O dia 29 de janeiro de 2014 pode ser um marco na história das práticas comerciais e financeiras no Brasil. Nessa data, entrou em vigor a Lei 12.846/13 — a tão esperada Lei Anticorrupção. Com ela, o poder público, especialmente o Judiciário, passa a ter meios que possibilitarão o ingresso do país no seleto grupo daqueles que dispõem de diplomas legais para combater uma das pragas mais insidiosas de nossos dias — a corrupção — que abala os alicerces da democracia e do império da lei, induz à violação de direitos humanos, distorce mercados, compromete a qualidade de vida dos povos e propicia o alastramento do crime organizado, do terrorismo e inúmeras outras ameaças à segurança mundial.
Esse fenômeno maligno acontece em todos os países, grandes e pequenos, pobres e ricos, mas é nos países em desenvolvimento que seus efeitos são mais devastadores. Desde a década de 1930, na sequência da Grande Depressão, a gravidade da questão foi identificada pelas autoridades públicas, tendo como primeira manifestação, nos Estados Unidos, o Securities Exchange Act, de 1934, contemplando o cumprimento de regras que permitissem a transparência na contabilidade das empresas, com sanções efetivamente inibidoras das más práticas. Mais tarde, em 1977, também nos EUA, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) tratou da punição dos atos de suborno praticados em face de autoridades públicas estrangeiras. A partir daí, progressivamente, todos os países passaram a adotar regulamentação similar, num movimento que cresceu de modo exponencial após a crise que levou à quebra de empresas consideradas too big to fail, como Enron, Worldcom e Arthur Andersen, e mais recentemente, o Lehman Brothers.
Já não é sem tempo que surge uma legislação brasileira tratando da responsabilização objetiva por atuação ilícita junto a autoridades públicas. A nova lei responsabiliza objetivamente as empresas, tanto no âmbito civil quanto no administrativo, pela prática de atos de corrupção e fraude em contratos públicos, prevendo sanções que vão desde a aplicação de multas de até 20% do faturamento bruto da empresa até a suspensão parcial das atividades e, para casos mais graves, a liquidação compulsória da empresa, no que vem sendo chamado pelo mercado de “pena de morte” empresarial. A norma legal inova ao prever atenuação da sanção para quem investir em mecanismos de prevenção, bem como benefícios para empresas que assinarem acordos de leniência e concordarem em colaborar com as investigações instauradas pelas autoridades competentes. Em qualquer hipótese, no entanto, a empresa será obrigada a ressarcir o dano causado ao patrimônio público.
A lei, que se aplica a todos os tipos de empresas, fundações e associações, nacionais e estrangeiras atuando no País, muda o foco do combate à corrupção, mirando agora também no corruptor. Desde que foi sancionada, ela vem sendo muito discutida e todos estão tentando entender como deverão se comportar em relação às novas determinações — o que vem gerando insegurança. Isso porque a lei ainda depende de regulamentação de seus artigos. Em breve, deverá ser publicado o decreto federal suprindo essa lacuna, o que irá facilitar o entendimento de sua aplicação, pois estipulará os prazos do processo administrativo, os critérios para definir o valor de multas e os mecanismos de controle interno a serem exigidos das empresas, dentre outros detalhamentos.
A grande inovação da lei reside na chamada responsabilidade objetiva, que permite que as empresas sejam punidas mesmo que os donos não tenham conhecimento das irregularidades praticadas pelos seus prepostos. Não prosperará o famoso subterfúgio do “eu não sabia de nada”, utilizado tanto nas empresas como em alguns segmentos do setor público.
O Brasil, contudo, ainda está muito longe de dar cabo à corrupção generalizada. Exemplo disso é recusa do Congresso Nacional, de votar um diploma legal que determine a transparência nas doações de recursos para políticos e seus partidos. O fato, porém, é que o mundo enfrenta uma guerra global contra a corrupção, e aqueles que não aderirem a esse movimento acabarão falando sozinhos ou ocupando uma cela de presídio.
Fonte- Conjur- http://www.conjur.com.br/2014-fev-16/nao-tempo-surge-lei-trata-responsabilizacao-objetiva