A Lei Anticorrupção, usada como uma das diretrizes do Ministério Público Federal para o caso do grupo JBS, levou até hoje a poucas condenações definitivas. A aplicação das regras ainda é uma novidade para Estados e municípios. Mas autoridades envolvidas nas primeiras experiências de punições apostam na legislação como forma de frear o envolvimento de empresas em esquemas de corrupção com agentes públicos.
Aprovada em 2013, a Lei 12.846 permite que órgãos estatais, de prefeituras à União, punam empresas privadas que cometam práticas ilícitas em contratos públicos.
Apenas oito empresas aparecem no Cadastro Nacional de Empresas Punidas, do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. Esse cadastro exibe casos em que não há mais possibilidade de recursos de empresas punidas com base na lei. Desses oito, quatro casos são de punições aplicadas pelo governo do Espírito Santo e outras quatro, pela Infraero. Não há nenhum caso ainda envolvendo grandes grupos empresariais nem empresas de destaque na Lava-Jato. Das punidas que estão no cadastro, seis são microempresas.
O ministério aponta que a lei só pode ser aplicada a atos ilícitos cometidos após 29 de janeiro de 2014, data em que a lei começou a vigorar.
“Assim, o número apurações que se enquadram nessa situação específica não foi tão significativo a ponto de gerar um número elevado de multas aplicadas”, disse o órgão por meio de nota.
Além disso, a lei prevê prazo de 180 dias para a conclusão das investigações depois que um processo de responsabilização administrativa é instaurado. Depois vem o prazo para alegações finais e julgamento, diz o ministério. “Não se trata, portanto, de um processo de tramitação rápida.”
Integrante da CGU, mas desde 2015 atuando no governo de Minas Gerais, Rafael Amorim, corregedor geral da Controladoria Geral do Estado, vê outros desafios que impediram até agora uma aplicação mais generalizada da lei. “Órgãos de controle interno pelo país tem um grande desafio que é dar concretude à lei. Esses órgãos estão tendo de desenvolver rotinas de processos, de trabalho, capacitar pessoal. Isso exige um tempo de adaptação”, diz ele.
Amorim compara a situação brasileira com a dos EUA, país cuja legislação anticorrupção serviu de referência. “Nos primeiros 20 anos [após a criação da lei], os EUA puniram na média uma empresa por ano. Foi um tempo de adaptação.”
Segundo ele, o governo federal e maioria dos Estados já regulamentou a lei. “O grande desafio é os municípios regulamentarem”. O Ministério diz ter informações de que apenas São Paulo (SP), Santos (SP), Cubatão (SP), Cariacica (ES), Belo Horizonte (MG), Capinzal (SC) e Macaé (RJ) já regulamentaram as regras.
De Estado para Estado, aplicação da lei anda em ritmo diverso. O Espírito Santo é um dos mais avançados. Há 31 processos abertos, 10 condenações, algumas ainda em recurso, e 13 empresas punidas, diz Eugênio Coutinho Ricas secretário de Controle e Transparência do Estado. O total de multas recolhidas das empresas punidas pela lei é de R$ 1,6 milhão.
“Antes da lei, a gente tinha a lógica de que crime de corrupção era praticado pelo servidor público e o corruptor ficava fora. Com a lei, as empresas passaram a ter responsabilidade objetiva”, diz Ricas. “E isso tem surtido efeito pedagógico.”
Minas é outro exemplo onde o uso da lei avança. Há 12 casos em andamento e uma multa aplicada, mas ainda em fase de recurso, segundo Rafael Amorim.
Para ele, além da multa, há o aspecto do dano reputacional para as empresas que têm seus nomes incluídos no cadastro nacional de empresas punidas. “Entendo que no médio e longo prazos, isso contribuirá para a redução da corrupção em contratos públicos.”
As punições previstas incluem multa equivalente a 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa no ano anterior à condenação.
Em um artigo recente em que defendeu o acordo de colaboração premiada com os irmãos Batista, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, disse, entre outros pontos, que as punições da Lei de Improbidade e da Lei Anticorrupção ainda estão em aberto.
Joesley Batista gravou conversa com o presidente Michel Temer (PMDB) e firmou acordo de delação premiada. Desde a divulgação do conteúdo do diálogo, Temer está sob pressão para deixar o cargo.
O Ministério Público Federal tentou fechar na semana retrasada um acordo de leniência com o grupo J&F, que controla a JBS, usando como norte o parâmetro das multas (de 0,1% a 20% do faturamento) estabelecidos pela Lei Anticorrupção. Os procuradores defendiam multa de R$ 11,1 bilhões (5,8% do faturamento do grupo em 2016); a empresa ofereceu R$ 1 bilhão (0,51%). As negociações não prosperaram, mas a porta ficou aberta para novas tentativas.
Em São Paulo, a Corregedoria-Geral da Administração recomendou à Sabesp que punisse duas empresas com multa equivalente a 1% de seu faturamento. Em Minas e Espírito Santo, a opção foi percentuais menores. As empresas aparecem no cadastro estadual de empresas punidas, mas ainda não no nacional.
Fonte- Valor Econômico- 30/5/2017- http://www.seteco.com.br/22082-2/