Representantes do comércio e de empresas que atuam no setor de informações de crédito acreditam que a lei estadual que obriga o envio de carta com aviso de recebimento (AR) para o consumidor com dívida em atraso, antes de incluir seu nome órgãos de proteção ao crédito, terá forte impacto no mercado de crédito do país.
Serasa Experian, SPC Brasil e Boa Vista SCPC, as três maiores empresas desse setor, dizem que a lei pode ainda inviabilizar os cadastros de inadimplentes e dificultar a concessão do crédito.
A lei estadual (nº 15.659) entrou em vigor em janeiro deste ano, mas em março a Justiça paulista concedeu uma liminar favorecendo entidades do comércio e impedindo a obrigatoriedade.
Em agosto, porém, a liminar foi derrubada e o envio de carta AR se tornou obrigatório no Estado de São Paulo desde setembro, quando a decisão foi publicada no “Diário Oficial”.
Antes da lei, as empresas enviavam carta simples e o consumidor tinha prazo de dez dias para pagar a dívida. Caso não regularizasse o débito era incluído na lista de inadimplentes -ou “negativado” como se diz no setor.
Com o AR (aviso de recebimento), o devedor precisa assinar a carta – o que nem sempre ocorre, dizem os especialistas que atuam nesse segmento. Se não o fizer, seu nome não pode ser incluído no cadastro de inadimplentes.
Nesse caso, o credor (banco, varejo) tem de fazer o protesto da dívida em cartório, que será o responsável por enviar uma carta (também AR) ao cliente.
Se mesmo ainda assim; o consumidor não for localizado, o cartório tem de publicar edital em jornal para fazer a cobrança; e torná-la pública.
A lei estadual só isenta da obrigação de enviar AR as dívidas que já foram protestadas ou contestadas na Justiça.
“Com a carta simples, o custo era de R$ 1,40 para a empresa comunicar o cliente. Agora, com o AR, será de
R$ 8,60. O custo da comunicação só vai aumentar e isso certamente será repassado ao consumidor”, diz o economista Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo.
“Como o custo sobe, em vez de mandar mais cartas quem não tiver condições de arcar com isso, pode passar a enviar menos cartas e as informações dos inadimplentes ficam imprecisas”, completa.
IMPACTOS
Lucas Caiche, diretor de produtos da Boa Vista SCPC, diz que a empresa já notou diferença no recebimento de informações dos inadimplentes.
“A base de dados já perdeu cerca de 2 milhões de registros de dívidas no Estado de São Paulo, entre os dias 10 e 30 de setembro, quando a lei voltou a vigorar. Essas são dívidas de 1,5 milhões de CPFs”, diz o diretor.
Segundo ele, uma grande rede varejista também já informou que, como o custo de envio de cartas subiu, reduziu o avisos de cobrança enviados.
“A cada cem endividados, antes a rede emitia 80 cartas simples. Agora, como o custo subiu passou a emitir 20 cartas ARs para devedores”, explica Caiche.
“Ou seja, muitos maus pagadores podem deixar de entrar nas informações do cadastro. E os bons pagadores vão sofrer as consequências, porque se o mercado não tem confiança na informação de negativação, ele passará a diminuir a concessão de crédito”, completa.
A Serasa Experian calcula que somente em setembro, já com a carta AR em vigor, 3,1 milhões de dívidas em atraso em São Paulo deixaram de ser incluídas no cadastro.
De acordo com a empresa, com as cartas AR, somente 3% das dívidas têm a assinatura do consumidor. “Isso significa que 97% das dívidas, que deveriam entrar na lista de inadimplência, não vão aparecer para o mercado. O mercado ficará cego”, informa em nota.
“A lei acaba estimulando o credor a ir protestar no cartório, quando a AR não for assinada. Só que o consumidor, mesmo depois que quitar a dívida, terá de ir pessoalmente ao cartório, tirar seu nome do protesto e pagar taxas para isso”, diz Nival Martins, superintendente do SPC Brasil.
Se a dívida protestada for de R$ 1.061,01 a R$ 1.275, pagará taxas de R$ 103,66. Até R$ 106, o valor da taxa é de R$ 16,24, segundo dados coletados junto aos cartórios e fornecidos à reportagem pelo SPC Brasil.
Outro fato destacado pelos especialistas desse setor é que nos cartórios não há margem para negociar o valor da dívida.
“O consumidor, além de pagar as taxas dos cartórios, terá de quitar o valor total do débito. Não é como nos órgãos de proteção ao crédito que ajudam a intermediar a negociação da dívida”, afirma Martins.
Para Solimeo, da associação comercial, a regra já existente no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 43, de que o consumidor deve ser comunicado, mas sem a necessidade de carta AR, sempre funcionou bem.
MAIS GARANTIAS
Para a Proteste, o consumidor não pode ser penalizado com a inclusão em cadastros de inadimplentes sem ter informação da dívida. “O aviso de recebimento é uma forma de garantir que alguém recebeu e ele foi notificado.”
Na avaliação do órgão de defesa do consumidor, mesmo inadimplente, o devedor tem direito de conhecer o débito e a notificação postal é uma garantia de que realmente foi informado. “E os órgãos de proteção ao crédito devem excluir rapidamente informações incorretas ou inexatas de seus registros dos bancos de dados em curto prazo.”
A Proteste informa ainda que “a inclusão indevida de nomes de consumidores em cadastro de devedores gera transtornos imensos para os afetados”.
Sem o AR (aviso de recebimento), ainda segundo o órgão, “em caso de inserção indevida em cadastro de devedores, o consumidor perde tempo, pois tem que acionar judicialmente o fornecedor para que prove ter enviado comunicação prévia antes da negativação do nome.”
Fonte- Folha- 9/10/2015-
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/10/1692002-neo-mudanca-em-lei-em-sp-pode-afetar-cadastro-de-devedores.shtml