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Novação de dívida aos garantidores

Recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Recurso Especial 1.326.888/RS -, pôs fim à discussão sobre a possibilidade de suspensão do prosseguimento das execuções contra fiadores e avalistas após a homologação do plano de recuperação judicial.

O STJ pacificou o entendimento de que muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias já existentes serão preservadas, o que permite aos credores o prosseguimento das ações contra terceiros garantidores. Essa decisão traz segurança jurídica para os credores que podem se considerar resguardados, certos de que estão vigentes as garantias que lhes foram previamente instituídas para recebimento de seu crédito.

Tal decisão se fundamenta no fato de que, apesar de reconhecer que o instituto da novação, regulamentado pelo artigo 364 do Código Civil, tem como regra geral a extinção dos acessórios e das garantias da dívida novada, tal dispositivo legal não se aplica às hipóteses de novação que se operam nas recuperações judiciais. Isso porque, a novação decorrente da homologação do plano de recuperação judicial é um instituto sui generis, disciplinado pelo artigo 59 da Lei nº 11.101/05 (LRF), que traz como regra justamente a manutenção das garantias.

Essa decisão traz segurança jurídica aos credores das garantias que lhes foram previamente instituídas

No entanto, para tentar burlar tal entendimento, que já era uma tendência nos tribunais, as empresas em recuperação judicial vêm incluindo no plano de recuperação cláusulas específicas prevendo a extensão da novação da dívida aos garantidores coobrigados, isto é, obrigando os credores da recuperanda a abrir mão de iniciar ou prosseguir com ações visando à retomada de seu crédito perante os garantidores da dívida.

Por meio dessa manobra, tais empresas buscam “forçar” a ampliação da novação aos terceiros garantidores com fundamento no artigo 59 da Lei de Recuperação Judicial e Falência (LRF), o qual prevê que o plano “obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos”. Dessa forma, e de acordo com esse raciocínio, uma vez aprovado e homologado o plano, os credores estariam obrigados a segui-lo, mesmo que tenham votado contra a sua aprovação.

Contudo, há que se dizer que a LRF traz em seu bojo previsão expressa sobre a manutenção das garantias aos credores. Em seu artigo 49, parágrafo 1º, a LRF estabelece que “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”.

Assim, a fixação de uma cláusula de extensão da novação da dívida aos coobrigados, na prática é uma burla à previsão legal de manutenção das garantias dos credores, que tem a finalidade de permitir a busca da satisfação de seu crédito por outros meios.

Com base nas disposições do Código Civil, não há dúvidas que os credores poderiam dispor do direito contra os coobrigados por meio de manifestação expressa dessa vontade. Mas a pergunta que se deve fazer é: a aprovação do plano de recuperação pode ser interpretada como manifestação de vontade expressa de todos os credores envolvidos na recuperação?

Em recente decisão, a 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (Agravo de Instrumento 2035526-43.2013.8.26.0000), enfrentou essa questão e adotou o entendimento de que a aprovação do plano por uma maioria não pode ser interpretada como a concordância da totalidade dos credores em dispor de seus direitos e privilégios contra os coobrigados e, com isso, estabeleceu que a cláusula que estende a novação não se aplica aos credores que não compareceram em assembleia-geral de credores, aqueles que votaram contra a aprovação do plano e aos credores que formularam objeção direcionada à cláusula desse jaez.

Dessa forma, tal cláusula se aplica aos credores que não se opuseram à existência de tal previsão votando pela aprovação do plano sem a apresentação de qualquer oposição e, com isso, tais credores não poderão prosseguir com medidas de cobrança contra os coobrigados.

E não podia ser diferente, uma vez que tal cláusula implica em uma renúncia expressa a um direito dos credores, em afronta à garantia legal que lhes é dispensada pelo artigo 49, parágrafo 1º da LRF.

Esse entendimento ainda deve gerar debate nos tribunais, uma vez que a validade desse tipo de cláusula pode vir a ser discutida inclusive por aqueles credores que votaram pela aprovação do plano.

De fato, mero voto a favor do plano de recuperação judicial não pode ser interpretado como renúncia expressa aos direitos contra os coobrigados, ainda que na proposta apresentada conste essa previsão, sob pena inclusive de inviabilizar a própria aprovação do plano caso a única opção dos credores, para evitar a perda do seu direito contra os garantidores, seja votar pela rejeição do plano.

De toda forma, até que a validade da inclusão de tal cláusula seja discutida nos tribunais superiores, e a matéria seja pacificada, é fundamental que os credores se atentem aos termos do plano de recuperação e tenham uma postura ativa nas assembleias-gerais de credores, fazendo constar expressamente em ata sua discordância com o teor desse tipo de cláusula ou sua abstenção em votar, a fim de evitar o cerceamento ao direito de buscar a satisfação do crédito contra os devedores coobrigados.

Eduardo Vital Chaves e Ligia Azevedo Ribeiro são advogados da área cível e empresarial do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados

Fonte- Valor Econômico- 14/7/2014; http://alfonsin.com.br/novao-de-dvida-aos-garantidores/

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