O Judiciário deve fazer o controle da legalidade dos planos de recuperação judicial das empresas, mas nunca o da viabilidade econômica. Ao analisar aspectos econômicos e mercadológicos dos planos, o juiz corre o risco de tratar de matéria que não domina e “adotar uma metodologia da vagueza e da indeterminação”. Foi o que decidiu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao afirmar que o Judiciário não deve interferir nos planos de recuperação judicial se ele foi aprovado em assembleia e não há violações à lei ou indícios de fraude.
A decisão foi unânime e seguiu o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão. O colegiado negou provimento a um Recurso Especial impetrado por uma empresa que pedia à Justiça para negar o pedido de recuperação judicial de outra companhia, da qual é credora. As alegações são de que o plano é inviável, pois “sequer propõe a venda de ativos” e impõe “severos prejuízos aos credores, que, além do prazo excessivo decorrido desde a distribuição do pedido, estarão obrigados a uma carência de dois anos, sujeitando-se, depois, ao pagamento do que devido em doze anos, correndo apenas juros de 2% ao ano”.
O pedido foi negado em todas as instâncias, justamente sob o argumento de que o Judiciário não pode “imiscuir-se [no plano] para negar a recuperação que os credores, reunidos em assembleia regular, consideram viável”, como ficou escrito no acórdão proferido do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A decisão do STJ foi no mesmo sentido. O ministro Salomão afirmou que a recuperação judicial é um instituto que reconhece a função social da empresa e por isso procura protegê-la. É o contrário da antiga concordata, cujo objetivo principal era “salvar o comerciante desafortunado e honesto, que se achasse em desordem transitória”.
Salomão explica que a recuperação judicial está pautada no “princípio da preservação da empresa”, e não do comerciante. É uma forma indireta, continua, de manter a companhia produzindo, os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. “É exatamente por isso que a recuperação judicial também traz consigo um custo social e de mercado, que é a submissão dos credores, inclusive trabalhadores, a formas não propriamente mercadológicas de recuperação do crédito – e, inicialmente, não previstas ou não quistas por seus titulares.”
Questão econômica
Em seu voto, Salomão também discute o fato de a recuperação judicial não ser um “favor legal”. Ela só pode ser concedida a empresas economicamente viáveis e por isso precisa da concordância dos credores e trabalhadores, partes diretamente interessadas. Trata-se, segundo o ministro, de uma ponderação entre os custos coletivos em se atrasar o pagamento dos credores e os benefícios que manter a empresa em funcionamento podem trazer. Só que essa ponderação deve ser feita no âmbito privado, jamais por meio do Estado.
Em seu livro “Recuperação Judicial e Falência: teoria e prática”, o ministro Luis Felipe Salomão argumenta que a interferência estatal nesses casos deve ser pautada pelo interesse público. “A recuperação judicial não se traduz na fórmula simplista da substituição da iniciativa privada pela atividade do juiz”, escreveu. “Assim é que o magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de recuperação – no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica.”
Para Salomão, o juiz “não é a pessoa mais indicada” para falar sobre a viabilidade econômica de um plano de recuperação judicial. Ele cita doutrinador constitucionalista J.J. Gomes Canotilho, que chama a intervenção do juiz em assuntos que não lhe competem de “metodologia fuzzy”, “uma metodologia da vagueza e da indeterminação, pela qual o judiciário abraça controvérsias que não lhe são afeitas e transita por conceitos que, efetivamente, não domina.” REsp 1.359.311/SP
Fonte- Conjur- 16/9/2014- http://www.conjur.com.br/2014-set-16/judiciario-nao-analisar-viabilidade-planos-recuperacao