A aprovação de uma PEC na Câmara depende de um mínimo de 308 votos favoráveis dos deputados em votação nominal em dois turnos, ou seja, 3/5 dos parlamentares da Casa.
A batalha da Previdência vai, efetivamente, começar. A instalação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, na quarta-feira, dá início à primeira batalha de um confronto que promete se estender por, no mínimo, três meses. O conflito não será físico, mas, sim, de inteligência. Ganhará o lado que melhor trabalhar a comunicação, o conteúdo e o convencimento da necessidade ou não de modernização nas regras de aposentadorias. O conflito tem vários atores e se estende da Esplanada dos Ministérios a todos os estados e municípios do país. Mas o campo de batalha é o Congresso Nacional, onde a luta se divide entre três frentes: a base de apoio formal e consistente ao texto, os independentes e a oposição.
O governo usará toda a artilharia de que dispõe para vencer o primeiro confronto com um projeto inicial de comunicação integrada, mas, por ora, começa a guerra em desvantagem. A base de suporte à reforma do presidente Jair Bolsonaro conta com apenas o partido do próprio chefe do Executivo federal, o PSL. A bancada é, ao lado do PT, a maior da Câmara. Conta com 54 deputados. No entanto, não dispõe ainda de ampla unidade e consenso sobre a reforma. Dentro da legenda, alguns parlamentares não se sentem convencidos de exceções para algumas categorias, um incômodo que precisará ser pacificado com a intensificação dos diálogos a partir desta semana.
A aprovação de uma PEC na Câmara depende de um mínimo de 308 votos favoráveis dos deputados em votação nominal em dois turnos, ou seja, 3/5 dos parlamentares da Casa. Significa que, ainda que o governo consiga apoio de todos os deputados do PSL, faltariam, pelo menos, 254 votos. Como nenhuma guerra se ganha sozinho, o Palácio do Planalto precisa formar alianças, cobra o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO). “O governo precisa formar sua equipe e base para tentar reunir mais aliados. Quem vai coordenar tudo isso é o Onyx (Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil), que lidera tanto a Câmara quanto o Senado”, destaca.
Convencimento
Nas contas da articulação política, o governo pode formar uma aliança com até 325 votos distribuídos em 21 partidos. O cálculo desconsidera o total de 134 votos atribuídos à oposição à reforma, composta por sete legendas, e os 54 do PSL. O problema está em convencer o bloco dos independentes. Para garantir uma boa relação com o Congresso, o Planalto deve montar a estrutura de governo no Parlamento, com novas negociações e diálogos. Mas a interlocução dividida entre Onyx e os líderes do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), é criticada por todos os lados em um intenso fogo amigo.
O arsenal do governo ainda não convence os independentes a se aliarem. A munição usada pela articulação política apresentada até o momento é o apadrinhamento de aliados políticos por critérios técnicos em postos não muito atrativos, algo que constrangeu alguns líderes partidários e irritou outros. Uma opção de artilharia é a abertura dos cofres para liberar emendas parlamentares, fruto, também, de críticas por benesses como bônus na concessão de recursos a deputados novatos.
Por enquanto, as lideranças partidárias aguardam os impactos do governo em outra batalha, a da comunicação. O Planalto prepara um diálogo integrado com a sociedade por meio das redes sociais e dos veículos de comunicação. Enquanto o Executivo ainda calibra o arsenal, os independentes no Legislativo estão com munições e armas em punho para escolher um lado na guerra. Tudo dependerá de quem persuadir melhor. “Se o governo quer o nosso apoio, vai ter que convencer, porque não somos da base. Nós queremos o melhor para o país, mas tem que ter um projeto e uma proposta de convencimento real”, alerta o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO).
Os autônomos na guerra da Previdência exigem do governo e da oposição explicações fundamentadas. O Planalto diz que há déficit no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, com a reforma, as aposentadorias serão garantidas e as desigualdades serão reduzidas. A narrativa da oposição aponta o contrário, ressaltando que os mais pobres serão os mais penalizados. O convencimento de um lado ou de outro, no entanto, só se concretizará com transparência. “O governo, por exemplo, vai ter que mostrar o tamanho e a verdade desse rombo. E vai precisar detalhar como criar anticorpos e vacina contra as fraudes e devedores. Nenhuma bancada vai aceitar meia transparência”, ressalta Nelto.
A promessa dos partidos neutros na reforma é lutar ao lado das categorias mais frágeis. Mulheres, idosos e trabalhadores rurais. Por isso, garantem que vão batalhar para ajustar regras propostas pela PEC de Bolsonaro como a do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que prevê pagamento de R$ 400 para o idoso pobre a partir dos 60 anos. Prometem lutar, também, pela extinção dos privilégios, com revisões nas aposentadorias para militares e políticos. “Todos (líderes) sentiram que as regras do BPC e do trabalhador rural não dão para passar do jeito que está”, argumenta o líder do PTB na Câmara, Pedro Lucas Fernandes (MA).
O debate sobre o fim dos privilégios, entretanto, promete uma longa batalha. Não há consenso sobre como reformar, por exemplo, a aposentadoria de servidores públicos. “Vamos defender pontos que achamos que devem ser mantidos, como direitos adquiridos de uma forma geral”, declara o líder do PR na Câmara, José Rocha (BA). O parlamentar cita como exemplo as categorias de professores e do magistério.
Tática
A oposição prepara uma artilharia de guerra contra o governo. O bloco contrário à reforma, composto por PT, PSB, PDT, PSol, PCdoB e PPL, promete usar todos os canais de comunicação para mostrar como a reforma vai mexer nos direitos dos trabalhadores, ao contrário do que o governo fala, diz o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ). “Faremos um trabalho de informação por meio das redes sociais, de corpo a corpo, atos, cartazes, debates, palestras, e, também, vamos contar com ajuda para esclarecer isso com as centrais sindicais, mas não apenas elas”, explica Molon.
O trabalho de comunicação também será feito de casa em casa, em pontos de concentração, paradas de metrô, ônibus, em praças e locais de trabalho, endossa o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS). “Faremos um trabalho pedagógico. Vamos preparar um material para que a pessoa possa simular como fica a situação da sua aposentadoria e vamos fazer grande mobilização para buscar apoio da sociedade para que pressione os parlamentares a derrotarem a proposta do governo”, reforça.
A força-tarefa nas redes sociais e nas ruas será importante para desmascarar as mentiras do governo, avalia Molon. “Na prática, vão ter que trabalhar mais, contribuir por mais tempo e receber menos ao se aposentarem”, explica. A oposição também mostrará todos os discursos de Bolsonaro contra a reforma ao longo da vida parlamentar, inclusive durante a campanha eleitoral. “Vamos apresentar o estelionato eleitoral dele, que, em momento algum, falou que faria essa reforma aos eleitores”, argumenta Pimenta.
11/3/2019
Fonte- https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/03/11/interna_politica,742078/depois-do-carnaval-comeca-batalha-pela-previdencia.shtml