Argumentos políticos, sociais e econômicos; importantes tanto no STF como no debate no Senado, que volta a discutir projetos de lei regulando a terceirização.
Na primeira parte desta análise, fizemos uma introdução da ação existente no STF contra o entendimento contido na súmula 331 e demonstramos que não faltam fundamentos jurídicos para declarar sua inconstitucionalidade. Nesta segunda parte fazemos rápidas considerações sobre outros argumentos usados pela parte contrária, políticos, sociais e econômicos, que podem influenciar os ministros e portanto devem ser abordados e combatidos não só no interior do Tribunal, mas por outros meios disponíveis na atividade social.
Os argumentos são importantes também para a discussão que ora se inicia no Senado, dos projetos de lei sobre a matéria. Como prevíamos, o susto dado pela possibilidade do STF julgar inconstitucional o entendimento do TST levaria políticos e lideranças contra a terceirização a reiniciarem debate sério sobre sua regulamentação.
TODA MUDANÇA DE PARADIGMA ELEVA A TENSÃO
Por toda a história as grandes mudanças de paradigmas trazem tensão. A disseminação da terceirização não deixa de ser mais uma. E estamos frente a mudanças de grandes magnitudes, sendo a terceirização apenas uma delas.
A retomada do desenvolvimento na Idade Média levou a Igreja Católica a condenar o lucro, até que temerariamente Lutero o defendeu, e os país que seguiram sua concepção religiosa, no norte da Europa, se beneficiaram. Nesses mesmos tempos, toda a produção nas cidades que nasciam era estritamente controlada pelas guildas. Ninguém poderia produzir ou vender uma cadeira sequer, ou exercer uma profissão, sem controle da guilda especializada naquela função. O capitalismo nascente iria atropelar tudo isso, frente a necessidade de produzir e comercializar, atender o mercado. No século XVIII, inicio da revolução industrial na Inglaterra, os operários, que trabalhavam 12 ou mais horas por dia, ficaram apavorados com a introdução das máquinas, que iriam acabar com os empregos. Iniciaram então uma verdadeira rebelião para quebrá-las, um movimento denominado luddismo, devido a seu líder se chamar Ludd (não se sabe se ele realmente existiu ou foi criação dos insurgentes). As máquinas foram introduzidas e os empregos se multiplicaram.
Estamos agora na era da informática, redes sociais, terceirização etc, onde previsões negativas em relação ao emprego se multiplicam, tais como em outras épocas. Talvez seja importante discutir novos patamares de civilização, planejamento e distribuição de benefícios do desenvolvimento, equilíbrio do meio ambiente, etc, mas jamais travar a produtividade, em um país subdesenvolvido, sempre em defasagem perante os mais avançados.
Não obstante, é fácil demonstrar que a terceirização pode beneficiar a toda a sociedade e ao país.
BENEFÍCIOS AOS TRABALHADORES
As centrais sindicais, organizações de juízes trabalhistas, o próprio TST, divulgam que a terceirização precariza o emprego, o terceirizado trabalha mais e ganha menos, o número de acidentes de trabalho é muito maior, ele esta sujeito a demissões constantes e sem receber seus direitos por não ter empregador, há uma desumanização do trabalhador, que vira um objeto, todos os empregos serão terceirizados.
Todas devem ser enfrentadas, respeitando-se a realidade existente, estudando-se como eliminar uma ou outra fragilidade da terceirização, não obstante os benefícios já evidentes superem em muito os aspectos negativos.
Precarização não existe. O terceirizado é empregado como qualquer outro, registrado, com dezenas de benefícios previstos na legislação, em um país em que 50% da mão de obra existente não tem registro e nem esses direitos. Recebe ainda qualificação, pois a intensa concorrentes entre as empresas de prestação de serviços terceirizados leva inevitavelmente a isso. Só sobrevivem as melhores e não há como ser melhor sem prestar um serviço melhor.
O trabalhador comum, se sua empresa quebra, pode acabar não recebendo nada, pois massas falidas geralmente não arrecadam o suficiente para pagar obrigações. O terceirizado tem a tomadora como garantia, e se aprovada novas legislações discutidas no Congresso, terá uma terceira, um fundo a ser pago pela empregadora e tomadora. Por sua vez, a tomadora, responsável subsidiária, toma todas as precauções para não contratar empresas precárias, e só contratar trabalhadores registrados, além de fiscalizar seus pagamentos.
Os acidentes de trabalho podem ser maiores devido as funções exercidas por terceirizados, mas jamais chegarem ao número que estão sendo divulgados. E não é difícil explicar, sabendo que entre eles existem os que fazem segurança patrimonial, transporte de valores, limpeza, etc. Grande parte trabalha em empresas alheias, em diversos ambientes, movimentando-se em vez de sentados em uma mesa ou mexendo em uma mesma máquina. Evidente que estão mais sujeitos a acidentes. No entanto, a diferença é mínima, as empresas ao contrário do que os adversários sugerem, são as mais interessadas em evitá-los, não só pelos custos humanos, à imagem, como também pelos custos financeiros. Nada há de mais caro em se tratando de relação de emprego, tanto para as terceirizadoras como, importante que se diga, para as tomadoras, que acidentes de trabalho. Lembremos que o trabalhador tem dupla garantia em caso de existir culpa, duas empresas responsáveis. Acontecendo o acidente ele ou a família tem direito a dano moral e material, este podendo consistir em pagamento de sua remuneração pelo resto da vida previsível, se não puder mais trabalhar (ou à família), ou seja, se o trabalhador tem 20 anos, prestadora e tomadora serão condenadas a pagar sua remuneração por 50 anos, e enfermeira, tratamentos etc, se ele ficar com algum problema físico mais grave.
