auxílio-doença nos primeiros quinze dias de afastamento, o abono assiduidade, o auxílio-creche e o auxílio-babá, a hora-repouso-alimentação, o salário família.

Por outro lado, a 1ª. Seção do STJ definiu, em acórdão publicado em setembro de 2017, nos ERESP 1.467.095, que a verba “quebra de caixa” decorrente de convenção coletiva deve compor a base de cálculo da contribuição previdenciária. Essa parcela refere-se a valores que empregados que manuseiam dinheiro, como o caixa bancário ou de comércio em geral, o cobrador de ônibus, o bilheteiro, recebem para facilitar o troco.

Na sequência, outro caso que precisa ser lembrado é o que estabeleceu o aspecto temporal para reconhecimento dos créditos escriturais do PIS e da COFINS relativos aos encargos de depreciação e amortização. A matéria estava pendente de definição desde a entrada em vigor da não-cumulatividade de PIS e COFINS, em 2002 e 2003.
De acordo com a Primeira Turma do STJ, ao julgar o RESP 1.213.368, o direito ao crédito dos referidos encargos se dá no momento em que são apurados, sendo irrelevante a data da aquisição dos referidos bens. O julgamento seguiu precedente da Segunda Turma proferido em 2016.

O STJ, em 2017, na Corte Especial, declarou, também, a inconstitucionalidade incidental do art. 8º do Decreto-lei 1.736, de 1979, o qual estabelece responsabilidade solidária entre a sociedade e os acionistas controladores, diretores ou representantes de pessoas jurídicas de Direito Privado pelo IPI e pelo Imposto de Renda Retido em Fonte. Para o Relator, Ministro Og Fernandes, o fato invocado pela Fazenda Nacional de que há leis ordinárias que estabelecem a solidariedade tributária não é suficiente para justificar a legitimidade da lei, porquanto é a Constituição que deve servir de parâmetro para interpretação das normas, quando determina que a definição de sujeição passiva de tributo é reservada à lei complementar. Houve referência ao julgado do STF em que se declarou a inconstitucionalidade formal e material do art. 13 da Lei 8.620, de 2003, que havia atribuído a responsabilidade solidária entre sociedade limitada e sócios pela contribuição previdenciária não recolhida. Em síntese, o STJ reafirmou que os institutos de Direito privado não podem ser desconsiderados pela legislação tributária.

Essa decisão é importante, pois reafirma que a responsabilização de terceiros, que não aqueles praticantes do fato gerador é matéria excepcional e, por isso, essas situações devem estar expressamente definidas em Lei Complementar, sendo, portanto, inconstitucional a tentativa do Fisco em buscar terceiros para adimplemento de tributos por intermédio da edição de Decretos, Medidas Provisórias ou simples Leis Ordinárias.

Julgamento importante, apesar de não ter definido o mérito da questão, refere-se ao RESP 1.676.475, em que se consignou que a discussão acerca da ilegitimidade da cobrança do adicional de Contribuição ao FGTS, tendo em vista o direcionamento dos recursos arrecadados a programa diverso daquele que motivou a criação do tributo, deve ser decidida, em todas as nuances, pelo STF.

Este assunto é muito relevante para a sociedade brasileira, pois esta discussão provocará a Suprema Corte a se manifestar sobre a racionalidade das contribuições e os limites dos gastos públicos que justificam a criação desses tributos. Assim, se um tributo foi criado para custear determinado gasto público e este gasto já não é mais necessário, o tributo instituído deverá, obrigatoriamente, ser extinto, de forma a dar mais clareza aos contribuintes, isso se o STF vier a declarar a inconstitucionalidade da Contribuição ao FGTS após 2007. A consequência disso será a obrigatoriedade de deflagração de outro processo legislativo para criação de outra contribuição na hipótese em que há alteração do destino a ser dado à receita arrecadada.

Novamente sobre PIS e COFINS, contribuições que possuem alto grau de litigiosidade no Brasil, lembremos o julgamento do RESP 1.586.950. Trata-se do primeiro caso julgado na Primeira Turma sobre a legalidade da tributação das receitas financeiras pelo PIS e pela COFINS, conforme definido pelo Decreto 8.426, de 2015. Após apertada votação, a Turma definiu que há autorização ao Poder Executivo para reduzir ou restabelecer as alíquotas das referidas Contribuições nos percentuais delimitados pela própria lei. A discussão, atualmente, será definida no STF, já que a Corte reconheceu a repercussão geral da controvérsia e, justamente por essa razão, a Segunda Turma do STJ reputa como constitucional esse assunto quando apreciou recursos especiais ao longo do ano de 2017.

O julgamento dessa questão é relevante não apenas porque pode desonerar os contribuintes de um custo sobre as receitas financeiras, mas, principalmente, para definir os limites para aumento de tributos no Brasil, já que a matéria de fundo diz respeito ao meio pelo qual as alíquotas do PIS e COFINS podem ser majoradas pelo Poder Executivo. O resultado deste julgamento impactará, de certa forma, a tributação dos combustíveis, tão questionada no ano de 2017.

A tributação da energia elétrica também foi pauta em 2017. O assunto referente à inclusão da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD) na base do ICMS foi enfrentado na Primeira Turma, que, por maioria, reverteu a jurisprudência consolidada da Corte sobre o assunto. Após esta mudança de jurisprudência pela Primeira Turma, a Segunda, ao julgar outro recurso especial, manteve a exclusão da TUST e da TUSD da base do ICMS. A divergência entre este julgado e os demais levou a Segunda Turma a afetar o tema como repetitivo para julgamento perante a 1ª Seção, que congrega as duas Turmas.

