Desde a publicação da Lei n.º 11.101/05, a qual regulamenta a falência e a recuperação judicial, algumas questões tributárias que permeiam a recuperação judicial causam grandes transtornos às empresas sujeitas ao regime, principalmente em relação à necessidade de comprovação de regularidade fiscal para deferimento da recuperação, bem como a possibilidade de as eventuais execuções fiscais prosseguirem, com a consequente utilização de atos executórios.
O entrave clássico enfrentado pelos contribuintes é a comprovação da regularidade fiscal para que o plano de recuperação judicial seja deferido, já que a lei prevê que as empresas devem apresentar certidões negativas, ou positivas com efeito de negativas.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas oportunidades, valendo-se do princípio da preservação da empresa e da manutenção da fonte produtora, afastou a exigência de regularidade fiscal para a concessão da recuperação judicial, uma vez que este ônus pode inviabilizar a própria superação da crise econômica vivida pelas empresas.
Ademais, a Lei n.º 11.101/05 estabelece a possibilidade de o Fisco criar, por meio de legislação específica, parcelamentos especiais destinados às empresas em recuperação, o que, em relação aos débitos com a Fazenda Nacional, foi regulamentado pela Lei n.º 13.043/14.
Vale observar que, caso as empresas em recuperação judicial possuam interesse em aderir a outro programa de parcelamento, ficarão sujeitas à observância de todas as regras definidas nas normas regulamentadoras do parcelamento escolhido, não se admitindo a concessão de benesses extras em virtude de estarem em recuperação judicial, conforme já definido pelos Tribunais pátrios.
Além da questão da possibilidade de deferimento do pedido de recuperação sem a comprovação de regularidade fiscal, outro ponto de grande destaque no âmbito dos Tribunais é o prosseguimento das execuções fiscais em face das empresas em recuperação e as consequências dos seus atos executórios.
Como já restou pacificado pela jurisprudência, a execução fiscal poderá tramitar normalmente caso não haja prova da regularidade fiscal, “pois não é legítimo concluir que a regularização do estabelecimento empresarial possa ser feita exclusivamente em relação aos seus credores privados, e, ainda assim, às custas dos créditos de natureza fiscal” (REsp 1.512.118/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 31/3/2015).
No entanto, há grande discussão quanto à utilização de todo e qualquer ato executório em sede de execução fiscal de contribuinte em recuperação judicial, dado o potencial conflito com o dever de se resguardar o princípio da preservação da empresa.
Os Tribunais, ao analisarem a regularidade de constrições patrimoniais das empresas em recuperação, tendem a observar o princípio da manutenção da empresa, de modo que se permite, por exemplo, a penhora de bens ou prédios administrativos, já que a constrição dos bens ligados à produção ou prestação de serviços, em regra, pode inviabilizar a atividade econômica da sociedade empresária.
Porém, cabe ressaltar que existem precedentes que, por não terem sido encontrados outros bens para a garantia da execução fiscal, autorizaram a constrição sobre bens intimamente relacionados à atividade econômica, valendo-se de uma aplicação literal da lei.
Não obstante, o caso mais controverso envolvendo a aplicação dos atos executórios é a possibilidade de penhora online nas contas da empresa em recuperação judicial, especialmente pelo fato de não existir qualquer tipo de vedação legal.
Sobre tal questão, o STJ já afastou a aplicação do referido ato executório, em virtude de a indisponibilidade do dinheiro em caixa ser a restrição mais gravosa possível a uma empresa em recuperação. O ministro Benedito Gonçalves, de forma clara, pontuou que, como “se trata de dinheiro, cuja falta ou insuficiência, como de comum sabença, é a principal causa do insucesso dos empreendedores empresariais, não se pode sequer presumir que não seja essencial à recuperação judicial” (AgRg no AREsp 549.795/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 24/04/2015).
Este entendimento, entretanto, não foi estendido à penhora de faturamento das pessoas jurídicas em recuperação, o que demonstra que a utilização de atos executórios em razão do prosseguimento de execuções fiscais é julgada caso a caso.
Assim, é possível perceber que, apesar de os créditos tributários não se sujeitarem ao plano de recuperação, os Tribunais, atualmente, buscam observar, de forma prioritária, os princípios da função social da empresa e da manutenção das atividades empresariais para o julgamento das questões tributárias que impactem na recuperação judicial.
Por Janssen Murayama- advogado tributarista, sócio do Murayama Advogados
Fonte- http://jota.uol.com.br/questoes-tributarias-relevantes-na-recuperacao-judicial