As lutas políticas por mudanças de orientações no governo no país não devem impedir outras igualmente importantes em suas instituições e valores. Desde o início do século XX, em países da Europa, começou a se delinear o conceito de que empresa, ainda que propriedade privada, tem valor e função social, ou seja, é instrumento de realização dos anseios sociais. Esse conceito vem sendo admitido também em normas jurídicas desde a Constituição Alemã de 1919. Depois, em outras cartas magnas, pelos vários continentes.
No Brasil, essa conceituação está explicita no Código Civil e principalmente na Constituição em vigor. No artigo 5º item XXIII está dito que toda propriedade atenderá suas funções sociais, incluindo, portanto, as empresas. O item III do art. 1º coloca a livre iniciativa como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direto. O item III do artigo 170 afirma que a função social da propriedade é um dos fundamentos da ordem econômica. Outros dispositivos abordam essa definição, direta ou indiretamente.
Entre os resultados da função social que se espera da empresa estão o de produzir produtos e prestar serviços, gerar empregos e PIB, pagar tributos, fortalecer a economia do país, suprir as necessidades de consumo, elevar a qualidade de vida da população, prover divisas e equilíbrio na balança comercial. As empresas representam parte significativa do patrimônio nacional, mais um argumento para que sejam preservadas.
Ou seja, a empresa não pode ser vista isoladamente como coisa do empresário, risco exclusivo do empreendedor – como consta das sentenças na Justiça do Trabalho e não poucas vezes em lides de empresas contra o Estado, em especial na área tributária. Fazem parte do patrimônio nacional.
Toda empresa tem obrigações, mas também direitos; justo que seja vista, sempre, com essa complexidade, como um todo e não apenas de um ângulo. Esses argumentos devem ser esgrimidos por empreendedores e especialmente por seus advogados, nos processos onde o juiz enxerga na empresa apenas obrigações, como um risco do empresário e elabora sentenças que podem levar risco a sua existência, perturbam seu equilíbrio financeiro.
Também é preciso difundir uma verdade de lógica insofismável: custos da Justiça do Trabalho decorrentes de aumento da burocracia e impostos, por ineficiências do Estado acabam no preço do produto ou serviço, restringem a competitividade do país. Isso deve ser bem explicado, pois as autoridades veem apenas a necessidade do Poder Público quando pensam em burocracia e impostos e o consumidor apoia aumento obrigações e tributos, sem saber que pagará a conta. A incapacidade de passar essa conclusão elementar para a população e de pressionar por uma reforma tributária é uma das maiores deficiências das entidades empresariais.
Essa missão de se manter saudável as empresas, patrimônio nacional, também deveria estar presentes nos processos do Lava Jato, ou no combate à corrupção em geral, reduzindo-se a demora nas decisões do Judiciário e poupando-as de exposição exagerada, a tal ponto que, muitas vezes, a imagem e a segurança jurídica dos investidores e junto ao mercado ficam irrecuperáveis.
A mesma preocupação com a corrupção gera efeitos perversos também nas licitações, quando empresas informais e irresponsáveis são contratadas por oferecerem menor preço. Se aceitar o melhor preço, o pregoeiro está sujeito a ser acusado de corrupto.
Enfim, além de agilidade, a conduta do juiz deve ser a de punir pessoas físicas culpadas, jamais as empresas, consequentemente seus benefícios para a sociedade. As empreiteiras envolvidas no Lava Jato, por exemplo, representam um dos setores mais avançados da economia e da tecnologia brasileira, capazes de conquistar mercados internacionais, trazer divisas. No plano social, empregam dezenas de milhares no conjunto centenas de milhares de brasileiros. Processos no país levar anos, resultando em insegurança jurídica e, portanto, em paralisação de investimentos.
PERCIVAL MARICATO
Vice-presidente Jurídico da Cebrasse
19/4/2016