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Justiça estabelece critérios para recuperação de grupo econômico

Daniel Carnio Costa: credor tem o direito de atingir, numa execução contra o devedor, o patrimônio de outra empresa do grupo

A Justiça de São Paulo autorizou uma holding a apresentar um único plano de recuperação judicial para as suas 50 empresas. No entendimento, que não é tão comum e nem está previsto de forma expressa em lei, o juiz Daniel Carnio Costa, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, estabelece os critérios que devem ser seguidos e servirão de parâmetro para casos similares. Essa é a primeira vez que o Judiciário fixa requisitos objetivos sobre o tema.

O assunto é polêmico, principalmente entre credores de empresas em recuperação. Aqueles que investiram e têm valores a receber de uma companhia com mais patrimônio e menos dívidas não querem repartir o ativo com credores, por exemplo, de empresas do mesmo grupo que estejam em piores condições financeiras.

Os juízes, no entanto, para permitir o plano único, chamado no meio jurídico de consolidação substancial, costumam levar em conta a preservação social e econômica – fatores com peso maior do que os interesses individuais de credores e devedores.

“A aplicação [da consolidação substancial] é permitida quando considerada como fundamental para a manutenção da atividade. Porque não adianta, por exemplo, pedir a falência de uma empresa que não tem ativos se a existência dela é essencial para o grupo todo”, contextualiza Juliana Bumachar, do Bumachar Advogados Associados.

O juiz Daniel Carnio Costa apresentou oito condições para autorizar o plano único. Entre elas, a coincidência de diretores e da composição societária e a interconexão e confusão patrimonial das empresas de um mesmo conglomerado. Ele exige ainda que exista relação de controle e dependência entre as companhias, desvio de ativos de uma para a outra e garantias cruzadas (quando, por exemplo, uma toma empréstimo e oferece os ativos de outra como garantia).

A decisão em que o juiz apresenta esses requisitos envolve a Urbplan – empresa de loteamento controlada pelo fundo americano Carlyle (processo nº 1041383-05.2018.8.26.0100). Carnio Costa, ao avaliar que todos os oito itens estavam presentes, permitiu à holding apresentar um único plano para o pagamento das dívidas de todas as suas 50 Sociedades de Propósito Específico (SPEs) que estão em processo de recuperação.

A companhia, que chegou a ser a segunda maior loteadora do país, entrou em recuperação em abril. São pouco mais de mil credores e cerca de R$ 300 milhões de dívidas sujeitas ao processo. O plano foi apresentado no dia 11 de julho e propõe, entre outras medidas, a criação de um fundo imobiliário que tenha os credores como cotistas. Não há data prevista ainda para a assembleia-geral que analisará a proposta.

O método adotado pelo juiz paulista é inspirado na jurisprudência americana. A chamada consolidação substancial também não está prevista de forma expressa na lei, mas os tribunais dos Estados Unidos já têm estabelecido os critérios para autorizar o procedimento.

O juiz brasileiro já havia, em outras ocasiões, apresentado ideias inovadoras. Ele difundiu, por exemplo, o que ficou conhecido como “critério tetrafásico”. Trata sobre o controle de legalidade do plano de recuperação judicial.

Segundo ele, deve ser feito em quatro etapas: análise de compatibilidade das cláusulas que foram aprovadas pelos credores com as leis; certificação de que todos estavam informados sobre o conteúdo (não foram coagidos ou enganados); análise da extensão da decisão da maioria dos credores aos credores dissidentes; e, por último, o abuso de voto pelo credor.

Já sobre a possibilidade de os grupos econômicos apresentarem um plano único de recuperação, o juiz entende como sendo “o outro lado da moeda” da desconsideração da personalidade jurídica. Ele cita que o credor tem o direito de obter a desconsideração e atingir, numa execução contra a devedora, o patrimônio de uma outra empresa do grupo econômico.

O instrumento se impõe, segundo afirma na decisão, sempre que a separação patrimonial tiver sido utilizada como forma de fraudar credores e ainda no caso de haver confusão patrimonial entre a devedora original e a outra empresa do mesmo grupo econômico.

“Numa via inversa, essa devedora que teve reconhecida a confusão patrimonial com a outra empresa do grupo, se ajuizar recuperação judicial, também terá o direito de impor aos credores a consolidação substancial”, afirma na decisão que beneficiou o Urbplan.

O advogado Guilherme Marcondes Machado, do Marcondes Machado Advogados, entende como positiva a ideia de se estabelecer requisitos ao procedimento. “Até para não banalizar o instituto da consolidação substancial”, diz. Ele lembra que logo no começo, em 2005, com a lei recém instituída, não havia muito controle e decisões que na época foram favoráveis a conglomerados acabaram “provocando um levante da comunidade dos credores”.

Os setores que mais se utilizam do instrumento, segundo o advogado são os de usinas e incorporadoras. Eles têm estruturas semelhantes: uma controladora, que tem sob o seu guarda-chuva empresas com diferentes CNPJ, mas com os mesmos diretores e que se concentram em um caixa único.

“O que diferencia é o patrimônio de afetação, que é afetado justamente para não ser contaminado por outras dívidas. Para esse casos é preciso apresentar um plano para cada uma das empresas”, acrescenta Marcondes Machado.

Esse não é o caso da Urbplan, frisa Nelson Bastos, diretor da companhia e sócio da Ivix Value Creation, consultoria de gestão especializada em reestruturação de empresas e contratada desde 2017 para equacionar a situação da Urbplan. “Nem gostamos de usar o termo SPE porque remete à discussão das incorporadoras, que têm patrimônio de afetação e estão sujeitas a regras que são diferentes das nossas”, diz.

Ele afirma que, no caso da Urbplan, as negociações são feitas diretamente com os donos dos terrenos onde o loteamento será construído e que as empresas funcionam simplesmente para abrigar essa relação contratual.

“Permite ter um controle de cada recebimento porque a cada R$ 100 reais que a empresa recebe, uma parte é entregue a ele [dono do terreno]. Essas empresas servem, então, para controlar a entrada de caixa. Elas não têm diretoria nem gerência separada. É tudo parte de um único conjunto. É tudo Urbplan”, completa Nelson Bastos.

Fonte: Valor Econômico- 25/7/2018-

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