Aliás, quando notificados a divulgar as fontes, os tais estudos que revelam mais de 50% de acidentes de trabalho entre terceirizados, às vezes até 80%, as organizações que os usam como argumento, sem exceção, não informam.
Está claro também que as empresas não irão terceirizar todas as suas atividades. Não há empresa que não se preocupe em inovar e melhorar o que produz, manter controle sobre o essencial, seus segredos de produção, marketing, gestão etc. Mas ainda que assim não fosse, mantidos os ganhos dos trabalhadores, suas muitas garantias, qual seria o problema? Por que a terceirização levaria a desumanização etc. Onde está se vê isso nas atividades que são terceirizadas, como segurança, limpeza, portaria etc?
Por fim, as garantias e remuneração dos terceirizados, tanto como a dos demais trabalhadores, obedecem a leis diversas, pisos, convenções, fiscalização do sindicato etc. Calculados no geral, podem ter médias menores, justamente por serem na maioria das funções, atividades que não existem especialização. Não se pode exigir que em economia de mercado um trabalhador de limpeza ou porteiro ganhe mais que um torneiro ou um técnico em informática, menos ainda que profissionais de nível universitário, tão comum nas empresas hoje em dia.
Ainda que assim não fosse, o trabalhado terceirizado terá, tanto como os demais, de ser enquadrado nas dezenas de artigos da Constituição, centenas de artigos da CLT, muitos contidos na convenção e na legislação esparsa. E para fiscalizar que sejam aplicados, temos o MTE., o MPT , o sindicato, a Justiça do Trabalho, e como já dissemos, a tomadora, que pagará a conta se a terceirizada não o fizer.
Por fim, ainda que fosse verdade a alegada precarização do trabalho, das empresas que o exploram, é contra essa precarização que devemos nos atirar, e não contra a terceirização. Trata-se da velha lição de não jogar fora a criança, junto com a água suja do banho.
Para evitar precarização, tanto os trabalhadores como as empresas sérias, tem ainda o Congresso, onde se pode fazer leis aperfeiçoando a prestação de serviços.
Como mais um benefício ao trabalhador, ele e sua família ganham como consumidores, o que expomos mais abaixo.
Ganha com a multiplicação de empresas, produção em rede, em vez de empresas verticais, que se fossem possíveis, seriam muito mais fortes para resistir a suas reivindicações.
E por fim, ganha com o desenvolvimento econômico propiciado pela remoção de obstáculos á produção. Ao contrário de uma economia engessada, burocratizada, submetida a ingerência estatal, onde vigora a insegurança jurídica, em um processo de desenvolvimento minimamente acelerado ele passa a ser disputado, em vez de mendigar empresas. Desenvolvimento significa mais empregos, produção, consumo, tributos, PIB etc
O QUE GANHAM AS EMPRESAS
As empresas ganham com a remoção de obstáculos ao desenvolvimento, poderem produzir mais, com mais variedade, mais qualidade, pelo menor preço.
Ganham com a segurança jurídica, que estimula, atrai, investimentos, em vez de afugentá-los. Ninguém investe em uma empresa onde é impossível calcular seu passivo, em especial se trabalhista, cujas obrigações devem ser previsíveis. Quem pode saber onde acaba a atividade meio e começa a atividade fim na fabricação, ou melhor, na montagem de um automóvel?
Em economia de mercado, isso não é apenas um benefício, é questão de sobrevivência. Quem não está constantemente se aperfeiçoando, perde o mercado para a concorrência, fecha as portas.
Há que se considerar ainda que a terceirização estimula a multiplicação de micro, pequenas e médias empresas. Não fosse a terceirização, as empresas industriais teriam que ser como a antiga Gosplan soviética, ou seja, serem empresas verticalizadas, fazendo de tudo, criando todas as matérias primas, peças, exercendo todas as funções, dentro de um mesmo local, algo de uma estupidez descomunhal.
A terceirização propicia especialização e criação de empresas de menor porte. Por exemplo, não construção de carros, apartamentos, etc, há fases, especialidades, centenas de componentes, cada qual feito por alguém que o faz bem e barato. Bem ao contrário de um século atrás, quando a Ford tentou plantar borracha no Amazonas para fazer seus pneus e apesar de todo o capital usado, quebrou. O negócio da Ford era fazer carros e não pneus.
GANHAM OS CONSUMIDORES
Mais produtividade e qualidade com melhor preço beneficia os consumidores, ou seja, os brasileiros, os trabalhadores e suas famílias, inclusive, que poderão ir sem medo a um supermercado, padaria, loja de automóveis etc.
GANHA O PAÍS
Com mais produtividade, qualidade e melhores preços, o país ganha em competitividade, conseguirá equilíbrio na balança comercial, divisas, com consequente redução de juros e outros benefícios econômicos.
Em um momento de crise, seria muito mais justo que os defensores da 331 gastassem suas energias discutindo desenvolvimento econômico e distribuição de resultados, como ter empresas fortes e produtivas, um país competitivo, receita tributária, produtos para consumo a preços exequíveis, a população se beneficiando, em vez de querer travar de vez essas possibilidades.
PERCIVAL MARICATO
Maricato Advogados Associados
Fonte- Cebrasse- 21/11/2016- http://www.cebrasse.org.br/3857