A alteração de jurisprudência, após anos de jurisprudência sedimentada sobre o assunto, gera insegurança jurídica e, portanto, é deveras prudente que a 1ª Seção julgue o mais rapidamente possível o recurso especial com efeito repetitivo. É importante lembrar que o STF afastou a repercussão geral desta temática, o que significa dizer que a última palavra sobre a formação da base de cálculo do ICMS para a comercialização de energia elétrica será do STJ.

Adiante, outro julgamento que merece destaque, desta vez sobre processo tributário, é o da definição da inexigibilidade do acréscimo de 30% à fiança ou ao seguro-garantia oferecidos inauguralmente como garantia, na medida em que tal adendo aplica-se apenas aos casos de substituição de penhora. Apesar de esta posição já ter sido adotada desde 2016 no STJ, não sendo, portanto, o primeiro caso julgado em 2017, alguns Tribunais de Justiça ainda não alinharam seus julgados à determinação do STJ.

A fixação de diretriz sobre o numerário a ser apresentado em execuções fiscais como garantia é extremamente relevante para os contribuintes, sobretudo porque há aumento do volume de ações ajuizadas para questionamento da interpretação fazendária, principalmente federal. Na maioria dos casos, há a necessidade de apresentação de garantias, ou mesmo contracautelas, no caso de ações de iniciativa dos contribuintes, para discussão da exigibilidade dos créditos tributários e o exercício do direito constitucional de questionamento dos tributos não pode ser ferir o próprio usufruto do direito de petição e do direito fundamental do contribuinte de se insurgir contra o Estado (a teoria do limite dos limites impede que o exercício do direito do Estado cobrar tributos impeça o direito do contribuinte questionar a sua legitimidade).

Passando por mais um julgado, também no segundo semestre de 2017, é de lembrar, igualmente, o primeiro caso sobre a controvérsia atinente à incidência do ISS sobre as atividades de aval e de fiança prestadas pelas instituições financeiras. A Segunda Turma manteve a exigência do imposto sobre tais atividades, uma vez que, segundo o colegiado, encontram-se previstas na Lista Anexa à Lei Complementar.

Embora os causídicos do contribuinte tenham se empenhado em demonstrar que aval e fiança não se subsumem ao conceito de obrigação de fazer e, igualmente, por força dos art. 108 e 110 do CTN, a legislação tributária não pode alterar o sentido dos termos próprios do Direito privado para exigência de tributos, a Segunda Turma manteve a incidência do ISS. No entanto, o assunto ainda deverá ser reexaminado pelo STF, na medida em que o argumento relativo à compatibilidade da Lei Complementar frente ao conceito constitucional de serviço, considerando, inclusive, a singularidade da classificação das obrigações de garantir em relação às obrigações de dar e de fazer, tal qual definido por Pontes de Miranda, é matéria de competência daquela Corte.

O STJ, agora em função ao julgamento da década ocorrido no STF,, qual seja, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, revisitou sua jurisprudência sobre o assunto. A Primeira Turma decidiu, em agosto, determinar a aplicação do julgado a recursos especiais que tratavam do tema, antes mesmo da publicação do acórdão pelo STF, até mesmo porque a ata de julgamento já publiciza o resultado do que decidido pelo Plenário no leading case. Igualmente, em novembro de 2017, a mesma Turma estabeleceu que o ICMS não deve compor a base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB, nos termos da ratio decidendi firmada pelo STF.

A posição mencionada ainda não é unânime no STJ, mas representa avanço no que tange à transcendência e à coerência das decisões, além do que reforça a ideia da força do precedente e da produção dos efeitos dos julgados de forma abrangente. Independentemente de eventual modulação de efeitos a ser atribuída pelo STF no julgamento de embargos de declaração opostos pela Procuradoria da Fazenda Nacional, fato é que a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS apenas convalidou idêntica interpretação que já havia sido lançada pelo Plenário do STF anteriormente, o que permite, por isso, a sua aplicação pelos Tribunais.

Outro caso que merece ser destacado em 2017 é o referente ao afastamento do crédito presumido de ICMS da base de cálculo do IRPJ e CSLL. Para a 1ª Seção, tais créditos resultam de renúncia pelo Estado-membro em favor do contribuinte, não se caracterizando, portanto, como lucro da pessoa jurídica, mas, sim, incentivo estatal para que a atividade do contribuinte seja melhor desempenhada. Por isso, não pode justificar a imposição de outros tributos, sob pena de mitigar ou até mesmo esvaziar a benesse concedida.

Este julgado é relevante porque a tributação dos benefícios fiscais pelo IRPJ e pela CSLL será definida no STJ, de fato, pois o STF afastou a repercussão geral do tema.
Por outro lado, a Corte Suprema julgará, ainda, os efeitos desses benefícios fiscais em relação ao PIS e à COFINS, em data ainda a ser definida. Considerando o histórico de centenas de benefícios fiscais em todo o país, a discussão é extremamente importante, pois se a intenção dos Estados-membros é aliviar a carga tributária da produção, da comercialização e da prestação de serviços, não é crível que tais valores possam, por outro lado, gerar tributação pela União, sob pena de comportamento contraditórios do Estado frente aos subsídios.

Nota-se, portanto, que o STJ se preocupou em enfrentar temas novos, alinhar temas já conhecidos ao que o STF decidiu e, igualmente, em fixar diretrizes ao processo tributário a serem observadas pelos juízes de primeira instância. Por outro lado, se é fato que determinadas questões foram definidas, para muitas delas, a discussão permanece na pauta de 2018, seja para aguardar o pronunciamento definitivo tanto do próprio STJ, como, também, do STF.

Ariane Costa Guimarães – advogada do escritório Mattos Filho

Gabriela Lemos – sócia do escritório Mattos Filho

19/2/2018

Fonte- https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/retrospectiva-sobre-questoes-tributarias-no-stj-19022018

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