Segmento da economia mais atrasado no processo de saída da recessão, o setor de serviços atingiu participação recorde nos pedidos de recuperação judicial e falências em 2017, apontam dados da Serasa Experian. A predominância de empresas de menor porte e obstáculos no acesso ao crédito estão entre as características do setor que têm dificultado sua solvência, apontam especialistas.
Desde 2012, o setor tem liderado os pedidos de recuperação judicial, tendência que se acentuou a partir de 2015 e atingiu o ponto mais alto da série histórica no ano passado. As recuperações judiciais de empresas de serviços foram 40,7% do total em 2017, contra 38,3% em 2016 e 33,1% em 2014, antes do agravamento da crise.
O ganho de participação acontece em meio à queda do número absoluto de pedidos de recuperação judicial, de um recorde de 1.863 em 2016 para 1.420 no ano seguinte, recuo de 24%. Para este ano, o número total de pedidos deve continuar a cair, mas o setor de serviços tende a manter a dominância, segundo projeções.
Nos pedidos de falência, a participação do setor chegou a 41,5% do total em 2017, contra 40,3% um ano antes. Já entre as falências decretadas, o salto foi ainda maior: de 32,7% do total em 2016, para 40,9% no ano passado (ou de 236 para 380, em números absolutos), o que sugere que as empresas de serviços podem estar tendo dificuldade para sair de maneira bem-sucedida de processos de recuperação e renegociação iniciados em anos anteriores.
“Para o setor de serviços, a crise se prolongou ao longo de 2017”, observa Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. Segundo o IBGE, enquanto a produção industrial cresceu 2,5% no ano passado e as vendas do varejo avançaram 2%, o volume de serviços acumulava queda de -3,2% até novembro (o dado para o ano fechado será conhecido amanhã). Os serviços prestados às empresas têm sido a âncora para a recuperação.
Diferentemente do IBGE, a Serasa inclui a construção civil dentro de serviços. O segmento foi gravemente afetado pela crise, por conta das investigações da Lava-Jato, mas também das dificuldades na área residencial, com grandes empresas como a PDG tendo recorrido à proteção contra credores no ano passado.
Para além do elemento macro, a passagem das prestadoras de serviços pela crise foi mais turbulenta devido a características próprias do setor, como a predominância de empresas de menor porte. “Por serem menores, elas têm menos acesso a outras fontes de financiamento como BNDES, mercado de capitais e emissões externas.
Dependem basicamente do crédito bancário ou junto a seus fornecedores”, diz Rabi.
No ano passado, o saldo de crédito do sistema financeiro para empresas recuou 7% e as concessões de novos empréstimos diminuíram 2,6%. O mercado só começou a esboçar uma reação tímida no último trimestre.
Além da escassez de fontes de recursos, as empresas de serviços estão em desvantagem também na hora de renegociar dívidas, destaca Francisco Clemente, diretor da área de reestruturação da KPMG. “No setor de serviços, não há muitos bens imóveis, ou patrimônio fixo, que possam ser dado como garantia num momento de renegociação, o que dificulta a chegada de um acordo com os credores antes da recuperação judicial ou da falência”, afirma o executivo.
Segundo Clemente, os problemas que costumam levar as empresas à recuperação judicial são sempre muito parecidos. O mais comum é a realização de investimentos prevendo uma expansão do mercado que não acontece, o que leva a um desbalanceamento entre o peso da dívida e a geração de caixa. Outro problema recorrente é o perfil da dívida.
“O que mais vimos nesses últimos anos são empresas se alavancando com dívida de curto prazo, quando ela deveria ser de longo prazo para ser paga de acordo com o fluxo de caixa mais alongado. Quando essa equação não funciona, a empresa entra em crise de liquidez”, afirma.
Identificar os sinais de crise antecipadamente aumenta a chance de a empresa sair dela e de conseguir uma renegociação anterior à recuperação judicial, destaca Estevão Rocha, gerente-sênior da KPMG. No setor de serviços, os sintomas precoces de que uma fase de dificuldades de aproxima são a perda de contratos relevantes ou a renegociação de contratos com queda de margens, acrescenta Clemente.
Luís Alberto Paiva, presidente da Corporate Consulting, conta que, na sua experiência, muitas empresas evitam a recuperação judicial por medo de perder clientes.
“Grandes companhias não contratam empresas de serviços que estejam em recuperação judicial, então elas buscam outras formas de reestruturação, às vezes menos eficazes”, relata.
Para este ano, os executivos da KPMG avaliam que a tendência é o número total de recuperações judiciais continuar a cair, acompanhando a retomada da economia, a queda de juros, maior disponibilidade de recursos vindos do exterior e melhora da confiança. “Acredito que os pedidos de recuperação não passam de mil neste ano”, prevê Clemente.
O diretor ressalta, porém, que ainda haverá todo um estoque de recuperações judiciais iniciadas nos últimos anos que precisarão de cuidados.
“Geralmente, a dívida começa a ser paga após alguns anos, porque o devedor costuma pedir um período de carência. Esses períodos de carência estão começando a vencer agora e, se a economia não se recuperar, as empresas continuarão sem caixa para pagar e precisarão entrar em nova renegociação”, diz.
Para Rabi, da Serasa, o setor de serviços deve continuar liderando os pedidos de recuperação judicial este ano, mas a expectativa é que o percentual ao menos se estabilize. “Este ano o crescimento econômico tende a ser mais disseminado entre os setores, então esperamos pelo menos uma estabilização.”
O mecanismo de recuperação judicial entrou em vigor em 2005 e visa permitir que companhias em dificuldades possam renegociar dívidas protegidas de execuções de cobrança e pedidos de falências pelos credores. Uma mudança na legislação atual está em discussão pelo governo e é parte do pacote de reformas microeconômicas que deverão ser prioridade após a votação da reforma da Previdência, prevista para o fim deste mês.
Clemente, da KPMG, acredita que as mudanças em discussão deverão facilitar a recuperação das empresas, protegendo os credores sem engessar o devedor. Já Paiva, da Corporate, está pessimista. “A tendência com essa reforma é que o credor passe a ter uma arbitragem muito maior sobre a empresa em recuperação judicial, isso seria extremamente temerário”, diz.
Fonte- Valor Econômico- 15/2/2018- http://www.seteco.com.br/recuperacao-judicial-avanca-no-setor-de-servicos-valor-economico/