Os critérios para dosagem das penalidades e as regras para se avaliar se os programas anticorrupção estabelecidos pelas empresas são ou não eficientes estão entre os pontos mais sensíveis do decreto que irá regulamentar a Lei Anticorrupção (12.846/2013). A minuta do documento está praticamente pronta, mas ainda estará sujeita a alguns ajustes pela presidência da República, segundo o Coordenador-Geral de Responsabilização de Entes Privados da Controladoria-Geral da República (CGU), Flávio Rezende Dematté, que há mais três meses trabalha na regulamentação da lei.
“A publicação, que não deve passar da semana que vem, não deverá ter as questões técnicas alteradas”, explica. Segundo Dematté, os assuntos abarcados na regulamentação foram amplamente discutidos com os órgãos de assessoramento jurídico da Presidência da República, Advocacia Geral da União (AGU), Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, unidades do Ministério da Justiça e alguns setores do ministério do planejamento.
O ponto mais controverso da lei, a chamada dosimetria, também foi o mais discutido inclusive entre as áreas técnicas. “Avaliamos metodologias de cálculos já vivenciados no exterior para dar sustentação e agora acreditamos que a fórmula desenvolvida para o Brasil estará a contento e dentro da razoabilidade que se espera diante de uma multa tão severa como a que a lei prevê”, explica Dematté.
A norma para o cálculo é tão sensível que a multa poderá variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto da companhia. Para uma empresa atingir a multa máxima ela terá de satisfazer uma série de situações agravantes. A lei estabelece alguns critérios de dosagem da punição, como por exemplo, a gravidade da infração e os efeitos negativos de seu ato ilícito na sociedade.
“No regulamento colocamos alguns pontos que precisam ser checados para saber se a penalidade será agravada ou atenuada”, comenta o coordenador.
As diretrizes que nortearão o Órgão Federal para saber se a empresa teve um programa de compliace eficiente foram elencados em cerca de 15 itens. Entres eles estão algumas hipóteses de efetuar treinamentos dos servidores, divulgação do código de conduta e sua aplicação a todos os diretores e funcionários, e a disponibilização de mecanismos e meios de denúncia, como criação de canais de denúncia que garantam sigilo aos denunciantes.
Dematté explica que essas diretrizes foram elaboradas a partir da experiência internacional do governo norte-americano na aplicação da regra FCPA (da sigla em inglês Foreign Corrupt Practices Act), e do governo britânico na aplicação da Lei Antissuborno (UK Bribery Act).
“Importamos o que os governos americano e britânico desenvolveram para as empresas no que diz respeito a compliance, porque são diretrizes reconhecidas internacionalmente como bons programas de integridade anticorrupção, e adaptamos conforme as especificidades brasileiras”, afirma o coordenador, destacando como exemplo a figura do despachante. ” No cenário internacional, não se tem esse agente, ele é tipicamente usado pelas empresas brasileiras. O despachante também deve ser alcançado pela normativa. A empresa tem de zelar por essas contratações”.
O acordo de leniência é uma das novidades na normativa e um dos aspectos que dependem muito da regulamentação. A lei já traz alguns pontos do que se espera de um acordo desse gênero. Quais serão os requisitos e benefícios. “O que o decreto está trazendo são especificações na forma como esse acordo deve ser celebrado. De que modo a empresa deve chegar ao agente competente, a forma que ela pode apresentar a proposta, como se dá a negociação, o tempo que pode durar essa negociação, até que momento a empresa pode procurar o órgão para pro por um acordo de leniência”, diz Dematté.
O Secretário executivo da Controladoria-Geral da União, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, lembra que a possibilidade do acordo de leniência já é um instrumento utilizado pelas leis antitruste, mas é um instituto novo na questão de combate à corrupção. Segundo ele, o acordo foi um dos grandes aperfeiçoamentos da lei. “Ela saiu do executivo sem essa parte, que foi acrescida pela Câmara dos Deputados. A possibilidade do acordo de leniência deixou a lei mais interessante e mais rica para dar solução ao problema”, diz Alencar. “Na nossa cultura, não há essa prática de atenuantes para o ato ilícito muito menos um histórico de negociação para a confissão de culpa”, acrescenta o especialista.
Segundo o relator da matéria enquanto ela estava na Câmara, deputado Carlos Zarattini, diz que o acordo foi acrescido depois de muita conversa. ” Concluímos que, ao agregar a possibilidade de leniência traria um avanço em conteúdo de informações. Teríamos mais dados do que poderia ser obtido com uma investigação normal”, disse o deputado durante debate realizado pela consultoria GO Associados.
O grande número de órgãos competentes para conduzir as investigações também ampliam os debates. Todavia, os acordos de leniência terão de ser negociados com a CGU. “Esperamos que na totalidade dos casos tenhamos um agente aplicador da sanção ligada a CGU para evitar essa questão da multiplicidade de agentes públicos como fiscalizadores”, diz Alencar.
Para o advogado especialista em compliace e investigações corporativas e consultor da GO Associados, Marcelo Barradas, a pulverização dos órgãos competentes pode gerar possíveis conflitos de interesses e insegurança jurídica.
De acordo com ele, as condições de alguns municípios em conduzir e instaurar processos são questionáveis. “Num cenário ideal, a lei poderia ser aplicada por apenas um órgão”, defende Barradas.
Zarattini lembra que a questão da pluralidade de órgãos competentes para instaurarem os processos foi amplamente discutido na Câmara. ” Chegamos a conclusão de que não poderíamos fazer uma lei federal. O medo de pulverizar é real, mas a maioria dos contratos se dão em municípios e não poderia ser ignorado.”
Normativa prevê penalidade também a sócios
Os sócios das empresas punidas também poderão sofrer sanções após a entrada em vigor da nova Lei Anticorrupção no País. Isso porque o artigo 14 da Lei 12.846/2013, que trata da desconsideração da personalidade jurídica, prevê também a responsabilização dos sócios com poderes de administração para que haja a reparação do dano .
A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica ocorrerá sempre que for provado que a empresa facilitou, encobriu ou dissimulou a prática dos atos ilícitos previstos na lei ou para provocar confusão patrimonial.
O especialista em direito societário do Felsberg e Pedretti Advogados Consultores, Plínio Shiguematsu, destaca que talvez o decreto esclareça melhor como será feito a desconsideração.
O advogado diz que o instituto desse instrumento já é aplicado na esfera judicial e tem sua estrutura normatizada no ordenamento jurídico com previsão nos Código Civil, Ambiental e do Consumidor.
“Não parece correto que a desconsideração seja feita na esfera administrativa, uma vez que esse instrumento tenha tratamento no judiciário. O que provavelmente acontecerá será empresas recorrendo à Justiça para reverter a condenação e a punição sob esse artigo” , explica Shiguematsu.
Fonte: DCI – SP- 11/2/2014; http://www.4mail.com.br/Artigo/Display/028701000000000