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Cobranças no Novo CPC

Por Luciano Godoy Advogado em São Paulo, sócio do PVG Advogados, Professor da FGV Direito SP, ex-Juiz Federal. É mestre e doutor em Direito pela USP e foi Visiting Scholar na Columbia Law School
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A advocacia em tempos de crise econômica se resume a dois pontos. Primeiro, as discussões de contratos em arbitragens e processos judiciais, já que uma das partes apresenta dificuldades em honrar compromissos contratuais assumidos anteriormente, face às alterações econômicas das bases do contrato em face instabilidade econômica. Um exemplo disso é o setor da construção civil. Com a crise econômica atual, o mercado imobiliário parou; não há demanda para novas unidades e os empreendimentos em construção encalham. Como resultado, a incorporadora e a construtora não dão conta em honrar os compromissos anteriormente assumidos com clientes e fornecedores. E finaliza na discussão do contrato.
 
Com bancos e outras instituições do mercado financeiro (FIDCs, por exemplo), a situação se direciona à cobrança. Havia uma previsão de venda e faturamento que não se confirma mais, a renegociação do contrato de empréstimo não é bem sucedida e a judicialização por parte do credor é a alternativa. Em segundo lugar, os processos de recuperação judicial por parte dos devedores, como meio legal de preservação da empresa e reestruturação forçada; aliás, esses casos cresceram em número e valor em 2015 e seguem em ascensão em 2016.

Já tratei do tema em outra oportunidade no JOTA e, agora, volto especialmente para tratar do novo Código de Processo Civil, em vigor desde 18 de março de 2016, as cobranças ou execuções civis – destaco algumas importantes mudanças, dez itens de atenção.

I. Possibilidade de inclusão judicial do nome do executado em cadastros de inadimplentes a requerimento do exequente (artigo 782, § 3º) – Em prol da efetividade do processo de execução, o legislador incluiu mais um meio de desmotivar o executado ao não pagamento do débito – negativação da cobrança judicial diretamente. Essa medida não obsta a inclusão extrajudicial do nome do executado nos cadastros de inadimplentes, que pode ocorrer sem autorização judicial; aliás, já ocorre, mas aqui há uma veiculação via processo judicial que inibe qualquer alegação de ilegalidade nessa “negativação”. Sobre o tema – CORREIA, André de Luizi, FLEURY, Rodrigo Ribeiro e GAMA DA SILVA NETO, Luis Antonio. O Exequente no Novo Código de Processo Civil. In: Revisa de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 70/2015, p. 169-200, out-dez/2015.

II. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (artigos. 133 a 137) – O art. 790, inciso VII, inclui entre os bens sujeitos à execução daqueles do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. O Novo CPC criou o incidente de desconsideração de personalidade jurídica para instalar o contraditório na busca de bens dos sócios pelas dívidas – ou o inverso; exige que a desconsideração da personalidade jurídica seja precedida do exercício do contraditório pelos terceiros contra os sócios aos quais poderá ser estendida a responsabilidade patrimonial pelo débito em cobrança. Realmente, aqui há uma inovação legislativa do novo CPC, que diverge da jurisprudência do STJ que reconhecia a possibilidade de desconsideração incidental e direta da personalidade jurídica no processo de execução; a medida poderia ser tomada sem a citação dos sócios em desfavor dos quais foi desconsiderada a personalidade jurídica, que poderiam apresentar defesa em contraditório diferido, após a medida de constrição de bens.
 
III. Fraude à Execução e o Ônus da Prova (artigo 792) – O novo CPC reduziu a efetividade e aumento o burocratismo quanto ao reconhecimento de nulidade de alienação de bem em fraude à execução, isto é, quando pendente uma ação real ou uma cobrança em face do vendedor/alienante. Caminhou no sentido da atual jurisprudência do STJ (súmula 375), com o entendimento de que, na ausência de averbação da constrição, há presunção relativa da boa-fé do terceiro adquirente. Para que seja possível o reconhecimento de fraude à execução, há necessidade de prévia averbação ou registro (para os bens imóveis e veículos, por exemplo) no cadastro respectivo da existência do processo ou prova da má-fé do adquirente. E o terceiro poderá demonstra a sua boa-fé ao comprovar que tomou as cautelas (pedidos de certidão) para a aquisição do bem.

