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CSLL- O Supremo e o limite da coisa julgada

Não é só o impeachment de um presidente da República que se repetirá em 2016. Decisões transitadas em julgado em 1992, ano em que o presidente Fernando Collor foi afastado do mais alto posto do Executivo, serão foco de análise do Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos meses.

Há 24 anos, empresas de diversos setores estão protegidas por sentenças definitivas que as livraram de recolher ao governo federal a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Agora, a União busca que o STF aceite a tese de que estas sentenças não produzem mais efeito, o que, na prática, obrigaria os contribuintes a voltar a pagar o tributo.

O assunto é complexo e há décadas toma as horas de trabalho de procuradores da Fazenda Nacional e de advogados, dedicadas a encontrar argumentos pró e contra a tese conhecida entre especialistas como “CSLL coisa julgada”. De acordo com tributaristas, empresas que obtiveram decisões definitivas ainda na década de 1990 estão sendo autuadas pela Receita Federal para que voltem a recolher a contribuição. Alguns autos de infração, dizem, chegam a atingir milhões de reais.

“Existem contribuintes que ajuizaram ação em 1989, ganharam a causa em 1992. E agora, em 2015 e 2016 estão sendo autuados pela Receita para recolherem a CSLL nos últimos cinco anos”, afirma Camila Abrunhos Tapias, sócia do escritório Tozzini Freire Advogados. “Empresas mais conservadoras ou cotadas em bolsa voltaram a recolher a contribuição diante da insegurança”, completa Ana Luiza Martins, sócia do Tauil & Chequer Advogados.

É a definição dos limites da coisa julgada em matéria tributária que está nas mãos dos ministros do Supremo. Ou, em outras palavras, o próprio STF dirá qual o efeito de suas próprias decisões em controle concentrado e difuso sobre sentenças transitadas em julgado.

Estudantes de Direito aprendem cedo que, entre os direitos fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal, está o de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. No novo Código de Processo Civil, foi mantida a regra do CPC revogado que só autoriza, nas relações de trato continuado, o pedido de revisão da sentença no caso em que houve mudança de fato ou de direito (artigo 505, inciso I).

E o que teria mudado nestas duas décadas e meia para autorizar a volta da exigência da CSLL para contribuintes protegidos por sentenças definitivas? Em 2007, o STF declarou constitucional a CSLL instituída pela Lei 7.689/1988, autorizando o Fisco a exigi-la. Para a Fazenda Nacional, a decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 15 – proposta no início dos anos 1990 – permite que a Receita volte a cobrar o tributo mesmo daqueles contribuintes que obtiveram na Justiça o direito de não pagar a contribuição.

“Essa é uma decorrência lógica da força do precedente judicial. Quando o Supremo interpreta a norma ele derruba o suporte jurídico das sentenças que transitaram em julgado”, afirma Claudio Seefelder, procurador-geral adjunto do contencioso tributário da Procuradoria da Fazenda Nacional.

Para tributaristas e constitucionalistas, existem alguns problemas com a aceitação desta tese. Talvez o principal deles seja a perda de segurança jurídica obtida com a coisa julgada, que é garantia constitucional. Isso porque, mesmo com decisões definitivas que extinguiram a relação jurídica entre determinada empresa e o Fisco, as partes dependeriam de uma posição definitiva do Supremo sobre o assunto para terem certeza e segurança sobre qual é a regra do jogo.

“A mensagem que o Supremo passaria é de que o que há de mais ou menos definitivo é uma decisão em controle concentrado”, afirma Diego Werneck Arguelhes, doutor em Direito e pesquisador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio.

Fim dos efeitos

Procuradores e até alguns advogados rejeitam que a tese a ser analisada pelo Supremo implique em uma relativização da coisa julgada. Isso porque o que a Fazenda Nacional pede aos ministros é que a sentença que reconheceu a inconstitucionalidade da CSLL perca os efeitos a partir da publicação do acórdão da ADI 15, em 31 de agosto de 2007.

Constitucionalistas apontam um caso clássico de relativização da coisa julgada promovida pelo Supremo. Em 2011, a Corte autorizou um jovem de Brasília a exigir que seu suposto pai realizasse exame de DNA, mesmo após a ação de investigação de paternidade ter sido encerrada pelo Judiciário por falta de provas (RE 363889).

No caso, o STF, com base no “direito à busca da verdade real”, permitiu a revisão de uma sentença no caso de uma mesma pessoa. Na discussão sobre a CSLL, vai firmar uma posição geral que pode permitir a rediscussão de sentenças transitadas em julgado.

Para Werneck Arguelhes, tecnicamente as situações são diferentes, embora as consequências sejam as mesmas. “O efeito prático é o mesmo, que é alcançar uma situação protegida pela coisa julgada. No caso da CSLL, parece haver uma brincadeira com as palavras para dizer que isso não é relativizar a coisa julgada”, opina o colunista do JOTA.

Mais poder?

