Os conglomerados empresariais são cada vez mais concebidos na forma de uma rede complexa de sociedades juridicamente autônomas, mas que se comunicam em razão de participações societárias e vínculos contratuais relevantes entre si.
Esse modelo de estruturação tem como base o conceito de “ring fence”, ou seja, segregação de ativos e seus respectivos passivos para evitar a contaminação entre as sociedades. Tal conceito é largamente usado nos financiamentos de projeto, nos quais há constituição de uma sociedade de propósito específico por projeto, evitando a exposição do investidor, seu patrimônio e balanço ao endividamento de cada um deles. Além do investidor, o financiador também tem uma expectativa de proteção, na medida em que, mediante a adoção de cuidadosa estruturação societária e contratual, o risco estaria restrito à tomadora e o débito não seria tratado de forma pari passu com relação aos demais membros do grupo.
No direito recuperatório, entretanto, a autonomia societária tem sido flexibilizada por decisões (não uniformes), que, além de permitir o litisconsórcio ativo (ajuizamento conjunto), têm permitido a consolidação substantiva (substantive consolidation), ou seja, a consolidação de ativos e passivos das diferentes empresas recuperandas para fins da formação de lista de credores e apresentação do plano (e de sua votação). Assim, créditos de uma entidade do grupo podem ser amortizados com ativos de outra.
A prática tem mostrado que fica a critério do devedor escolher quais empresas do suposto grupo econômico integrarão o polo ativo
Não há na Lei de Recuperação Judicial e Falências brasileira a conceituação do que seria um grupo econômico e nem regra para o procedimento concursal nesses casos. Também prescindem de orientação a possibilidade de processamento conjunto do pedido, a apresentação de lista única de credores e a formulação de plano comum, gerando bastante discussão e insegurança jurídica.
Diante dessa falta de diretriz, duas situações devem ser diferenciadas. A primeira de grupo econômico de direito, cuja conexão entre as sociedades do grupo é estabelecida no momento de sua constituição. Tal concepção é pouco utilizada e, portanto, não gera maiores questionamentos.
Situação diversa, ocorre com o grupo de fato, ou seja, quando as sociedades estão unidas em razão de participação societária e/ou relacionamento contratual relevante entre si, mas são mantidas suas personalidades jurídicas e interesses sociais. Tal segregação deve ser, via de regra, preservada, salvo quando haja elementos capazes de justificar a desconsideração da personalidade jurídica, por desvio de finalidade, ou confusão patrimonial.
Recentemente, a consolidação substantiva foi aplicada por se entender que, embora criadas como entidades autônomas, as recuperandas gravitariam em volta de um mesmo grupo de contratos responsável pelas receitas relevantes do grupo. Em outro caso, considerou-se que a criação de sociedades distintas, apenas para fins de captação de recursos (“cascas”) não seria suficiente para o afastamento da consolidação, já que não se poderia cogitar a existência autônoma de uma empresa, sem o restante do grupo. Em todos os casos, contudo, a consolidação tem sido permitida ao devedor sempre que tal medida é instrumental e benéfica para angariar maior apoio à recuperação.
A prática tem mostrado, ainda, que fica a critério do devedor, quando do protocolo da recuperação judicial, “escolher” quais as empresas do suposto grupo econômico integrarão o polo ativo da recuperação judicial. Assim, não é raro que os credores, uma vez admitido o litisconsórcio ativo unitário, exijam que outras empresas com ativos mais valiosos integrem a recuperação, dado que não deveria ser outorgada tal escolha ao devedor.
Há casos, inclusive, em que foi deferida à devedora a prerrogativa de optar pela melhor forma de apresentação do plano, podendo, posteriormente, a assembleia de credores decidir sobre a sua unificação ou segregação.
Consequência imediata da consolidação substantiva é a diluição do passivo entre as entidades do grupo. Tal medida, se, de um lado, supostamente potencializa as chances de aprovação do plano e a recuperação da empresa, de outro, pode ter o indesejável efeito de beneficiar credores que aceitaram tomar maior risco e assim precificaram seu crédito, em detrimento daqueles que buscaram maior proteção estrutural (por exemplo, créditos garantidos por entidade do grupo mais solvente) e estenderam crédito em condições mais favoráveis ao devedor.
Em última instância, a incerteza com relação à aplicação da consolidação pode ter um efeito adverso relativo ao custo de alavancagem, pois os credores, por precaução, tenderão a fazer uma análise de crédito consolidada, isto é, do grupo.
Tais consequências poderiam ser atenuadas pela definição de critérios legais para aplicação da consolidação e aumento da previsibilidade das decisões. Como norteador, podemos citar os fatores utilizados pela jurisprudência norte-americana, quais sejam: (i) se os credores, para fins de avaliação de risco e fatores gerais para concessão de crédito, consideraram o grupo econômico como um todo, ou cada uma das entidades isoladamente; ou (ii) se há confusão patrimonial, de modo que a consolidação seria benéfica aos credores.
De todo modo, a consolidação substantiva deveria ser a exceção, aplicando-se somente nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, ou se estiverem presentes elementos legais, ou que vierem a se consolidar por via jurisprudencial. Fica assim garantido o tratamento diferenciado do risco contratado por cada um dos credores, bem como recomposto o equilíbrio entre a preservação da empresa e a proteção do crédito.
Fonte- Valor Econômico- 22/8/2016- http://alfonsin.com.br/conglomerado-empresarial-na-recuperao/