Grandes empresas do varejo não resistiram à degradação da economia, que se arrasta desde 2014, e afundaram em dívidas. Muitas buscaram nos processos de recuperação judicial uma última alternativa para tentar se reerguer.
Entre elas estão a Barreds, Luigi Bertolli, Cori, Camisaria Colombo, BMart, apenas para citar algumas. As redes varejistas se mostraram menos resistentes à recessão prolongada.
“Elas têm menos gordura para queimar”, comenta Carlos Henrique Abrão, desembargador do TJ-SP e presidente do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE).
De fato, quando o consumidor colocou o pé no freio por efeito da crise, essas redes, que vinham em um forte processo de expansão iniciado em 2005, perderam suas bases de sustentação.
Descapitalizadas, não puderam honrar os empréstimos realizados junto a bancos usados na abertura de novas lojas.
A história da Barreds, do ramo de confecção, sintetiza esse momento. Criada em 2006, a rede chegou a ter 160 lojas em shoppings, vendendo em algumas delas peças de fabricação própria.
A rede, que faturava R$ 90 milhões, anunciou no início de março deste ano uma dívida de mais de R$ 100 milhões (hoje em R$ 120 milhões com as correções).
Com a queda da massa salarial e o avanço do desemprego, seu principal público, os consumidores das classes C e D, sumiram.
Mas os custos fixos permaneceram, entre eles o aluguel dos shoppings, as compras junto a fornecedores e as parcelas de empréstimos bancários.
“Empresas do varejo não conseguem crescer com capital próprio, precisam de capital de terceiros, dos empréstimos dos bancos”, diz Eduardo Paranhos, representante da Barreds.
Hoje, os bancos e shoppings são os maiores credores da Barreds. “Quando as coisas estavam boas, os bancos se mostravam dispostos a ajudar, mas quando apareceram os problemas esses parceiros pularam fora”, diz Paranhos.
Ele conta que quando tudo começou a desmoronar, alguns bancos com quem a varejista tinham empréstimos com prazos de dois anos para ser quitados não quiseram renegociar. Pelo contrário, “cobraram todo o valor de uma só vez.”
Desde março, quando a Barreds anunciou a necessidade de recuperação judicial, 40 das suas lojas foram fechadas. Algumas por força de decisão judicial, outras por falta de acordo com credores. “Negociar com os shoppings, com quem temos dívidas, ficou complicado”, diz Paranhos.
A assembleia de credores para votar o plano de recuperação judicial da Barreds está agendada para 30 de janeiro de 2017, com segundo convocação para 21 de fevereiro. Caso seja aprovado, a varejista terá dois anos para cumpri-lo à risca.
Nem todas conseguem. Segundo Abrão, presidente do INRE, apenas 8% das empresas cumprem o plano no prazo de dois anos. Um levantamento feito por ele mostrou que, entre 2014 e 2016, o número de empresas pedindo aos credores mais tempo para cumprirem o acordado na recuperação judicial cresceu 31,5%, tendo como base um universo de 6 mil empresas.
Desses 31,5% de crescimento, 13,5 pontos porcentuais são de empresas do segmento do varejo. Em seguida aparece o agronegócio, com 8 pontos porcentuais; indústria, com 5 pontos porcentuais; e serviços, 3 pontos porcentuais.
É importante lembrar que, caso os credores não aceitem renegociar aos prazos, a falência da empresa é decretada.
Abrão vê contradições na lei de recuperação judicial que punem as empresas. “Ela deveria ter a recuperação da empresa como objetivo e a recuperação dos créditos como uma consequência. Mas ocorre o oposto”, diz o presidente do INRE.
Apesar disso, algumas medidas, ainda que pontuais, estão tornando recuperação judicial um pouco mais flexível. Como exemplo, a Justiça do Rio Grande do Sul aceitou recentemente o plano de recuperação judicial da construtora Sultepa, mesmo que alguns credores com garantia real discordassem.
Esses credores com garantia real – que possuem os maiores valores a receber – têm peso maior no processo de aprovação do plano de recuperação.
Outra medida considerada positiva por Abrão foi uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgando procedente aceitar a decisão da assembleia de credores, mesmo que nem todos os credores tenham participado da reunião.
“Essa decisão segue um princípio da Justiça norte-americana, o cram down, que valida a decisão da maioria. É comum que um pequeno número de credores, com valores elevados a receber, interfira na decisão de um grupo maior”, diz Abrão.
PROLIFERAÇÃO
No acumulado de janeiro a outubro de 2016, na comparação com igual período do ano passado, houve crescimento de 57,6% no número de pedidos de recuperação judicial. De 1.015 pedidos, o número saltou para 1.600. A informação é da Serasa Experian.
Entre essas empresas estão as pertencentes ao grupo varejista GEP, que controla as marcas Luigi Bertolli e Corio, entre outras. A recuperação do GEP foi requisitada no início do ano, e aceita pela Justiça, depois de o grupo assumir uma dívida de R$ 513 milhões.
A Camisaria Colombo também usou essa saída para negociar com seus credores uma dívida de R$ 1,3 bilhão. O valor é devido basicamente para bancos, que esperam reaver R$ 800 milhões.
Os reflexos da crise foram as justificativas principais de ambas empresas para os seus problemas financeiros.
Também foi a alegação da varejista de brinquedos BMart, que atua desde 1995 nos mercados de São Paulo e Minas Gerais, para entrar com pedido de recuperação Judicial. A dívida contraída pela empresa, que possui 28 unidades, é próxima aos R$ 120 milhões.
Até antes de 2014 o setor que mais recorria ao instrumento da recuperação judicial era a indústria. Hoje é o varejo que mais recorre a essa solução.
Fonte- Diário do Comércio – SP- 2/12/2016- http://www.seteco.com.br/recuperacao-judicial-passa-ser-tabua-de-salvacao-do-varejo-diario-do-comercio-sp/