Dentre as principais inovações promovidas pelo novo Código de Processo Civil (CPC) – Lei nº 13.105 – está a procedimentalização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, matéria até então objeto de omissão por parte da legislação processual.
O direito civil brasileiro atribui a determinadas organizações de pessoas e bens, dentre as quais as sociedades devidamente constituídas (e registradas na Junta Comercial), personalidade jurídica própria, distinta da de seus sócios. Como consequência, vigora a técnica de separação patrimonial, que impede que o patrimônio pessoal dos sócios venha a ser impactado pelas obrigações sociais, sendo a própria pessoa jurídica a responsável pelo adimplemento de suas obrigações contratuais e pelos efeitos de eventual descumprimento.
Em certas situações, todavia, a lei permite que a personalidade jurídica da sociedade seja desconsiderada, possibilitando a responsabilização direta e ilimitada do sócio por obrigação que, em princípio, é da sociedade. Para tanto, seguindo a Teoria Maior, majoritariamente adotada por nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que o sócio utilize a sociedade para finalidades estranhas ao objeto social.
O novo CPC inovou no ordenamento jurídico, pacificando muitas discussões relativas à desconsideração da personalidade jurídica
Esse foi o entendimento incorporado por nosso Código Civil, em seu art. 50, que estabelece: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Logo, em regra, nas relações civis em geral, para que o juiz possa desconsiderar a personalidade jurídica das sociedades, promovendo o levantamento episódico da proteção da personalidade jurídica, com o fim de responsabilizar diretamente o sócio por obrigação social, é essencial que esteja presente o elemento subjetivo; ou seja, o sócio deve ter adotado práticas consideradas fraudulentas ou abusivas.
Contudo, no que tange às relações consumeristas, o Código de Defesa do Consumidor adota, excepcionalmente, a Teoria Menor, que desconsidera o elemento subjetivo envolvido na manifestação de vontade do sócio. Para o direito do consumidor, portanto, é possível a desconsideração da personalidade jurídica sempre que a sociedade não possuir bens suficientes em seu patrimônio para a efetiva satisfação das obrigações sociais, causando prejuízos a terceiros.
Nesse sentido, o art. 28 §5º do CDC estabelece que “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Portanto, independentemente da verificação de fraude ou infração da lei, é possível, no caso concreto, suplantar a personalidade jurídica. A interpretação que se dá hoje é a de que a intenção do CDC seria, portanto, garantir o ressarcimento do consumidor, sempre.
O novo CPC, no entanto, inovou no ordenamento jurídico, pacificando muitas discussões relativas à desconsideração da personalidade jurídica até então travadas no âmbito da doutrina e jurisprudência. Dentre elas, o novo código previu expressamente que a desconsideração da personalidade jurídica deverá ser requerida por intermédio de incidente processual, não sendo necessária ação própria para provocar a sua cognição.
Na formulação do pedido de desconsideração, cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, a parte ou o Ministério Público deverão demonstrar os pressupostos legais específicos para a aplicação do instituto, quais sejam a caracterização de fraude ou abuso de direito. Assim, requerida a aplicação da desconsideração, o juiz deverá citar o sócio, para que promova a sua defesa e produza as provas adequadas e permitidas pela lei, no prazo de 15 dias.
Considerando tais especificidades, interpretação razoável de ser adotada a partir do novo regramento previsto pelo recente diploma processual é a de que o procedimento adotado no novo CPC inviabiliza a aplicação da Teoria Menor. Essa tese é reforçada pelo § 4º do art. 795 do novo código, o qual determina que “para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código”. A inaplicabilidade da Teoria Menor, contudo, ainda é uma incógnita, já que o novo CPC só entra em vigor em 17 de março de 2016, um ano após a data de sua publicação oficial.
Caso a jurisprudência adote tal entendimento, isso terá grande impacto no quotidiano de empresas que estabeleçam relações comerciais consumeristas, especialmente no setor de varejo, e que se encontrem em dificuldade financeira. Tal interpretação significará, ainda, relevante prestígio da técnica jurídica empresarial, vez que a aplicação da Teoria Menor, como vem ocorrendo atualmente nas relações consumeristas, representa violação ao princípio da autonomia patrimonial, positivado no art. 596 do atual CPC e no art. 795 do Novo CPC.
No que tange à desconsideração da personalidade jurídica, o novo CPC já representa importante avanço, tendo em vista que passou a prever expressamente um procedimento para a aplicação do instituto. Tal providência era aguardada ansiosamente pelo setor privado, em razão de tamanha insegurança jurídica.
Fonte : Valor Econômico- 17/8/2015;
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