Um grupo de estudos formado pelo Ministério da Fazenda está trabalhando em uma série de proposições, que são o embrião para as reformas referentes às matérias recuperação judicial e falência. O parecer final desse grupo deverá se transformar em um projeto de lei capaz de mudar pontos da Lei nº 11.101/2015.
A sócia e coordenadora jurídica na área de Governança e Recuperação de Empresas da Scalzilli Althaus Advogados, Gabriele Chimelo, explica quais as principais alterações discutidas atualmente e o impacto desejado pelos especialistas no ambiente de negócios brasileiro. “Quem opera nessa matéria sabe da importância de algumas das mudanças que estão sendo propostas. As próprias instituições financeiras sabem disso. No entanto, há muitos interesses que pesam em uma apreciação como essa”, pontua Gabriele.
JC Contabilidade – Quais devem ser as principais mudanças na Lei nº 11.101/2005?
Gabriele Chimelo – As mudanças mais esperadas e analisadas são em relação às alienações e cessões fiduciárias, garantias presentes em boa parte dos contratos bancários. Hoje, os credores com tais garantias não precisam aguardar o prazo de “fôlego” que a recuperação judicial propicia à empresa, nem respeitar a forma de pagamento que será votada pelos credores. Isso, muitas vezes, inviabiliza completamente a recuperação judicial, pois, para superação de uma crise, é vital que a empresa esteja segura no acesso a seus recebíveis e na posse de seus bens. Outro ponto importante é a necessidade de um tratamento diferenciado ao investidor, que deve estar em uma posição muito mais privilegiada do que a lei atual prevê. Aqueles credores que – mesmo após a recuperação judicial – ainda se dedicam a manter relações com a empresa e aqueles novos parceiros que vêm aportar recursos, apostando no seu soerguimento, podem prestar contribuição decisiva para que se evite a quebra. Também a perícia prévia antes do deferimento da recuperação judicial, que já ocorre em São Paulo, por exemplo. Outra ideia defendida é a criação de varas regionais especializadas em falência e recuperação judicial, para conduzir os processos de forma mais técnica e objetiva. Essa medida seria essencial para o bom andamento dos processos. Do conjunto de propostas, provém ainda a intenção de ampliar a abrangência da recuperação judicial, inclusive nos termos dos seus potenciais beneficiários. Passariam a ser permitidos pedidos de salvaguarda de sociedades de economia mista e empresas públicas, produtores rurais e cooperativas, sociedades não empresárias e profissionais liberais, conceituados como “agentes econômicos em geral”.
Contabilidade – A questão da alienação fiduciária é algo que preocupa credores. O que deve mudar?
Gabriele – A expectativa do grupo e de todos os profissionais que trabalham com a matéria é que não apenas as alienações, mas também as cessões fiduciárias participem do concurso de credores a partir da modificação da lei. Muito se discute sobre a criação de uma nova classe para esses credores. No entanto, há ainda muitas indefinições sobre o tema. Segmentos do sistema financeiro, por exemplo, argumentam que seria necessário aumentar os juros caso haja a aprovação, já que as instituições perderiam segurança na execução de garantias.
Contabilidade – Qual é o impacto esperado dessas alterações?
Gabriele – A lei é muito jovem e com pouco tempo de maturação. Mudá-la completamente não seria um caminho interessante, pois só agora estamos observando uma melhor formatação das posições jurídicas. As mudanças esperadas buscam trazer maior efetividade à lei, maior controle e preservação da atividade da empresa. É preciso tornar mais fácil a decisão de ingressar com a recuperação judicial. Créditos bancários com garantias de alienações e cessões fiduciárias devem fazer parte do concurso de credores.
Contabilidade – A ideia é que as empresas percam o “medo” da recuperação judicial e passem a lançar mão desse processo muito antes da situação piorar consideravelmente? As organizações brasileiras ainda esperam demais para aderir à recuperação judicial?
Gabriele – O medo das empresas está relacionado ao insucesso de muitas companhias que optaram por ingressar com a medida e acabaram falindo ou estão praticamente na iminência de uma quebra. Existem casos de sucesso, em que o que se negocia é a venda da atividade produtiva empresarial e não da própria pessoa jurídica. Ou seja, a empresa deixa de existir, mas a atividade produtiva e a função social propiciada permanecem tocadas por um ou mais compradores, que atrelarão a ela as suas próprias marcas. São hipóteses em que se considera bem-sucedida a recuperação judicial. Isso ainda é pouco divulgado. Em 2014, empresários aqui do Sul pouco falavam de recuperação judicial. Hoje, recebemos muitas consultas de pessoas procurando entender como funciona. Querem estar preparados. Acredito que esse tabu já foi quebrado. O que ocorre, sim, é que muitas vezes o próprio advogado desaconselha a empresa a ingressar com o pedido. Dependendo das circunstâncias, optamos por renegociar o endividamento, justamente por esses problemas que a mudança visa a atacar.
Contabilidade – Atualmente, como são os processos de recuperação judicial e de insolvência brasileiros?
Gabriele – Nas comarcas com varas especializadas, ou com maiores números de processos, estamos vendo uma grande evolução. No Rio Grande do Sul, temos duas dessas, em Porto Alegre e Novo Hamburgo, e ambas funcionam perfeitamente. Os processos andam com agilidade e contam com a sensibilidade necessária, pois os magistrados possuem amplo conhecimento e experiência na matéria. Isso não acontece frequentemente em comarcas que não possuem essa estrutura. Não é por acaso que essa é uma mudança sugerida pelo grupo: a criação dessas varas especializadas, com capacitação e responsabilidade para tocar esses processos.
Contabilidade – Você acredita que, em meio a tantas polêmicas na política nacional, o Congresso irá apreciar rapidamente essas mudanças?
Gabriele – Acredito que as sugestões do grupo de estudos sofrerão adaptações, teremos melhoras, mas nem tudo que é necessário será feito. Sabemos a força dos bancos na economia e na política. O mais provável, portanto, é que se busque um meio termo, que poderá frustrar os esforços feitos pelo grupo. Quem opera nessa matéria sabe da importância de algumas das mudanças que estão sendo propostas. As próprias instituições financeiras sabem disso. No entanto, há muitos interesses que pesam em uma apreciação como essa.
Contabilidade – Qual a relevância de tratar desse tema para a União, a economia e o ambiente de negócios no Brasil?
Gabriele – O interesse de todos é extremamente relevante. O tema impacta diretamente na economia, na preservação de empresas, no emprego e renda. Muitas empresas poderiam ter melhores resultados na sua recuperação judicial – evitando a falência – se essas questões já estivessem sacramentadas.
1/11/2017
Fonte- http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/10/cadernos/jc_contabilidade/593338-mudancas-esperam-tornar-processo-de-recuperacao-judicial-mais-seguro-no-brasil.html