IV. Exigências relativas ao demonstrativo do débito (artigo 798, parágrafo único) – Mais um ponto de aumento de exigências procedimentais para a apresentação da cobrança, em benefício do devedor, a qual vejo como positiva para facilitar o andamento do caso. Um ponto sempre de impugnação –  a conta e, agora, deve vir pormenorizada quanto aos itens de composição do cálculo. “Devedores contumazes invariavelmente impugnavam de maneira genérica os simples demonstrativos apresentados pelos credores, tornando necessária a conferência judicial dos cálculos de formação do crédito, sobrecarregando a máquina judiciária e tornando ineficazes os atos executivos.”  (Cf. CORREIA, André de Luizi, FLEURY, Rodrigo Ribeiro e GAMA DA SILVA NETO, Luis Antonio. Ob. cit, p. 169-200).

V. Honorários Advocatícios (artigo 827) – Há limite à fixação liminar de honorários advocatícios no ajuizamento da cobrança. Além da manutenção da redução pela metade do valor dos honorários advocatícios em caso de pagamento integral no prazo de 3 dias, o § 2º prevê a possibilidade de majoração dos honorários em caso de rejeição dos embargos à execução ou, não opostos os embargos, ao final do procedimento, levando-se em conta o trabalho realizado pelo advogado do exequente.

VI. Ordem preferencial de penhora (artigo 835) – Houve alterações na ordem preferencial de penhora, porém foi mantida a prioridade da penhora de dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira. O §1º é expresso ao eleger a penhora de dinheiro como prioritária, contrariando a jurisprudência do STJ (súmula 417). Depois de tantos pontos a favor do executado, aqui um ponto que pode trazer celeridade e efetividade às cobranças.
 
VII. Disciplina da penhora de dinheiro online, sistema Bacen-Jud (artigo 854) –  Uma previsão ampla de regramento da penhora online. Há diferença entre o bloqueio de valores (“arresto eletrônico”) e sua transferência para a conta judicial após conversão em penhora. Destaca-se a responsabilidade da instituição financeira pelo atraso no cumprimento das determinações judiciais.
 
VIII. Penhora de quotas ou ações de sócios (artigo 861) – O novo CPC trouxe o procedimento completo de penhora e liquidação das quotas ou ações de sócios, que deve ocorrer no prazo máximo de 3 meses; há, porém, possibilidade de ampliação deste prazo pelo juiz caso verifique risco à estabilidade financeira da sociedade. A disciplina, para evitar a quebra da affectio societatis, garante aos demais sócios e à sociedade (desde que sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria) o direito de aquisição das quotas antes que ocorra a liquidação forçada.

IX. Penhora de percentual de faturamento de empresa (art. 866) – Seguindo a linha que já era adotada pelo STJ, o novo CPC é claro ao prever a excepcionalidade da penhora de faturamento de empresa. Além disso, há limite ao percentual a ser fixado pelo juiz, que deve observar o equilíbrio entre a satisfação do crédito em tempo razoável e a viabilidade do exercício da atividade empresarial.

X. Leilão eletrônico (artigo 882) – Por fim, vale observar que várias modificações do Novo CPC se devem aos avanços da tecnologia, que permitiram o desenvolvimento de meios mais eficazes de constrição de bens, avaliação e expropriação. Além do desenvolvimento da disciplina da penhora online, já mencionada, o leilão eletrônico favorece a celeridade e alcança maior número de interessados. Imagina-se a criação de um negócio, tanto para os leiloeiros, como para os arrematantes, com amplitude nacional. O leilão presencial em cidades menores ficava restrito a um pequeno número de arrematantes.
 
O Relatório Justiça em Números, elaborado pelo CNJ em 2015, aponta que tanto na esfera federal, quanto na esfera estadual, os processos de cobrança ou execução representam cerca de 50% dos processos pendentes. Destacam-se, primeiramente, as execuções de títulos extrajudiciais fiscais, com taxa de congestionamento de 91% e, em segundo lugar, as execuções de títulos extrajudiciais não fiscais, com taxa de congestionamento de 83%. É alto e revela um sistema pouco eficiente na cobrança dos créditos não pagos.
 
Nesse cenário, o novo CPC trouxe, de um lado, alterações que favorecem a sua efetividade – ao evitar fraudes, descumprimento de ordens judiciais e atos protelatórios – e, de outro, mudanças que fortalecem o princípio da menor onerosidade ao executado, a proteção a terceiros de boa-fé, alargamento do contraditório e a proteção à atividade empresarial, impondo maior controle, dessa forma, a eventuais abusos por parte dos credores.  Minha dúvida, em um rápido balanço geral das alterações – diminuiu-se a efetividade das cobranças e aumentou o tempo de tramitação desses casos.

18/4/2016

Fonte- http://jota.uol.com.br/cobrancas-no-novo-cpc

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