Apesar de a discussão envolver a CSLL, tributaristas afirmam que a tese fixada pelo Supremo nos recursos extraordinários com repercussão geral 949297 e 955227 vão impactar outras discussões tributárias. É o caso, por exemplo, da inclusão do ICMS no cálculo da Cofins, estimada pela Receita Federal em R$ 250 bilhões. Segundo advogados, há empresas com decisões definitivas. A constitucionalidade da incidência de um tributo sobre outro, porém, ainda será analisada pelo Supremo no RE 574.706.

Além da área tributária, a fixação da tese poderia servir de precedente e impactar a vida de servidores públicos que ingressaram no Judiciário para obter determinado benefício que, anos depois do trânsito em julgado da ação individual, foi declarado inconstitucional pelo Supremo em sede de ação direta de inconstitucionalidade ou em repercussão geral.

A depender da decisão que venha a ser tomada pelo Supremo, os ministros poderiam dar ainda mais poder à Corte ao aceitarem analisar no caso a caso se existe razoes para atingir situações passadas e definitivas. Mas esse poder viria com um risco, analisa Arguelhes.

“O risco seria de sofrer uma forte pressão para revisão de decisões passadas. Seria uma proteção para o Supremo apontar para decisões passadas e dizer que não pode mexer nelas”, afirma.

Igualdade

A Fazenda Nacional invoca o princípio da igualdade como um dos fundamentos que permitiriam a cessação dos efeitos das sentenças que reconheceram a inconstitucionalidade da CSLL.

“Há um claro desequilíbrio concorrencial e econômico”, afirma Seefelder, dando o exemplo de um banco que acionou o Judiciário na década de 1990 e de outro que não recorreu à Justiça e continua recolhendo a contribuição.

Quando perguntados sobre o argumento, porém, tributaristas têm uma reposta na ponta da língua: “o direito de ação promove desigualdades” e “o direito não socorre os que dormem”.

Para Diego Werneck Arguelhes, o sentido da previsão constitucional de que a lei não pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada é de que mudanças posteriores no direito não afetem situações passadas.

“Se a intenção da Constituição é proteger relações jurídicas há de se aceitar que existem pessoas em situações diferentes, então o argumento da isonomia não é suficiente”, afirma, acrescentando: “O Supremo, porém, pode dizer: ‘o legislador não pode atingir a coisa julgada, mas eu posso’”.

A discussão da CSLL coisa julgada não é uma tese setorial tampouco é uma discussão que atinge apenas um segmento da economia. Justamente por isso é que advogados ainda têm dúvidas sobre como será a participação dos amicus curiae nos REs 949297 e 955227.

Escritórios já se movimentam para entrar com pedidos de ingresso como interessados, aproveitando a regra do artigo 138 do novo CPC. O dispositivo autoriza participação de pessoa natural ou jurídica, além de órgão ou entidade especializada como terceiros interessados em contribuir com a discussão.

Advogados devem apresentar aos ministros do Supremo dois precedentes da Corte que, embora sobre situações diferentes, sinalizam uma linha de entendimento.

Em maio de 2015, o tribunal (RE 730462) decidiu, em repercussão geral, que uma decisão do Supremo que declare alguma norma inconstitucional ou constitucional não impacta em sentenças proferidas em sentido contrário. No voto, o ministro Teori Zavascki afirma:

“Sobrevindo decisão em ação de controle concentrado declarando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de preceito normativo, nem por isso se opera a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente”.

Continua o ministro:

“o efeito executivo da declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade deriva da decisão do STF, não atingindo, consequentemente, atos ou sentenças anteriores, ainda que inconstitucionais. Para desfazer as sentenças anteriores será indispensável a interposição de recurso próprio (se cabível), ou , tendo ocorrido o trânsito em julgado, a proposição de ação rescisória, nos termos do artigo 485, V, do CPC, observado o prazo decadencial (CPC, art. 495)”.

No RE 592.912, julgado em 2012, a 2 Turma do STF decidiu que uma decisão em controle difuso não poderia desconstituir a coisa julgada, uma vez que não teria eficácia retroativa. O ministro Celso de Mello, afirmou, na decisão que “a sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei”.

De acordo com o ministro, depois desse prazo “estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF”.

Revisão

Nos julgamentos dos recursos extraordinários, o Supremo também deverá se manifestar sobre a indispensabilidade da ação rescisória e da ação revisional para que os efeitos da coisa julgada terminem. Processualmente, o perdedor de uma ação transitada em julgado tem dois anos para entrar com uma ação rescisória e tentar revisar o entendimento proferido na sentença.

De acordo com advogados, a tese que o Supremo analisará em breve nasceu porque as rescisórias não foram ajuizadas pela Fazenda Nacional no momento apropriado, quando as ações foram transitando em julgado especialmente no Tribunal Regional Federal da 1 Região.

