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Recuperação judicial de grupos societários

A crise econômica que assola o país aumentou consideravelmente o número de recuperações judiciais, muitas delas envolvendo grupos de sociedades, forma de organização empresarial muito comum no Brasil. Esse fenômeno fez com que surgissem inúmeras questões envolvendo a recuperação judicial de grupos econômicos, muitas delas inéditas e ainda não resolvidas por nossos tribunais. E tal cenário de incerteza piora ainda mais pelo fato de que a Lei nº 11.101/05 não previu a recuperação de grupos, mas unicamente a do empresário individual e da sociedade empresária (art. 1º).

Essa lacuna legislativa faz com que muitos dos profissionais que atuam com recuperação judicial defendam a necessidade de reforma da Lei nº 11.101, a fim de que ela passe a conter normas específicas voltadas às recuperações que envolvam mais de uma sociedade agrupada no polo ativo do processo. Mas enquanto tal mudança legislativa não vem, é importante ter consciência de que as soluções para muitas dessas questões podem ser encontradas na própria lei vigente, mais especificamente na legislação processual (Código de Processo Civil – CPC) e na legislação societária (Lei das Sociedades Anônimas e Código Civil), que têm íntima ligação com o direito da empresa em crise. Exemplifiquemos utilizando a possibilidade de ser apresentado pedido de recuperação judicial por mais de uma sociedade (litisconsórcio ativo).

O importante é que haja realmente um grupo e que a crise perpasse todas as sociedades de modo interligado

Diante da aplicação subsidiária do CPC à Lei 11.101/05, não há dúvida de que o litisconsórcio é cabível nesse âmbito, desde que atendidos os requisitos do CPC: (i) comunhão de obrigações, (ii) afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito ou (iii) origem dos direitos e obrigações num mesmo fundamento. Essa é a regra da lei processual para a admissão do litisconsórcio ativo, que deve ser temperada pela Lei 11.101/05, a qual atribui ao devedor a prerrogativa para propor plano de recuperação (e escolher quem consta dele) e aos credores de aprovarem ou não o referido plano. A decisão sobre a inclusão ou não de mais de uma sociedade no polo ativo do processo é das sociedades devedoras e o seu controle deve ser feito pelo juiz, na forma da legislação processual.

Outra discussão interessante diz respeito à competência internacional, que também é evidentemente uma questão de direito processual e que pode ser abordada pela circunstância de que o art. 21 do CPC prevê a competência concorrente do juiz brasileiro para decidir demandas que versem sobre obrigação que tenha de ser cumprida no Brasil. Apesar de o Brasil não ter incorporado a Lei Modelo da Uncitral sobre insolvência internacional, o CPC vê o Estado brasileiro, ainda que de maneira concorrente, como competente para o julgamento de demanda que envolva o cumprimento de obrigações no país.

O direito societário deve também servir de fonte normativa ao tema. As novas questões relativas a voto e conflito de interesses na assembleia-geral de credores, por exemplo, podem ser solucionadas com ajuda do ferramental do direito societário, ainda que nesse ponto haja diferenças entre os interesses dos credores e dos sócios de uma sociedade, diferenças essas que justificam que o emprego das construções do direito societário seja feito.

Com relação aos grupos, uma primeira consideração que deve ser feita é a de que a distinção que existe entre grupo de fato e grupo de direito é pouco relevante para fins de recuperação judicial. Como se sabe, o grupo de fato não é ilícito em nosso direito, apesar de frequente a sua manifestação em decisões e efeitos, nem sempre benéficos aos seus impactados. O importante, para fins de recuperação, é que haja realmente um grupo e que a crise perpasse todas as sociedades do grupo de modo interligado, de maneira que ela só possa ser superada pela inclusão de todas as sociedades no processo, em uma visão global, unitária e consolidada. É essa comunhão, que deveria valer não só em tempos de bonança, que justifica a recuperação de grupos.

Em suma, é importante termos consciência da íntima ligação que existe entre direito da empresa em crise, direito societário e direito processual, para que usemos construções desses ramos do direito na tentativa de solucionar questões que não estão adequadamente regulamentadas na Lei nº 11.101/05. Ao menos até que venha uma eventual reforma legislativa a suprir essas lacunas. Os exemplos acima ventilados ilustram como a recuperação judicial de grupos, estrategicamente regulada, é fundamental para um país que busca ferramentas modernas e eficazes para sair da crise.

Fonte- Valor Econômico- 26/7/2016- http://alfonsin.com.br/recuperao-judicial-de-grupos-societrios/

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