Luís Alexandre Barbosa: informação não chegou nem pelo push eletrônico.
Um contribuinte do município de São Paulo obteve na Justiça o direito de defesa em processos administrativos cujo prazo já havia, oficialmente, se esgotado. A decisão tem base em uma publicação da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento que incluiu, de ofício, mais de dez mil contribuintes no chamado Domicílio Eletrônico do Cidadão (DEC) – o sistema para o recebimento de informações e notificações fiscais.
O DEC foi regulamentado em 2015 e implementado no ano passado. Havia comunicado da prefeitura de que caso os contribuintes não realizassem o cadastro de forma espontânea dentro do prazo previsto, eles seriam incluídos no sistema e comunicados por meio de publicação no Diário Oficial do Município.
Foi o que o ocorreu na edição do dia 7 de maio do ano passado, um sábado, em um caderno suplementar. Desde então, as correspondências físicas – ao domicílio dos contribuintes – deixaram de ser entregues. Consta no processo, no entanto, que a forma como os mais de dez mil contribuintes foram identificados na publicação oficial estaria fora do padrão. E isso teria dificultado que a informação chegasse aos citados.
A identificação foi feita pelos registros no Cadastro de Contribuintes Mobiliários (CCM), mas em números corridos, ou seja, sem o formato que inclui pontuação e dígito. “Devido à falta de padrão, a informação não chegou nem pelo push eletrônico que a empresa paga para receber todo e qualquer tipo de notificação publicada que a envolva”, diz Luís Alexandre Barbosa, do LBMF Sociedade de Advogados, que defende o contribuinte.
Ele afirma ainda que haveria falhas na identificação dos contribuintes mesmo se o padrão do CCM tivesse sido escrito de forma correta. O advogado cita o artigo 30 do Decreto Municipal nº 50.895, de 2009, que determina a utilização da razão social da empresa nos editais de notificação ou intimação.
O contribuinte, que atua no setor de educação, recorreu à Justiça depois de receber uma carta, via postal, com a informação de que estava na iminência de ser inscrito em dívida ativa. Essa carta foi entregue em março deste ano, ou seja, quase um ano após a publicação no Diário Oficial.
Como não respondeu as notificações e não se manifestou sobre as autuações que haviam sido feitas por meio do sistema eletrônico, a empresa já havia perdido os prazos para a defesa. A discussão envolve questões de imunidade tributária na prestação de consultorias.
O caso foi analisado pela juíza Maria Fernanda de Toledo Rodovalho, da 16ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo. Ela entendeu haver “indícios de que, por defeito no envio das notificações, o direito de defesa não foi assegurado no processo administrativo”. Para a magistrada, “não houve uma regular identificação que permitisse ao contribuinte acompanhar o trâmite administrativo e se defender”.
Apesar de não ter sido citada no processo, há uma outra falha na publicação do Diário Oficial do Município, segundo a advogada Gabriela Jajah, do escritório Siqueira Castro. Ela chama a atenção que a Instrução Normativa SF/Surem nº 14, de novembro de 2015, foi atualizada por uma publicação do dia 23 de março de 2016, que prorrogava o prazo de inscrição dos contribuintes no sistema por um prazo adicional de 90 dias e afirmava que, depois desse período, os que não tivessem feito o cadastro seriam incluídos de ofício.
A publicação que incluiu os contribuintes no sistema, porém, é do dia 7 de maio. “Ou seja, antes do cronograma estabelecido pelo próprio município de São Paulo”, diz a advogada. “Trata-se de “uma questão formal que foi descumprida pela prefeitura.”
Há um histórico, tanto em âmbito federal como estadual – que informatizaram os seus sistemas há alguns anos – de problemas com contribuintes que também perderam prazo de inscrição. Para Douglas Mota, do Demarest Advogados, a Prefeitura de São Paulo deveria ter investido em uma comunicação mais efetiva. “Geralmente constam nas publicações o nome da empresa, CNPJ e a inscrição municipal”, afirma. “A prefeitura tem todos os meios de chegar ao seu contribuinte. Não dá para publicar algo tão importante somente no Diário Oficial.”
Para a prefeitura, não há equívocos na forma como os contribuintes foram incluídos no DEC. Segundo a Secretaria Municipal da Fazenda, a publicação do Diário Oficial “separou os números do CCM de cada contribuinte e o texto inicial deixou claro do que se tratava. “Não vemos falhas no procedimento e não verificamos a necessidade de qualquer outra publicação”, afirmou por meio de nota encaminhada ao Valor.
Fonte: Valor Econômico- 5/5/2017-