“O que se tenta criar agora é uma nova hipótese de rescisória”, afirma o advogado Tércio Chiavassa, sócio do Pinheiro Neto Advogados.

De alguma forma, dizem advogados, o acatamento da tese da Fazenda Nacional pelo Supremo esvaziaria, no fim do dia, a função da ação rescisória e da ação revisional. Mais que isso, esvaziaria o mecanismo do controle difuso de constitucionalidade, diz a tributarista Ana Luiza Martins.

Entre doutrinares e nos grupos de trabalho formados entre advogados, a questão que tem sido discutida é se seria possível desconstituir uma sentença definitiva da Justiça a partir de uma decisão do Supremo em controle concentrado ou se, após o pronunciamento do STF, a Fazenda Nacional teria que ajuizar a chamada ação revisional de direito contra cada uma das sentenças transitadas em julgado.

Para o procurador Claudio Seefelder o efeito da decisão do Supremo sobre a coisa julgada é automático. O tributarista Tércio Chiavassa discorda.

“A coisa julgada prevalece até que algo aconteça para que ela mude, então deve haver o ajuizamento de uma ação individual para atacar a coisa julgada”, afirma.

A partir desta definição surgiria outra dúvida: caso a Justiça aceite a ação revisional e exija que o contribuinte volte a recolher o tributo, os efeitos desta decisão começariam da data da sua propositura ou de seu trânsito em julgado? Eis uma pergunta ainda sem resposta.

Muita história

A análise do Supremo sobre a CSLL coisa julgada virá pelo menos cinco anos depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter julgado a questão do ponto de vista infraconstitucional.

Em 2011, a 1 Seção da Corte, em recurso repetitivo, decidiu que “o fato de o Supremo posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado não pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade”. A decisão foi unânime.Na ocasião, o STJ também afastou para o caso da CSLL a aplicação da Súmula 239 do Supremo, segundo a qual a decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”. Este, inclusive, é um dos pontos que o ministro Edson Fachin, do Supremo, se propôs a analisar no RE 949297. “Deverá ser discutida a vigência e a aplicabilidade da Súmula 239 desta Corte, afirma Fachin, no voto em que reconhece a repercussão geral da matéria.

Dias depois do julgamento do STJ a Fazenda Nacional publicou o Parecer 492, de 41 páginas, em que orienta os procuradores sobre a tese que defende no Supremo. “Os precedentes definitivos e objetivos do STF constituem circunstância jurídica nova apta a fazer cessar, prospectivamente, eficácia vinculante das anteriores decisões tributárias transitadas em julgado que lhes forem contrárias”.

No documento, a procuradoria defende que o efeito é automático, e opera em duas vias. Quando a decisão do Supremo for a favor do Fisco a União está autorizada a voltar a cobrar o tributo. Nos casos em que a decisão da Corte for favorável ao contribuinte, este pode deixar de pagar o tributo, sem que seja necessária autorização judicial nesse sentido.

Carf

No início desta reportagem, expomos que empresas que obtiveram sentenças definitivas no sentindo da inconstitucionalidade da CSLL continuam sendo autuadas pela Receita Federal. Os questionamentos destes contribuintes vão parar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda responsável por analisar estas reclamações.

Um dos argumentos levantados pela Fazenda Nacional para voltar a exigir o tributo é o de que a Lei 7.689/88 foi alterada por seis normas editadas nos anos seguintes, que, segundo o Fisco teria promovido alterações de fato e de direito, o que teria o poder de cessar os efeitos da coisa julgada.

Em 2011, o STJ, na decisão em recurso repetitivo, decidiu que as Leis 7.856/89 e 8.034/90, a LC 70/91 e as Leis 8.383/91 e 8.541/92 apenas modificaram a alíquota e a base de cálculo da contribuição pela lei de 1988 ou apenas dispuseram sobre a forma de pagamento. Estas alterações, para o STJ, não autorizam o Fisco a exigir a CSLL.

O STJ, porém, não incluiu no rol a Lei 8.212/1992. Dessa forma, o Carf entende que não está submetido à decisão do STJ, logo tem chancelado as cobranças da Receita  posteriores a 1992. Este foi o entendimento aplicado, por exemplo, no caso da White Martins que obteve sentença definitiva em 1990 e foi cobrada a recolher a CSLL em 2008; da Samarco, que tem decisão de 1992 e foi exigida pelos anos calendários de 2007 e 2008, e da Neslip que também possui sentença de 1992 e foi cobrada pelo não recolhimento da CSLL em 2004.

“As leis posteriores teriam que promover alterações substanciais sobre a incidência da CSLL. Mas, ao contrário, elas só trouxeram mudanças na base de cálculo e na alíquota, o que não é suficiente para cessar os efeitos da coisa julgada”, afirma Camila Tapias.

Inevitavelmente, o Judiciário será acionado para definir o litígio.

2/8/2016

Fonte- http://jota.uol.com.br/o-supremo-e-o-limite-da-coisa-julgada

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