O Brasil estuda um novo acordo em negociação para liberalizar o setor de serviços, na Organização Mundial do Comércio (OMC), para decidir se irá participar. É uma reviravolta na postura brasileira, mas o país pode chegar tarde, porque os Estados Unidos querem concluir o acordo em novembro.
“O Brasil está aberto para negócios e examinando tudo que pode ser de interesse na área comercial”, disse ao Valor o subsecretário de assuntos econômicos e financeiros do Itamaraty, embaixador Carlos Márcio Cozendey, ao confirmar que o “Trade in Services Agreement (Tisa)” está em estudo em Brasília.
O Tisa foi lançado em 2012 pelos EUA e pela União Europeia, que estavam frustrados com os bloqueios na Rodada Doha. O acordo é negociado por 23 membros da OMC, incluindo o bloco europeu (28 países). Juntos, representam 70% do mercado de serviços estimado em US$ 44 trilhões. O comércio internacional do setor alcança US$ 4 trilhões por ano, em média. As negociações se baseiam em propostas formuladas pelos participantes. O objetivo é acelerar a abertura dos mercados para 17 segmentos e melhorar regras, como concessão de licença, serviços financeiros, telecomunicações, comércio eletrônico, transporte marítimo e trabalhadores qualificados que se deslocam temporariamente ao estrangeiro para fornecer serviços.
Já foram realizadas 18 rodadas de negociações. A UE insiste em uma liberalização ambiciosa nesse que é o principal setor hoje das economias, visando “formatar a economia global do século 21”. Os europeus querem, por exemplo, acabar com limites para participação estrangeira em setores como telecomunicações. Mas insistem que está fora liberalização de serviços de saúde.
O embaixador Carlos Márcio Cozendey diz que, no momento, o Brasil estuda o Tisa e elementos contidos na negociação, incluindo a exigência de conteúdo local em serviços e outras questões sensíveis. Não há decisão sobre entrar ou não, ainda.
Mas o simples fato de o Itamaraty ter colocado no radar essa negociação sinaliza mudança. Até recentemente, o Brasil rejeitava examinar os acordos plurilaterais em curso, pelos quais participa quem quiser. Brasília vinculava qualquer movimento na OMC a resultados na Rodada Doha. Só que isso deixou de ser importante, com o fiasco de Doha após 15 anos de negociações. Além disso, o Brasil está trabalhando em “listas negativas” para consolidar compromissos em serviços. Ou seja, fora tudo o que é explicitamente excluído, todos os outros setores e subsetores ficam abertos para fornecedores estrangeiros competirem em igualdade de condições com fornecedores nacionais. Trata-se de uma forma mais transparente e abrangente para listar os compromissos de liberalização, na avaliação de certos especialistas.
O acordo do Brasil com o Peru, por exemplo, começa com uma “lista positiva”, pela qual somente os segmentos mencionados ficam abertos à concorrência estrangeira. Mas o plano é de depois de um certo tempo passar para lista negativa”.
Um terceiro fator que pode levar o Brasil a acelerar sua integração em acordos plurilaterais na OMC é o questionamento do ministro José Serra para que a OMC dê resultados. Se o Brasil cobra, precisa também entrar na barganha, não só aproveitar a liberalização feita por outros.
Os participantes do Tisa são a Austrália, Canadá, Chile, Hong Kong (China), Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, EUA, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, Ilhas Maurício, México, Noruega, Nova Zelândia, Paquistão, Panamá, Peru, Suíça, Taiwan, Turquia e UE. Teoricamente, a negociação está aberta a todos os outros membros da OMC que desejam liberalizar o comércio de serviços.
Na prática, o cenário é mais delicado no momento. Os EUA têm pressa para concluir a negociação do Tisa até novembro, antes do final do mandato do presidente Barack Obama. E tem sinalizado na cena comercial que não desejam agora novos participantes. Acham que isso poderia provocar renegociação de pontos do acordo e atrasar sua conclusão. Para vários membros, porém, as questões mais complicadas não foram resolvidas e dificilmente o acordo será fechado nesse prazo.
A China desde 2013 tenta entrar no Tisa, mas é rejeitada por Washington, que teme que os chineses reduzam substancialmente a ambição liberalizante do acordo, como na negociação do Acordo de Tecnologia da Informação (ITA).
A Argentina recentemente sinalizou interesse em entrar. Mas dois outros sócios do Mercosul, Uruguai e Paraguai, chegaram a ser aceitos no ano passado, negociaram por algum momento, depois optaram por sair, diante das exigências de liberalização.
No cenário atual, restaria para o Brasil entrar quando quase tudo estiver decidido. Ou mesmo aderir mais tarde, com um pacote já fechado sobretudo pelos EUA, UE e Japão.
Quanto à outra negociação plurilateral em curso na OMC, sobre liberalização de bens ambientais, a discussão em Brasília está “menos profunda”, na expressão de negociadores. O Itamaraty continua achando que se trata de uma negociação que esconde, na verdade, uma liberalização de bens industriais.
Fonte: Valor Econômico; Clipping da Febrac- 6/6/2016.