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Mudanças na tributação sobre ganho de capital geram risco de autuação

Luca Salvoni: “A tributação se define quando ocorre o fato gerador, ou seja, no momento em que a operação é celebrada”

Contribuintes vêm enfrentando dificuldades com a nova forma de tributação sobre o ganho de capital – que desde o começo do ano é feita por meio de alíquotas progressivas. Estão sendo afetados, segundo advogados, tanto os que venderam ativos ainda em 2016 e estão sendo cobrados pelas novas regras como aqueles que fecharam negócio este ano mas não tem resposta da Receita Federal sobre os valores que devem ser recolhidos.

Em ambos os casos, afirmam especialistas, os contribuintes correm riscos de autuação – já que eles mesmos acabam calculando o imposto que será recolhido.

Os mais afetados são as pessoas físicas beneficiadas por operações de fusão e aquisição de empresas. Isso devido aos altos valores geralmente envolvidos nesse tipo de transação.

Até o ano passado a alíquota do Imposto de Renda sobre o ganho de capital (que é a diferença entre o valor da venda e o custo) estava fixada em 15%. Houve uma mudança, por meio da Lei nº 13.259, e o cálculo passou a ser feito de forma progressiva.

Desde o dia 1º de janeiro deste ano os 15% são aplicados somente para ganhos de até R$ 5 milhões. A partir dessa quantia cobra-se mais: 17,5% para valores entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, 20% de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões e 22,5% acima desse montante.

A mudança na lei provocou um corre-corre nos escritórios de advocacia no fim do ano passado. O que se viu, segundo advogados, foram muitas transações sendo fechadas às pressas para garantir a alíquota fixa e, dessa forma, evitar mais gastos com impostos.

A interpretação do mercado – e também da Receita Federal, ao se manifestar, na época, em reportagem ao Valor – era a de que para o contribuinte garantir os 15% fixos bastava a operação ter sido concluída até o último dia de 2016. Ou seja, ainda que o pagamento dos valores referentes à transação fosse repassado nos anos seguintes, quando já valeriam as novas regras, seria mantido o cálculo antigo.

“Se o negócio jurídico for realizado até 31 de dezembro deste ano [2016] e os pagamentos forem diferidos para 2017, vale a alíquota antiga”, afirmou, por meio de nota, a assessoria de imprensa da Receita em dezembro.

A avaliação que se tem hoje, porém, é a de que esse entendimento está sendo mantido somente para as situações em que as partes definiram valores fixos aos pagamentos dos próximos anos. Aos casos que envolvem parcelas variáveis, a tendência é pela aplicação das alíquotas progressivas.

Isso foi o que aconteceu, por exemplo, com um contribuinte beneficiado pela venda de uma empresa em dezembro de 2016. No momento em que o negócio foi fechado as partes estabeleceram que uma das condições de pagamento ficaria atrelada ao saldo de uma conta garantia.

A prática é bastante comum no mercado. As partes optam por reservar parte do preço da operação em uma conta vinculada, para o caso de haver despesas futuras e não previstas no momento em que o contrato foi fechado. O que sobrar nessa conta (se o dinheiro não for usado ou se somente uma parte for usada) é entregue ao vendedor.

Segundo os advogados Luca Salvoni e Rafael Vega, do escritório Cascione, Pulino, Boulos & Santos, que representam o contribuinte no caso, o sistema da Receita, para essa opção, já está parametrizado com as novas alíquotas.

“O que não é o correto”, entende Salvoni. “A tributação se define quando ocorre o fato gerador, ou seja, no momento em que a operação é celebrada e as condições definidas em contrato”, acrescenta. A discussão sobre esse caso foi levada pelo contribuinte à Justiça.

No parecer anexado ao processo, o fiscal que assina o documento considerou tais repasses como ajuste de preço, que dependia de “diversos eventos jurídicos futuros e incertos” para que se realizassem. E, nesse caso – por não ser possível quantificá-los no momento em que a operação foi fechada – defendeu que o ganho de capital deveria ser tributado quando houvesse tal definição e as parcelas fossem pagas.

O caso tramita na 14ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo e não teve ainda o julgamento do mérito.

Para Luiz Felipe Ferraz, sócio do escritório Mattos Filho, existem diferentes cenários e é preciso diferenciá-los. Ele discorda da interpretação do Fisco sobre a tributação referente aos valores depositados em conta vinculante, mas reconhece que há uma outra situação, mais complexa, também envolvendo variação de preço.

Ocorre nos casos em que a operação foi fechada em 2016 mas os repasses previstos para os anos seguintes estão condicionados à performance da empresa: se constatar lucro maior, o comprador entregará um percentual ao vendedor.

“Nesse caso, como o lucro só vai se verificar lá na frente, o Fisco pode entender que o ganho de capital não nasceu no fechamento da operação”, pondera. “Mas é importante que se diga que não existe jurisprudência sobre o assunto. Estamos tratando de um tema novo”, acrescenta Ferraz.

Não há notícias ainda de autuações da Receita Federal sobre essas duas situações em específico. Advogados atribuem ao pouco tempo de vigência das novas regras – e destacam que o Fisco tem até cinco anos para contestar os contribuintes.

O Valor procurou a Receita Federal para tratar do assunto, mas não obteve retorno até o fechamento da edição. Também não foram dadas respostas sobre uma outra situação: a de contribuintes que não estão tendo respostas sobre o imposto que deve ser recolhido – no caso de ter sido beneficiado por uma operação fechada já em 2017 e, dessa forma, sujeito às alíquotas progressivas.

Esse é um dos casos com o qual se deparou o advogado Carlos Eduardo Orsolon, do escritório Demarest. Ao informar sobre a operação no sistema, afirma, o seu cliente recebeu uma mensagem de que foi verificado ganho de capital acima de R$ 5 milhões e que ele procurasse uma unidade da Receita Federal para que o cálculo fosse concluído.

“Nós fomos até uma unidade e, para a nossa surpresa, ninguém soube dizer. Fomos orientados, então, a escrever para o Fale Conosco da Receita Federal informando sobre essa problemática. E, depois disso, que aguardássemos uma resposta”, diz Orsolon, acrescentando que a resposta até agora não chegou.

O advogado lembra que a mudança de alíquota foi instituída por meio de Medida Provisória em 2015 e convertida em lei em março de 2016. “A Receita teve mais de um ano para se organizar, atualizar o programa e preparar os técnicos para atender os contribuintes”, critica.

A orientação de Orsolon para casos como esse é para que o próprio contribuinte calcule o imposto – mesmo descumprindo orientação do Fisco para a utilização do programa -, emita o Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf) com o valor que entende como devido e faça o recolhimento dentro do prazo previsto em lei (último dia útil do mês seguinte à realização da venda). Isso vai evitar, segundo ele, cobranças de juros e multas futuras.

Fonte: Valor Econômico- 26/9/2017-

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