O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu ontem que nem todo acordo coletivo deve prevalecer sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A decisão, por maioria de votos, afastou cláusula sobre pagamento de horas de deslocamento (in itinere). Foi a primeira vez que o colegiado se manifestou sobre o polêmico tema.
“Tivemos um julgamento histórico, fixando parâmetros que vão nos balizar no TST”, afirmou o presidente do tribunal, ministro Ives Gandra Martins Filho, vencido no julgamento que reuniu 26 magistrados.
Na decisão, a maioria dos ministros reconheceu que a autonomia negocial coletiva não é absoluta e que os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) em sentido contrário não se aplicariam ao caso concreto. Eles entenderam que, no processo analisado, a cláusula deveria ser afastada por não ter apresentado contrapartida para os trabalhadores.
O processo julgado envolve a Usina de Açúcar Santa Terezinha. Conforme relatado na sessão, o acordo coletivo limita o número de horas de deslocamento e estabelece natureza indenizatória para o pagamento – sem repercussão em férias, FGTS, 13º salário, contribuições previdenciárias ou Imposto de Renda. A empresa ainda poderá recorrer da decisão ao STF.
O julgamento dividiu os ministros do Pleno. O relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, votou contra a cláusula negociada. No voto, listou seis razões para negar o pedido da empresa. Para ele, a jornada de trabalho é um direito indisponível por envolver a dignidade da pessoa humana e medicina e segurança do trabalho. Além disso, o relator questionou negociação feita sem cláusula compensatória e defendeu que a autonomia negocial coletiva não dá poder para alteração de natureza de parcela – de indenizatória para remuneratória.
Apenas quatro ministros defenderam que, no caso concreto, a cláusula seria válida. A divergência foi inaugurada pelo presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, que defendia o texto, por considerar que havia vantagens aos trabalhadores na negociação.
O ministro José Roberto Pimenta chegou a afirmar na sessão que o presidente do TST está “em uma verdadeira cruzada” para revisar a jurisprudência do TST sobre o assunto. O ministro defendeu que o princípio do negociado prevalecer sobre o legislado não pode ser definido pela via judicial. “Cabe aos demais poderes legislarem a respeito e assumirem a responsabilidade histórica por isso”, disse.
Alguns ministros haviam solicitado que o processo fosse julgado como repetitivo, para fixar uma tese a ser aplicada em casos iguais. Porém, a maioria decidiu julgar o caso de forma regular, como precedente do Pleno.
Para o ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga, a tese não estaria bem dimensionada no caso julgado para ser fixado um resultado absoluto. O ministro defendeu que seria necessária uma decisão mais abrangente para regular de uma vez por todas quais os limites da atuação do sindicato na celebração de acordos coletivos.
No julgamento, os ministros citaram precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, um de 2015 e outro deste ano. Eles traçaram algumas diferenças entre os casos concretos, especialmente a recente decisão do ministro Teori Zavascki que também tratava de horas in itinere – na qual o acordo coletivo foi aceito.
Segundo o ministro Walmir Oliveira da Costa, os precedentes do STF não incidem no caso concreto, pois um trata de plano de desligamento voluntário (PDV) e outro de quantitativo de horas in itinere, e não da natureza das verbas (salarial ou indenizatória), como no caso concreto. Os ministros também destacaram que a decisão de Zavascki demonstrou que havia contrapartida para os trabalhadores.
O ministro Mauricio Godinho Delgado afirmou que a interpretação do STF ao julgar PDV em 2015 foi pontual, em uma situação que não é regulada pela norma jurídica, já que não existe lei para planos de desligamento voluntário. “Nesse contexto é possível criar certas regras”, afirma. Para o ministro, uma ampliação excessiva da negociação coletiva trabalhista traria o risco de aprofundar o déficit público, pela frustração da possibilidade de arrecadação previdenciária e tributária no país.
O advogado que representa o trabalhador no caso, José Eymard Loguercio, do escritório LBS Advogados, afirmou que o TST confirmou sua jurisprudência de que é necessário avaliar cada caso em se tratando de negociações. “Pela leitura do TST, o Supremo não autorizou, genericamente, o negociado sobre o legislado, mas dependendo das contrapartidas e da negociação”, afirmou ao final do julgamento. Apesar se não ter sido aceita a tese completa do relator, que estabelecia mais condições para o acordo ser aceito, a decisão foi favorável ao trabalhador.
Segundo o advogado Wagner Gusmão, do escritório Tristão Fernandes Advogados, a decisão mantém a jurisprudência do TST e é um pouco mais restritiva do que as decisões do STF. “No julgamento, o TST ponderou que há limites à autonomia coletiva, enquanto o STF entendeu pela autonomia plena”, disse. “É bom que seja uma análise de cada caso, pois ela dá ao magistrado a possibilidade de avaliar se a vantagem ofertada no acordo coletivo compensa a flexibilização do direito.”
Fonte- Valor Econômico – 27/9/2016- http://www.fsindical.org.br/imprensa/pleno-do-tst-afasta-prevalencia-de-acordo-sobre-clt