Edison Aurélio Corazza: Simplificar sim, onerar não
O sistema tributário brasileiro, um dos mais onerosos do mundo, é conhecido pela complexidade e pela multiplicidade de tributos e obrigações acessórias. Por consequência, é de difícil aplicação, em especial pela carga de controvérsias que traz e interpretações que origina.
As tentativas de simplificação desse sistema sempre ficaram no discurso, e agora uma iniciativa da União se destaca –mas, ao contrário do esperado, trazendo apreensão a setores da economia, em especial os prestadores de serviço.
Entre as medidas de ajustes fiscais buscadas pelo governo federal, está na agenda a unificação e mudança da sistemática de apuração e recolhimento da contribuição ao PIS e Cofins, o que pode onerar substancialmente o setor de serviços e as empresas tributadas pelo lucro presumido.
Atualmente, para determinados casos, produtos ou setores, as contribuições sociais referidas observam sistemáticas distintas de apuração.
A primeira delas diz respeito à sua incidência em cascata, arcando a empresa com o custo das contribuições pagas nas etapas anteriores da cadeia produtiva, representando ao final um valor a recolher de 3,65% do faturamento mensal.
Já a segunda é representada pelo regime não cumulativo, que corresponde à compensação de valores presumivelmente recolhidos nas operações anteriores pela aquisição de insumos –abatidos, na forma de créditos, do quanto a recolher sobre o faturamento, após aplicada a alíquota de 9,25%.
A modalidade de compensação de créditos é entremeada de exceções e ajustes, originados da legislação inconstante e da complexa regulamentação, a qual não só acarreta uma série de distorções como também dificulta o cálculo e o recolhimento das contribuições.
Isso resulta em um custo tributário que vai além do valor recolhido, pois gera, ainda, custos para o atendimento, preparação e controle das inúmeras obrigações acessórias necessárias à análise e comprovação dos valores passíveis de crédito.
Diante desse cenário, a proposta do governo passa pela unificação e simplificação das contribuições, que, ao que tudo indica, se dará pela migração do sistema cumulativo para o não cumulativo.
Essa migração traz apreensão para os setores da economia em que os insumos não representam custo relevante e, portanto, não terão créditos suficientes para atenuar o impacto da sistemática da não cumulatividade –em especial prestadores de serviços, bem como as pequenas e médias empresas, que apuram seu resultado através da modalidade do lucro presumido.
A transferência desses segmentos para o regime não cumulativo exigirá uma sofisticação da escrituração fiscal para apuração dessas contribuições e, por consequência, mais custos para os contribuintes, que deverão contratar serviços e mão de obra especializados, soterrando a ideia de uma simplificação que acarrete redução de custos.
Suas áreas gestoras, contábeis e financeiras incharão para atender à escrituração fiscal e às obrigações acessórias da nova sistemática.
Sem créditos para amortecer um aumento da alíquota, o aumento, direto e indireto, da carga tributária será repassado aos preços, quando possível, ou absorvido, com o corte de outros custos –redução da folha salarial, por exemplo, e arrefecimento de investimentos. A provável majoração pode gerar ainda uma migração para a economia informal, com as decorrentes sequelas.
Por essas e outras razões, a unificação pretendida deve ser pensada e repensada antes de implementada, justificando uma prévia e ampla participação dos diferentes setores da economia afetados com o impacto que certamente ocorrerá. Do contrário, a simplificação buscada ficará na proposta, restando em seu lugar uma nova variação da complexidade hoje vigente.
EDISON AURÉLIO CORAZZA, 50, advogado e mestre em direito pela PUC-SP, é membro da Comissão do Contencioso Administrativo Tributário e da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP e juiz titular do Tribunal.
Fonte- Folha de São Paulo-27/2/2015- http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/02/1595477-edison-aurelio-corazza-simplificar-sim-onerar-nao.shtml