Os contribuintes começaram o ano perdendo a maioria dos casos difíceis que discutem amortização de ágio na Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – última instância administrativa. A decisão, considerada mais importante por tributaristas porque servirá de parâmetro para os casos similares e bilionários que tramitam na Corte, impediu o uso do ágio na privatização da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe).
O ágio é um valor pago pela rentabilidade futura de empresa adquirida ou incorporada. Pode ser registrado como despesa nos balanços e reduzir o valor do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a pagar. Apesar de a lei permitir o uso, a Receita autua contribuintes quando avalia que a operação foi realizada apenas para reduzir a carga tributária.
Na semana passada, o Carf analisou os cinco primeiros processos de ágio desde que voltou a funcionar – após ficar quase um ano parado em função da operação Zelotes. Os julgamentos foram iniciados em dezembro, mas nenhum havia sido concluído.
As decisões foram favoráveis à Fazenda em três processos, entre eles o ágio na privatização da Celpe. No fim da década de 90, o governo de Pernambuco colocou 100% do controle da companhia à venda. Em 2000, a empresa foi adquirida em leilão por R$ 1,9 bilhão em consórcio formado pela Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) associada à carteira de investimentos do Banco do Brasil (BB) e ao grupo espanhol Iberdrola.
Em 2001, o consórcio Guaraniana (Iberdrola, Previ e BB Invest) apresentou um modelo de reestruturação que permitiria à Celpe incorporar o ágio da privatização e usufruir do benefício fiscal. Mas o Fisco considerou que as reorganizações societárias seriam artificiais e teriam o único objetivo de obter o benefício da amortização do ágio na Celpe.
Na Câmara Superior, apesar da divergência de alguns conselheiros, prevaleceu o voto do relator, Rafael Vidal de Araújo, representante da Fazenda. Para a Fazenda Nacional, como não há confusão patrimonial entre as empresas, não haveria previsão legal que autorizasse o uso do ágio. A empresa usufruiu de um benefício fiscal de R$ 495,1 milhões.
O advogado que representa a companhia no processo, Roberto Quiroga Mosquera, do Mattos Filho, afirmou que vai recorrer da decisão por meio de embargos no Carf e na Justiça. Segundo ele, há 18 casos semelhantes no órgão. “A decisão desestimula investidores estrangeiros e fundos de pensão”.
A amortização de ágio foi usada em todas as privatizações no Brasil, segundo o pesquisador da FGV/Ceri, Edson Daniel Lopes Gonçalves. “Uma coisa são os princípios contábeis. Outra é o Estado criar uma regra e depois tentar mudar”, diz. Para Gonçalves, economicamente a decisão é ruim pela falta de previsibilidade.
A decisão ainda servirá de precedente para outras discussões, inclusive uma das mais valiosas para o Fisco, que envolve a privatização do Banespa, com a participação do Santander. Há três recursos bilionários que discutem o assunto no Carf. Em um deles, a decisão de turma foi favorável ao Santander, mas o recurso da Fazenda no caso não foi apreciado na Câmara Superior.
Outras decisões desfavoráveis aos contribuintes envolvem a Biosintética Farmacêutica e a Johnson Controls do Brasil Automotive. No caso da Biosintética, para os conselheiros, o uso de “empresa veículo” para a reestruturação não atendeu aos requisitos para enquadramento na lei que permite o uso do ágio. Já no caso da Johnson Controls do Brasil Automotive foi mantida autuação por ágio interno – gerado na operação entre empresas do grupo econômico da Johnson Controls – desacompanhado de seu efetivo pagamento.
Após a reformulação do Conselho, os julgamentos na Câmara Superior ficaram mais rigorosos e mais fiscalistas, avalia o advogado Giancarlo Matarazzo, do escritório Pinheiro Neto. “Ao invés de revogar a lei (que permite amortização de ágio), o Fisco tenta revogar o benefício por meio de julgamentos pouco técnicos”, afirmou.
Já para Dalton Miranda, advogado do Trench Rossi e Watanabe, pouco antes da paralisação das sessões havia uma sinalização de uma mudança de posicionamento contra os contribuintes nas discussões sobre ágio nas turmas.
Para o procurador da Fazenda Nacional Marco Aurélio Zortea Marques, é positivo que a Câmara Superior tenha começado a julgar casos de ágio. Como o tema foi pouco discutido no Conselho, o procurador considera que não é possível traçar uma linha de como estão sendo realizados os julgamentos.
Fonte- Valor Econômico- 26/1/2016; http://www.seteco.com.br/midia/list.asp?id=14193